Os comunistas, o ambiente e a Europa

Luís Vicente
A partir da Revolução Industrial as sociedades humanas atingiram um limite crítico na sua relação com o ambiente. A destruição do Planeta, tornando-o insuportável para a vida humana, cresceu de tal modo que agora está em causa não só a sobrevivência da Natureza, como também a sobrevivência da sociedade e o seu desenvolvimento.
Antes de mais, saliente-se que uma economia capitalista baseada naquilo a que Marx chamava «reprodução simples» e a que muitos ecologistas chamam «manutenção» é impossível. O capitalismo não pode «permanecer», deve «acumular ou morrer», nas palavras do próprio Marx.
No passado tal acumulação foi «sustentada» por um ambiente sistematicamente espoliado das suas riquezas naturais. A concepção de ambiente consistia em reduzi-lo a um contentor do qual os recursos podiam ser extraídos à exaustão, e a um depósito no qual os resíduos podiam ser despejados sem limites. Esta é a história dos últimos 500 anos, uma história de desenvolvimento insustentável, a história do conflito mortal entre capital e Natureza.
Torna-se hoje pungente salientar que as pessoas são parte da Natureza e que a exploração da Natureza é a exploração das pessoas, que a degradação do ambiente é a degradação das relações humanas. Assim, a luta por criar um mundo mais «verde» está inseparavelmente ligada à luta para reduzir a injustiça social. A luta ecológica está então inseparavelmente ligada à luta contra o imperialismo, imperialismo que assume novo significado se visto em termos da exploração dos recursos naturais.
A luta contra as desigualdades sociais é então inseparável da luta por um melhor ambiente. Sabemo-lo historicamente. A história mostra-nos que as sociedades humanas há muito que têm estado em guerra com o ambiente. A guerra, a desigualdade económica e o subdesenvolvimento do terceiro mundo – os três fenómenos sociais do fim do século XX – estão inexoravelmente ligados à sistemática degradação do Planeta e das condições de vida da maioria dos povos do mundo. Não perceber esta ligação é a principal fraqueza do ambientalismo inconsequente que domina muitas das organizações que lutam por melhor ambiente.
Uma luta consequente por um melhor ambiente não pode alhear-se de reivindicações sociais radicais (no sentido de Marx), antes pelo contrário, deve aprofundá-las tendo em conta a possibilidade de destruição da Terra. É sobre esta interligação entre problemas sociais e problemas ambientais que um poderoso movimento de mudança deve ser criado nesta imensa potência imperial que é a Europa.
A luta ecológica tem vindo a incluir uma longa lista de problemas urgentes: sobrepopulação, destruição da camada de ozono, aquecimento global, extinção de espécies, perda de diversidade genética, chuvas ácidas, contaminação nuclear, desflorestação tropical e eliminação de florestas clímax, destruição de zonas húmidas, erosão do solo e desertificação, cheias, fome, contaminação de lagos, cursos de água superficiais e subterrâneos, poluição de águas costeiras e estuários, destruição dos recifes de coral, marés negras, sobrepesca, contaminação de solos agrícolas, resíduos tóxicos, efeito contaminante de insecticidas e herbicidas, exposição a produtos tóxicos no local de trabalho, congestão urbana e destruição de recursos não renováveis. Por tudo isto são responsáveis o sistema capitalista mundial e, obviamente, também a União Imperial Europeia.
De acordo com as perspectivas mais optimistas do Worldwatch Institute, teremos apenas cerca de três décadas nas quais poderemos contrariar os problemas ambientais, se quisermos evitar o irreversível declínio sócio-ecológico... e as mudanças têm que começar a ocorrer imediatamente.

Uma crise da sociedade

Teremos que compreender que a crise ambiental não é uma crise da Natureza, mas uma crise da sociedade. Teremos que estar conscientes de que as principais causas da destruição ambiental que enfrentamos hoje não são biológicas ou produto de escolhas humanas individuais. São sociais e históricas, enraizadas nas relações de produção, nos imperativos tecnológicos do capital, e nas tendências demográficas historicamente condicionadas que caracterizam o sistema social dominante em imperialismo capitalista.
O que mais tem sido ignorado nas propostas para remediar a crise ambiental é o mais crítico desafio de todos: a necessidade de transformar as bases sociais da degradação ambiental. Enquanto as relações sociais em sistema capitalista não forem questionadas, aqueles que se preocupam com o que está a acontecer continuarão a perder o combóio da história, ficando-se por puros e inconsequentes actos pessoais de reciclagem e comércio «verde», e por débeis apelos aos políticos do sistema, os mais responsáveis pela crise ecológica em que vivemos. Por outras palavras, uma vez que a crise tem uma raiz social, a solução deve envolver a transformação de relações históricas numa escala global com o objectivo de moldar uma relação sustentável entre a Natureza e a Sociedade.
O bem-estar de todos os cidadãos do mundo só será possível num ambiente limpo e saudável em que sejam reduzidas as vulnerabilidades aos choques ecológicos e ao stress, em que todos disponham das condições materiais necessárias a uma vida estável, em que todos possam ter uma alimentação saudável, livres de doenças evitáveis, em que todos tenham acesso a água limpa e potável, em que todos possam usufruir de ar limpo, em que todos possam usufruir de energia para aquecimento ou arrefecimento. Mas mais ainda, o bem-estar dos cidadãos só pode ser inteiramente realizado se todos tiverem oportunidade de expressar valores estéticos e recreativos, se todos tiverem oportunidade de expressar valores culturais e espirituais, se todos tiverem oportunidade de estudar e aprender.
E tudo isto passa, antes de mais, por profundas transformações sociais, para que possamos usufruir de um mundo melhor, mais saudável, mais solidário e ecologicamente mais sustentável... Passa pelo conceito de «comunidade humana sustentável», de conteúdo muito mais revolucionário que o simples conceito capitalista de «desenvolvimento sustentável».

A responsabilidade dos comunistas

Tudo isto sugere que necessitamos de criar através das nossas lutas uma sociedade global que eleve o estatuto da Natureza e da comunidade acima da acumulação de capital, que eleve a igualdade e a justiça social acima da ganância individual, que eleve os princípios da democracia acima das leis da economia de mercado.
Que a defesa do ambiente na Europa é também a defesa da sua mais pura tradição democrática, da tomada da Bastilha, do hino da alegria de Beethoven, da comuna de Paris, do couraçado Aurora, da defesa de Madrid contra as hordas de Mola em 1936, etc.. Que a defesa do ambiente na Europa só será possível desde que esta seja um espaço de «competitividade» pela democracia, pelo aprofundamento de um modelo social que combata a exclusão, por uma economia avançada que sirva toda a população e por uma atitude no mundo a favor da tolerância e aproximação entre todos os povos e pelo fim dos blocos.
E será este o novo e necessário acordo com a Natureza: repensar o significado de «progresso humano».
Tudo o atrás referido implica a assunção reflectida de posições por todos os comunistas que têm ou terão responsabilidades autárquicas e um dia virão a ter responsabilidades governativas. A assunção de uma política ambiental consequente por parte dos comunistas implica que o seu trabalho no terreno seja exemplar. E exemplar, não só no âmbito do saneamento básico, mas exemplar também no domínio da Conservação da Natureza. Exemplar na prática do dia-a-dia, exemplar na recusa de cedências fáceis às políticas do betão, exemplar na luta pela manutenção da biodiversidade e contra os lobbies do turismo desenfreado e outros que atentam contra os valores ecológicos da terra que é património de todos nós.
Uma política ambientalista consequente não é só uma boa política de esgotos. É-o, mas é também uma política de alargamento e defesa intransigente de uma Rede Nacional de Áreas Protegidas, de uma Rede Natura 2000, de uma Reserva Ecológica Nacional, de uma Rede de Corredores Ecológicos eficientes e eficazes, de uma Rede Nacional de Áreas Marinhas de Protecção Especial.
Uma política ambientalista consequente é também uma política eficaz e eficiente de conservação in-situ e ex-situ, de defesa intransigente das recomendações da Conferência da Nações Unidas para o Ambiente e o Desenvolvimento do Rio de Janeiro, de defesa das directivas comunitárias e mundiais para a conservação da Natureza, da Convenção de Washington, da Convenção de Ramsar, da Convenção de Berna, da Convenção de Bona, do Protocolo de Quioto.
Uma política ambientalista consequente pede aos comunistas que sejam mais arrojados e radicais do que as recomendações de todas estas convenções e protocolos, para o bem do nosso povo, para o bem de todos os povos do nosso Planeta. Uma política ambientalista consequente pede aos comunistas que exijam do poder político uma estratégia séria de investigação científica na área do ambiente. Uma política ambientalista consequente exige dos comunistas a denúncia firme das tentativas veladas do capital de liquidação do Instituto da Conservação da Natureza e de outros serviços públicos de protecção ambiental.
São estes os desafios que se colocam aos comunistas na área do ambiente neste século que agora iniciamos, na luta firme contra o imperialismo que é também a luta firme por um Planeta saudável para todos os povos do mundo.