A arma letal
No âmbito da chamada publicidade e/ou afim, um apelo dos médicos do Mundo inclui uma mensagem que me deixa a pensar: «para quem não tem recursos, qualquer risco de doença é uma arma letal». Adivinha-se facilmente que a frase foi encontrada a pensar nas populações do Terceiro Mundo, onde aliás os Médicos do Mundo desenvolvem toda ou a muito maior parte da sua actividade. Porém, o que me faz pensar é que aquelas palavras se adequam perfeitamente às condições em que vivem, e presumivelmente em que morrem, muitos portugueses, aqui, nesta Europa agora promovida a EU dos 25. Pensar-se-á que o digo em consequência de alguma propensão para exagerar. Não, infelizmente: digo-o porque sei de sabedoria certa que milhares de compatriotas meus não têm recursos para tratar as doenças que já os acometeram ou que os espreitam. Sei-o porque vejo e ouço o que se me depara nas ruas, nas casas, nas farmácias, nos hospitais, nos centros de saúde. Sei-o também pelas informações que, interessado, recolho. E, de longe em longe, sei-o também pelas notícias e informações que a televisão me traz, embora ela seja, em regra, muito reservada sobre este assunto e outros que possam entristecer-nos. Como se sabe, a televisão é muito nossa amiga, não gosta de nos saber tristes, e por isso passa tanto tempo a distrair-nos com programas de anedotas, séries e filmes com muito sangue muitas mortes mas é tudo em faz-de-conta, novelas tecidas com muitas intriguinhas miúdas que é o que mais suscita o apetite de muitas telespectadoras, pitadas de sexo que tornem a TV atraente graças a outros apetites. E futebol, é claro. Tudo para que não fiquemos tristes ou, o que é quase o mesmo, fiquemos a pensar. Lá escreveu um poeta: «… pensar é amar o padecer da vida». E não digo qual o poeta porque não quero, nem por sombras, passar por concorrente com o engenheiro José Sócrates em matéria de citações abonatórias de grande bagagem cultural.
O que faz falta
Por mim e nestas colunas, interessa-me sobretudo a contribuição que a televisão me dá para que eu saiba o que se passa com a relação sempre mais ou menos assustadora entre os portugueses e a doença. A questão é que a contribuição da TV para esse conhecimento é muito escassa, e não parece que o devesse ser. Por exemplo: é frequente que uma equipa de TV entre em farmácias quando se sabe que este ou aquele medicamento vai ser retirado do mercado ou quando uma mão-cheia de outros vão deixar de ser participados. Não me lembro, porém, de que alguma vez a TV tenha entrado numa farmácia para saber quantos doentes ali entram de receita na mão e partem pouco depois, com ar desolado, após terem perguntado quanto lhes custaria o aviamento da prescrição. Mais difícil, mas não menos necessário para esclarecimento e informação nossas, minha e do leitor, seria que a TV investigasse quantos e quais portugueses nem sequer vão ao médico, ainda que do SNS, por não poderem deslocar-se devido a limitações próprias e às distâncias para eles intransponíveis que os separam do clínico mais próximo. E também da extrema dificuldade que um doente da chamada terceira idade, ou não, enfrenta para esperar horas e horas numa consulta hospitalar. E ainda quais as consequências que para muitos resultam dos meses de distância a que ficam de uma consulta de especialidade dificilmente conseguida, de uma intervenção cirúrgica marcada a médio/longo prazo. E muitos mais aspectos da múltipla falta de recursos (para utilizar a palavra contida no apelo dos Médicos do Mundo) que caracteriza sem dúvida uma enorme parte da população portuguesa, entendendo-se, naturalmente que os recursos em falta, sendo naturalmente os de ordem financeira, são também de muita outra espécie.
Na verdade, uma investigação jornalística que trouxesse à TV o que é provavelmente a realidade terrível dos portugueses que não têm recursos perante as doenças, a despeito da maquilhagem vária que dissimula o facto, seria de extrema utilidade nacional, para não dizer que corresponderia a um dever cívico, e proporcionaria à estação que a fizesse um grande prestígio e uma interessante audiência. A questão é que, embora sendo certo que os telespectadores consomem com aparente gosto muitas patacoadas, não está provado que apreciem menos que a TV fale dos seus problemas maiores e fale deles em horário que se veja, não nas sonolências das madrugadas. A questão é também que o país precisa disso. Para que possa combater a «arma letal» denunciada pelos Médicos do Mundo.
O que faz falta
Por mim e nestas colunas, interessa-me sobretudo a contribuição que a televisão me dá para que eu saiba o que se passa com a relação sempre mais ou menos assustadora entre os portugueses e a doença. A questão é que a contribuição da TV para esse conhecimento é muito escassa, e não parece que o devesse ser. Por exemplo: é frequente que uma equipa de TV entre em farmácias quando se sabe que este ou aquele medicamento vai ser retirado do mercado ou quando uma mão-cheia de outros vão deixar de ser participados. Não me lembro, porém, de que alguma vez a TV tenha entrado numa farmácia para saber quantos doentes ali entram de receita na mão e partem pouco depois, com ar desolado, após terem perguntado quanto lhes custaria o aviamento da prescrição. Mais difícil, mas não menos necessário para esclarecimento e informação nossas, minha e do leitor, seria que a TV investigasse quantos e quais portugueses nem sequer vão ao médico, ainda que do SNS, por não poderem deslocar-se devido a limitações próprias e às distâncias para eles intransponíveis que os separam do clínico mais próximo. E também da extrema dificuldade que um doente da chamada terceira idade, ou não, enfrenta para esperar horas e horas numa consulta hospitalar. E ainda quais as consequências que para muitos resultam dos meses de distância a que ficam de uma consulta de especialidade dificilmente conseguida, de uma intervenção cirúrgica marcada a médio/longo prazo. E muitos mais aspectos da múltipla falta de recursos (para utilizar a palavra contida no apelo dos Médicos do Mundo) que caracteriza sem dúvida uma enorme parte da população portuguesa, entendendo-se, naturalmente que os recursos em falta, sendo naturalmente os de ordem financeira, são também de muita outra espécie.
Na verdade, uma investigação jornalística que trouxesse à TV o que é provavelmente a realidade terrível dos portugueses que não têm recursos perante as doenças, a despeito da maquilhagem vária que dissimula o facto, seria de extrema utilidade nacional, para não dizer que corresponderia a um dever cívico, e proporcionaria à estação que a fizesse um grande prestígio e uma interessante audiência. A questão é que, embora sendo certo que os telespectadores consomem com aparente gosto muitas patacoadas, não está provado que apreciem menos que a TV fale dos seus problemas maiores e fale deles em horário que se veja, não nas sonolências das madrugadas. A questão é também que o país precisa disso. Para que possa combater a «arma letal» denunciada pelos Médicos do Mundo.