Entrevista a Gonçalo Valverde e Ricardo Amaro

E komunixemos!

Na dita «aldeia global», a informação circula cada vez mais velozmente e assume papel determinante na formatação da realidade. Por trás deste universo de relações, existem instrumentos que nos permitem operacionalizar as tarefas quotidianas ou tornar perceptível o conhecimento. O software é uma dessas ferramentas de que todos usufruímos mesmo sem disso nos darmos conta. A sua propriedade é um dos mais candentes temas da sociedade contemporânea e, também por isso, vai ser abordado na Festa do Avante!, no âmbito do Espaço Novas Tecnologias de Informação.

«O uso prolongado deste software pode causar independência»

Falámos com Gonçalo Valverde e Ricardo Amaro, do Grupo de Trabalho do PCP para as Novas Tecnologias de Informação, e procuramos esclarecer do que se trata afinal quando se fala de software livre, sem esquecer de revelar algumas das iniciativas preparadas para os visitantes da Festa.

O que é trabalhar no âmbito do software livre?

Ricardo Amaro: Estamos bastante empenhados na defesa de um conjunto de movimentos que giram em torno do software livre, partindo do princípio que o progresso tecnológico deve estar acessível a toda a gente, com um custo reduzido, produzido com confiança. Um software que não nos faça depender de qualquer multinacional, mas um produto que é desenvolvido e utilizado pela comunidade.

E apesar de ser um bem produzido e utilizado pela comunidade, não fica à parte desta?

R.A. : Não. Os técnicos estão nos bastidores e quem dá a cara normalmente são os políticos, os homens de negócios, e esses estão a ser apanhados de surpresa por este movimento.
Não são os decisores que estão a tomar as rédeas, pelo contrário, houve uma tomada de consciência progressiva por parte de alguns técnicos que se aperceberam da necessidade de chamar a atenção ou forçar para que não exista a obrigação de usar só um tipo de software.

Gonçalo Valverde: Há a utilização visível e há a da infra-estrutura, que está por trás. Quando as pessoas utilizam a Internet, forçosamente estão a utilizar, em muitos casos, software livre, porque grande parte da infra-estrutura da Internet, ou seja, muitos servidores utilizam software livre ou coisas derivadas.
Antes de se falar em software comercial, a ideia de partilhar os códigos era uma coisa natural. Quando o software passou a ser um negócio, as coisas mudaram de figura e começou-se a falar da questão de software proprietário.
O Unix data da década de setenta, era software livre, isto é, as pessoas tinham acesso ao código fonte.
Aliás, uma das questões que está aqui colocada não é tanto ser ou não gratuito, que por vezes é um dos erros da abordagem. Importante é a questão da liberdade, ou seja, o utilizador pode não só escolher como tem acesso ao código e pode fazer alterações, ter acesso à informação e ao conhecimento que são cada vez mais poder.
Portanto, uma ideia que está aqui é a da propriedade dos meios de produção, porque o conhecimento é um meio de produção e, com a terceirização dos sectores, com uma sociedade cada vez mais voltada para a prestação de serviços, com cada vez mais mercadorias intangíveis, o facto de se ter acesso a este conhecimento, mais e mais mercantilizado, é fundamental, não é por acaso que se aposta tanto nas patentes.

E isso funciona da mesma forma no software do computador de cada pessoa, como funciona na tal infra-estrutura?

R. A. : Sim, uma das grandes novidades que vamos ter no Espaço Novas Tecnologias de Informação na Festa do Avante! é a distribuição do Komunix, que vai dar a liberdade de utilizarmos um software livre, disponível, no qual se podem fazer as modificações que se julgarem necessárias e que inicia a partir de um CD. Aliás, vem logo escrito na capa que «O uso prolongado deste CD pode causar independência em relação a outros softwares», logo estamos a dar a oportunidade às pessoas de tomarem opções, terem as suas próprias ideias sobre o que querem utilizar.
Não passa a ser tudo gratuito, há necessidade de fazer a instalação e manutenção do sistema e é esse trabalho que sustenta os técnicos. A aplicação pode ter sido feita por muita gente, que encontra novas soluções e aponta erros, o que só beneficia o desenvolvimento e, numa certa medida, até o preço.

De que modo o software livre pode ser uma ameaça à quota de mercado das grandes multinacionais, nomeadamente da Microsoft?

R. A. : O software livre existe para qualquer sistema operativo, para Windows, da Microsoft, para MacIntosh, para todas as plataformas.
Há o mito de que o Linux é uma empresa, o que não é verdade. Antes, é um pedaço de código como outros que, por exemplo, nós vamos ter no nosso CD, o Komunix.

G. V. : Nós não temos a ilusão de que de um momento para o outro as pessoas comecem todas a utilizar exclusivamente software livre, até porque em relação ao Linux, por exemplo, não penso que já esteja «maduro» o suficiente para que isso possa acontecer, apesar de ser bastante fácil de instalar e utilizar, agora, é possível fazê-lo com a assistência e administração adequadas. Isto é um movimento que leva o seu tempo, mas que está a ser adoptado.
Para esclarecer, existe uma diferença entre software livre, para utilização «caseira», e aquele que serve para outras plataformas, ou seja, além de ter os códigos abertos, muito deste software não corre apenas num sistema, mas em vários.

A maior parte das pessoas não percebe até que ponto é perigoso que exista uma empresa, a Microsoft, que domina 90 por cento do mercado da informática, o que lhe permite ter outros monopólios. Com esta cota já não conseguem crescer para lado nenhum, portanto torna-se uma questão económica do capitalismo que a única forma de continuarem a «mugir a vaca» é obrigar as pessoas a fazer constantes actualizações que não trazem nada de novo, à excepção do aspecto ou algumas imagens.
Por outro lado, o facto de ser uma aplicação fechada, com os formatos dos nossos documentos fechados, torna-nos duplamente dependentes da Microsoft, ou seja, não só se fica dependente do software como os nossos documentos estão dependentes daquela empresa.
Com a ideia que corre por ai de estabelecer uma base de dados central, podemos chegar perder o controlo sobre os nossos documentos.

R. A. : Seria uma espécie de «lista negra» que se vai actualizando. Verifica se num determinado computador existe algum ficheiro «perigoso» para o sistema e, a partir da base, apaga-o.
Por exemplo, quando se instala o Windows abrem-se uma série de portas que ninguém sabe porquê, logo, a questão é saber se será bom confiar numa empresa que tem tudo na mão e quase nada a perder? Talvez seja bom reflectir se o programa não está a fazer mais qualquer coisa que nós não sabemos.
Do que estamos a falar é da possibilidade de acesso ao nosso computador e a tal «lista negra» nem sequer é só isso! Se eu tiver um documento considerado ilegal pode ser automaticamente apagado do meu disco.
Tudo isto ainda está em teoria, não é como o Carnívoro ou o Echelon que são sistemas de detecção de comunicações de todo o tipo que já estão a funcionar, mas é um sistema igualmente fascizante.
Ora bem, a ideia do software livre é o oposto e, nessa medida, é uma via sensata de utilização do nosso computador.

G. V. : Há uma frase de um escritor de ficção científica – Philip K. Dick - que neste contexto é excelente: «Lá por seres paranóico não quer dizer que não andem mesmo atrás de ti».
É um facto que quando são enviadas, a activação da licença do windows eram enviadas um conjunto de informações para a Microsoft. Isto acontece com qualquer empresa e se acontece Microsoft é porque têm uma posição dominante no mercado. São empresas capitalistas, o seu objectivo é deter o monopólio, têm sempre tendência hegemónica, logo, a tendência da Microsoft é obvia.
O facto da IBM estar neste momento a apoiar o software livre não quer dizer que seja mais simpática que a Microsoft, aliás a IBM é a empresa que tem mais patentes registadas no mercado.
O software livre não só entra em conflito com estes interesses como impede este tipo de hegemonias.
No fundamental, o software livre tem a ver com uma filosofia diferente, é o reconhecimento de que não deve ser propriedade de uma pessoa em particular, porque sendo construído por blocos inspirados em várias programas, a imposição de patentes não faz sentido, estamos a patentear ideias.
O software livre tem uma visão quase cooperativa. Se alguém desenvolve uma ideia e se chateia por alguma razão, outras pessoas pegam no seu trabalho e continuam. Não há problema de patente ou propriedade.

Trata-se da circulação do conhecimento sem nenhuma patente ou barreira que impeça o progresso?

R. A. : As patentes não vão só «matar» o software livre, mas também o desenvolvimento de ideias ao nível das pequenas e médias empresas, ou das universidades, porque se tomarmos por princípio que as patentes vão adiante ficamos dependentes dos grandes fabricantes de software.

Se se começar a usar software livre na administração pública e nas empresas do Estado, que resultados poderíamos alcançar?

G. V. : A curto prazo a redução de custos pode não ser muito significativa, porque isso implicaria formação, reinstalação de alguns equipamentos, mas a longo prazo os reflexos seriam evidentes. A própria Microsoft está em pânico com a ideia e têm pago estudos para demonstrar que o software livre é mais caro.
A grande diferença é que não teríamos de pagar actualizações nem licenciamentos.
Para além disso, a vantagem da própria administração pública e das empresas do Estado seria estimular o resto da sociedade à utilização de software livre, porque a partir da altura que os serviços do Estado começarem a exigir documentos em formato aberto, as pessoas que trabalham com o Estado têm que aderir, e às tantas isto vai crescendo a pouco e pouco.
É claro que não vai lá por decreto, ao contrário do que o BE tentou fazer crer quando apresentou um projecto que propunha a utilização, no espaço de três anos, de software livre na Administração Pública. Esqueceram-se que têm que ser criadas infra-estruturas, dar formação, criar uma massa crítica para que as coisas comecem a mudar, não é só fazer uma iniciativa legislativa que é noticiada na imprensa mas que depois não dá em nada.
As propostas que apresentámos na Assembleia da República vão no sentido das medidas concretas para que se comece a adoptar o software livre e, curiosamente, descobrimos que pelo menos duas delas estavam já a ser aplicadas pelos técnicos, não por decisão política. É uma questão de liberdade de escolha e não de imposição.

Que alcance é que este movimento pode tomar?

R. A. : Há quem tenha uma perspectiva negativa sobre o software livre, porque acham que mais cedo ou mais tarde impõem patentes, fecham os códigos, modificam as licenças. Estamos cá para lutar contra isso, não vamos ficar de braços cruzados!
Desde já apelo a outros camaradas que venham junto de nós, do Grupo de Trabalho do PCP para participarem, até porque muitas vezes os informáticos têm dificuldade em perceber o objectivo ideológico do que andam a desenvolver.

Komunixemos na Festa

O que é que está a ser preparado para apresentar na Festa do Avante!?

R. A. : Vamos ter um espaço que utiliza o Linux. Embora pudéssemos funcionar com outros sistemas operativos, neste momento este é mais fácil de utilizar mas vamos ter variedade de sistemas para distribuir.
Sobretudo vamos ter o Komunix! O preço só paga o CD e vamos fazer demonstrações de instalação e utilização de software livre.

O que é que se pretende com estas demonstrações?

R. A. : A versatilidade do software livre é tal que o Komunix inicia como se fosse o disco do computador, portanto não exige que se modifique nada no nosso computador só para poder experimentar este sistema livre. Isto para que as pessoas não tenham receio de ver o que é, como funciona, experimentar e utilizar, sem medo de perder informações guardadas no computador.
Se alguém quiser pegar no Komunix e desenvolvê-lo, está à vontade! O que importa é esta versatilidade, esta liberdade, porque uma vez que um sistema ou programa é criado com o código aberto, será sempre de código aberto e quem fizer alterações terá que o publicar como tal, para que outros venham a beneficiar do trabalho, da mesma forma que beneficiaram do trabalho alheio.
Há ainda um desafio, a ludo-Informática para crianças no sábado e domingo de manhã, só para que possam usufruir um bocadinho, desenhar ou jogar com software livre.
Depois, vamos passar um filme documentário onde aparecem algumas figuras pioneiras ligadas ao desenvolvimento do software livre.

G. V. : Vamos ainda dinamizar um ciclo de debates, dos quais destaco um com o tema «O outro lado da Internet. Como se tece a rede!».
Outro tem a ver com a temática dos trabalhadores das tecnologias da informação e as questões laborais e, finalmente, um sobre o próprio software livre.
Sublinho também os ateliers que pretendem demonstrar que o Linux não é um «bicho de sete cabeças», e o facto de se levar o Komunix para casa pode facilitar.

Ateliers no Espaço Novas Tecnologias de Informação

Sexta-feira

21h00 às 22h00 – Acção sobre software livre

Sábado e Domingo

11h00 às 12h00 – Ludo-Informática para crianças ( A partir dos 8 anos)
16h30 às 17h30 - Acção sobre software livre

Debates no Espaço Ciência do Pavilhão Central

Sexta-feira

15h00 às 16h30 - «Trabalhadores das Novas Tecnologias da Informação: problemáticas e sua organização»

Sábado

18h30 às 19h30 – «software livre: perspectivas económicas e políticas»

Domingo

15h00 às 16h30 - «O outro lado da Internet: como se tece a rede!»


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