O fim da estrada
O anúncio de que o Sindicato dos Mineiros da Grã-Bretanha, o histórico ‘National Union of Mineworkers’, vai encerrar e amalgamar-se com o ‘Rail, Maritime, Transport (RMT)’ causou extraordinária emoção em todos os meios ligados às lutas dos explorados deste país. Congregando, apenas, 3000 membros (há 60 anos eram 500 000) o Sindicato deixou de poder afirmar-se na tarefa que sempre foi a sua. A realidade actual é muito diferente daquela que se conhecia quando as grandes lutas de 1972 e 1974 tiveram lugar. Mas o futuro espreita. E não restam dúvidas de que as lutas do amanhã, desenvolvidas por outros, conduzirão ao fim da estrada que os mineiros percorreram.
A sede do ‘NUM’ em Barnsley, já não tem pessoal. Raramente lá aparece alguém para atender o telefone. E, no entanto, é aquele o lugar onde se desenhou o imenso poder da classe dos mineiros, um poder tão forte que o antigo primeiro-ministro, Stanley Baldwin, aconselhava o seu partido, o conservador, a não provocar. O poderio do NUM na estrutura social britânica resultou das suas lutas intensas para fugir à exploração e à tirania do patronato. À volta de 1880, os patrões empregavam meninas de seis e sete anos para empurrarem vagonetas carregadas de carvão, ao longo dos carris. As condições de segurança eram atrozes. As horas de trabalho diário, infindáveis. Não havia higiene. Os salários eram de miséria. Todo o mundo se apercebeu, com a passagem de décadas, das profundas tragédias que assolaram a vida dos mineiros britânicos.
Em 1945, quando surgiu a esperança de um governo socialista, a indústria das minas de carvão foi nacionalizada pelo novo executivo de Attlee em cujo seio se ouviam vozes sinceras (mas nem todas!) a favor dos direitos da classe trabalhadora. As minas de carvão foram nacionalizadas e surgiu a entidade estatal que assumiria a direcção de todo o sector, o ‘National Coal Board’. Nestas novas circunstâncias, é legítimo sustentar que a situação dos mineiros melhorou muito. As grandes regiões mineiras progrediram visivelmente. As direcções regionais do Sindicato já se haviam unido, há muito, e apareceram ‘leaders’ cujo trabalho a favor da classe a que pertenciam se tornou lendário.
Vingança
Naturalmente, os inimigos dos mineiros escondiam-se no interior do partido dos ‘Tories’ (Conservadores). Estes, representando o imperialismo e os patrões das indústrias que se propunham substituir o carvão (gás e petróleo, especialmente) enquanto a indústria da energia atómica ainda permanecia no sector do Estado, suspiravam pela vingança contra a nacionalização das minas. Achavam que o carvão era uma indústria suja e sem futuro e desprezavam a situação do pessoal mineiro e das suas famílias.
Em 1972, a crise do petróleo gerada pelos imensos problemas do Médio Oriente, deu aos mineiros, então dirigidos por Joe Gormley, trabalhista de direita, uma oportunidade única para exigirem condições de continuidade industrial e de melhoria de salários. O ‘National Coal Board’, na verdade a entidade patronal, viu-se forçado a negociar e aceitar uma boa parte das reivindicações do pessoal mineiro a que se associavam os trabalhadores administrativos (white collar workers). Estes, apostavam e tiravam partido da combatividade dos camaradas mas, mais tarde, quando tanto se necessitou deles, desviaram-se da luta.
Surgiram, entretanto, novos dirigentes no Sindicato, homens que se entregavam à causa com total dedicação, conheciam o passado e queriam garantir o futuro. Joe Gormley, fugia a conflitos. Mas Mick McGahey (comunista) e Arthur Scargill (socialista de esquerda) empunhavam com rara firmeza o estandarte da classe mineira cujas tradições de luta costumavam galvanizar quase toda a classe trabalhadora britânica. Em 1974, nas condições criadas pela guerra do Yom Kippur do ano anterior, o Sindicato emitiu novas exigências a que o governo conservador de Edward Heath resistiu. E o primeiro- ministro foi à televisão perguntar ao povo britânico: «Quem deve governar este país: o governo eleito ou os mineiros?» Dado que os piquetes grevistas não permitiam a saída de carvão para as grandes centrais eléctricas, o governo Heath decretou a semana de três dias de trabalho. A Grã-Bretanha passou a viver na escuridão. As indústrias que dependiam do carvão suspendiam a produção. Londres, sem electricidade, era uma cidade fantasma nesses dias. Heath foi para eleições mas viu-se derrotado por Harold Wilson. Este, ao entrar no No.10 de Downing Street, garantiu aos mineiros as reivindicações por que tanto se haviam sacrificado.
O princípio
O mercado de carvão em plena Inglaterra industrial de 1830 estava em expansão. Os mineiros de Northumberland e Durham uniram-se e conseguiram uma redução nas horas de trabalho. O desenvolvimento dos caminhos de ferro criou melhores condições, ainda, para o negócio das minas de carvão onde em certas áreas (Yorkshire, Midlands) apareciam mineiros com capacidade de luta ganha na miséria das minas da Escócia. Toda a gente falava na união dos trabalhadores das diversas regiões mineiras. Um dos activistas que mais se destacou nessa luta foi Keir Hardie (fundador do Partido Trabalhista), o homem que dirigiu a primeira greve de sempre no Lanarkshire (Glasgow). Outros mineiros quiseram dar às lutas de classe uma expressão mais abrangente e foram eleitos como deputados ao Parlamento de Westminster.
Em 1889, numa conferência em Newport (País de Gales), foi decidido fundar a Federação dos Mineiros da Grã-Bretanha. Mas esta estrutura, sempre a sofrer das causas e dos efeitos de anteriores desinteligências, daria lugar à famosa NUM no dia 1 de Janeiro de 1945. Nessa altura o número de trabalhadores sindicalizados era de 533 000. Os tempos pareciam favoráveis. Os mineiros teriam de enfrentar grandes lutas no seu percurso. Mas havia confiança.
O fim
Quando Margaret Thatcher foi eleita e assumiu o cargo de ‘Premier’ pressentiu-se que o dia do ajuste de contas com os mineiros tarde ou cedo surgiria. Mas ela, astuta, já evitara confrontar-se com a classe dos mineiros onde o novo ‘leader’ Arthur Scargill, se afirmava como porta bandeira do socialismo nas Ilhas britânicas. Scargill tinha conseguido uma grande vitória durante a greve de 1974 quando conseguiu mobilizar 30.000 operários metalo-mecânicos que se foram colocar diante da Polícia em Saltley e levaram aquela a retirar-se, humilhada, da cena de luta pela continuidade dos empregos dos mineiros locais.
A 6 de Março de 1984, o ‘National Coal Board’, agora às ordens de Margaret Thatcher, indicou estar disposto a encerrar 20 instalações mineiras reduzindo a produção em 4 milhões de toneladas e despedindo, portanto, cerca de 20 000 trabalhadores. A primeira mina a fechar seria a de Cortonwood no Yorkshire do Sul. Seis dias depois, Scargill declarou uma greve geral de todos os mineiros britânicos em defesa dos seus postos de trabalho e, na verdade, da indústria de que todos dependiam. Downing Street considerava obsoletas as minas de carvão. Agora, a Grã-Bretanha ia assistir a uma das mais dramáticas lutas de classes da história do país.
O governo mobilizou polícia em todas as regiões do país. Simultaneamente, recorreu aos serviços secretos para levar a luta a um campo que não seria normal. Milhares de soldados fardados de polícias apareceram à porta das minas principais com o fim de fazerem frente aos piquetes. Grande aparato com cavalos e cães frente aos operários cuja causa o país compreendia, mas calava-se. Sem a solidariedade dos outros sindicatos e da central única, a TUC (Trades Unions Congress), os mineiros lutaram sozinhos durante um ano.
A confrontação principal teve lugar em Orgreave, perto de Rotherham, onde cerca de 10.000 piquetes se encontraram com igual número de polícias em uniforme de guerra e com equipamento adequado a um conflito militar. Em Janeiro de 1985 a greve começava a perder força. Alguns mineiros do Nottinghamshire, tentando conquistar o futuro por outros métodos, aliaram-se ao governo através da fundação de um sindicato ‘amarelo’, o dos ‘Mineiros Democráticos’. A 3 de Março, o Executivo do NUM votou por 98 votos contra 91 o regresso ao trabalho. Mas esse regresso trazia consigo o fim de uma era porque o governo Thatcher começou logo a fechar as minas - todas elas! Era o fim do princípio.
Em 1945, quando surgiu a esperança de um governo socialista, a indústria das minas de carvão foi nacionalizada pelo novo executivo de Attlee em cujo seio se ouviam vozes sinceras (mas nem todas!) a favor dos direitos da classe trabalhadora. As minas de carvão foram nacionalizadas e surgiu a entidade estatal que assumiria a direcção de todo o sector, o ‘National Coal Board’. Nestas novas circunstâncias, é legítimo sustentar que a situação dos mineiros melhorou muito. As grandes regiões mineiras progrediram visivelmente. As direcções regionais do Sindicato já se haviam unido, há muito, e apareceram ‘leaders’ cujo trabalho a favor da classe a que pertenciam se tornou lendário.
Vingança
Naturalmente, os inimigos dos mineiros escondiam-se no interior do partido dos ‘Tories’ (Conservadores). Estes, representando o imperialismo e os patrões das indústrias que se propunham substituir o carvão (gás e petróleo, especialmente) enquanto a indústria da energia atómica ainda permanecia no sector do Estado, suspiravam pela vingança contra a nacionalização das minas. Achavam que o carvão era uma indústria suja e sem futuro e desprezavam a situação do pessoal mineiro e das suas famílias.
Em 1972, a crise do petróleo gerada pelos imensos problemas do Médio Oriente, deu aos mineiros, então dirigidos por Joe Gormley, trabalhista de direita, uma oportunidade única para exigirem condições de continuidade industrial e de melhoria de salários. O ‘National Coal Board’, na verdade a entidade patronal, viu-se forçado a negociar e aceitar uma boa parte das reivindicações do pessoal mineiro a que se associavam os trabalhadores administrativos (white collar workers). Estes, apostavam e tiravam partido da combatividade dos camaradas mas, mais tarde, quando tanto se necessitou deles, desviaram-se da luta.
Surgiram, entretanto, novos dirigentes no Sindicato, homens que se entregavam à causa com total dedicação, conheciam o passado e queriam garantir o futuro. Joe Gormley, fugia a conflitos. Mas Mick McGahey (comunista) e Arthur Scargill (socialista de esquerda) empunhavam com rara firmeza o estandarte da classe mineira cujas tradições de luta costumavam galvanizar quase toda a classe trabalhadora britânica. Em 1974, nas condições criadas pela guerra do Yom Kippur do ano anterior, o Sindicato emitiu novas exigências a que o governo conservador de Edward Heath resistiu. E o primeiro- ministro foi à televisão perguntar ao povo britânico: «Quem deve governar este país: o governo eleito ou os mineiros?» Dado que os piquetes grevistas não permitiam a saída de carvão para as grandes centrais eléctricas, o governo Heath decretou a semana de três dias de trabalho. A Grã-Bretanha passou a viver na escuridão. As indústrias que dependiam do carvão suspendiam a produção. Londres, sem electricidade, era uma cidade fantasma nesses dias. Heath foi para eleições mas viu-se derrotado por Harold Wilson. Este, ao entrar no No.10 de Downing Street, garantiu aos mineiros as reivindicações por que tanto se haviam sacrificado.
O princípio
O mercado de carvão em plena Inglaterra industrial de 1830 estava em expansão. Os mineiros de Northumberland e Durham uniram-se e conseguiram uma redução nas horas de trabalho. O desenvolvimento dos caminhos de ferro criou melhores condições, ainda, para o negócio das minas de carvão onde em certas áreas (Yorkshire, Midlands) apareciam mineiros com capacidade de luta ganha na miséria das minas da Escócia. Toda a gente falava na união dos trabalhadores das diversas regiões mineiras. Um dos activistas que mais se destacou nessa luta foi Keir Hardie (fundador do Partido Trabalhista), o homem que dirigiu a primeira greve de sempre no Lanarkshire (Glasgow). Outros mineiros quiseram dar às lutas de classe uma expressão mais abrangente e foram eleitos como deputados ao Parlamento de Westminster.
Em 1889, numa conferência em Newport (País de Gales), foi decidido fundar a Federação dos Mineiros da Grã-Bretanha. Mas esta estrutura, sempre a sofrer das causas e dos efeitos de anteriores desinteligências, daria lugar à famosa NUM no dia 1 de Janeiro de 1945. Nessa altura o número de trabalhadores sindicalizados era de 533 000. Os tempos pareciam favoráveis. Os mineiros teriam de enfrentar grandes lutas no seu percurso. Mas havia confiança.
O fim
Quando Margaret Thatcher foi eleita e assumiu o cargo de ‘Premier’ pressentiu-se que o dia do ajuste de contas com os mineiros tarde ou cedo surgiria. Mas ela, astuta, já evitara confrontar-se com a classe dos mineiros onde o novo ‘leader’ Arthur Scargill, se afirmava como porta bandeira do socialismo nas Ilhas britânicas. Scargill tinha conseguido uma grande vitória durante a greve de 1974 quando conseguiu mobilizar 30.000 operários metalo-mecânicos que se foram colocar diante da Polícia em Saltley e levaram aquela a retirar-se, humilhada, da cena de luta pela continuidade dos empregos dos mineiros locais.
A 6 de Março de 1984, o ‘National Coal Board’, agora às ordens de Margaret Thatcher, indicou estar disposto a encerrar 20 instalações mineiras reduzindo a produção em 4 milhões de toneladas e despedindo, portanto, cerca de 20 000 trabalhadores. A primeira mina a fechar seria a de Cortonwood no Yorkshire do Sul. Seis dias depois, Scargill declarou uma greve geral de todos os mineiros britânicos em defesa dos seus postos de trabalho e, na verdade, da indústria de que todos dependiam. Downing Street considerava obsoletas as minas de carvão. Agora, a Grã-Bretanha ia assistir a uma das mais dramáticas lutas de classes da história do país.
O governo mobilizou polícia em todas as regiões do país. Simultaneamente, recorreu aos serviços secretos para levar a luta a um campo que não seria normal. Milhares de soldados fardados de polícias apareceram à porta das minas principais com o fim de fazerem frente aos piquetes. Grande aparato com cavalos e cães frente aos operários cuja causa o país compreendia, mas calava-se. Sem a solidariedade dos outros sindicatos e da central única, a TUC (Trades Unions Congress), os mineiros lutaram sozinhos durante um ano.
A confrontação principal teve lugar em Orgreave, perto de Rotherham, onde cerca de 10.000 piquetes se encontraram com igual número de polícias em uniforme de guerra e com equipamento adequado a um conflito militar. Em Janeiro de 1985 a greve começava a perder força. Alguns mineiros do Nottinghamshire, tentando conquistar o futuro por outros métodos, aliaram-se ao governo através da fundação de um sindicato ‘amarelo’, o dos ‘Mineiros Democráticos’. A 3 de Março, o Executivo do NUM votou por 98 votos contra 91 o regresso ao trabalho. Mas esse regresso trazia consigo o fim de uma era porque o governo Thatcher começou logo a fechar as minas - todas elas! Era o fim do princípio.