6.ª Rota do Desemprego do distrito de Lisboa

Desindustrialização na Amadora

Miguel Inácio
A Cidade da Amadora, à semelhança de toda a área metropolitana de Lisboa, sofreu nos últimos anos uma verdadeira hecatombe do seu aparelho produtivo, tendo sido liquidados mais de 10 mil postos de trabalho nos sectores produtivos da economia. Consequência directa desta ofensiva, aumentou não só o desemprego como o número de trabalhadores em situações de pré-reforma, e degradou-se consideravelmente a qualidade do emprego existente.

É possível haver uma política de incentivo à indústria

Tendo por objectivo a denúncia das raízes do crescimento do desemprego e da degradação da qualidade do emprego na Amadora, a Direcção Organização Regional de Lisboa e a Comissão Concelhia da Amadora do PCP realizaram no passado mês a 6.ª, e última, «Rota do Desemprego». Esta iniciativa contou com a participação de dirigentes do PCP, de eleitos pela CDU na Câmara Municipal, e do deputado comunista António Filipe.
Entretanto, de 1993 para cá, neste concelho, dezenas de empresas faliram ou encerraram. Simultaneamente foram crescendo as grandes superfícies, nomeadamente o Jumbo, Continente e Feira Nova, onde reinam os contractos a prazo, ilegalidades e despedimentos encapotados, contribuindo para a instabilidade de um sector importante da população do concelho.
E foi junto a estes «supermercados», de trabalho precário, onde agora cresce mais uma mega superfície, que teve início a «Rota do Desemprego» - na Cabos d’Ávila.
A fábrica de Condutores Eléctricos Diogo d’Ávila nasceu há cerca de 80 anos, apenas com dois trabalhadores, no Bairro Alto, em Lisboa, e produziu fios para automóveis. Mais tarde passou para o Dafundo e de seguida para as últimas instalações, em Alfragide, dando nome aquela que ainda hoje é conhecida por «recta dos Cabos d’Avila».
Dos dois filhos de Diogo, Manuel ficou com a responsabilidade pela área industrial. Falecido em 1992, Manuel d’Ávila deixou marcas na história da empresa, pela frieza com que despedia, pelos baixos salários que sempre fez pagar e pelo recrutamento de mulheres porque lhes podia pagar ainda menos que os homens.
No entanto, esta empresa, do sector eléctrico, já encerrou há vários anos, mas só em Dezembro de 2003 é que os trabalhadores concluíram a sua luta, após conseguirem a salvaguarda dos seus direitos, com excepção do direito ao trabalho, liquidada pela má gestão e péssima política económica.

Soluções de direita

José Ferreira, antigo operário, agora na reforma, contou, em conversa com o Avante!, como esta fábrica encerrou os seus portões e arrastou consigo, e para o desemprego, mais de 700 trabalhadores, só nos últimos anos.
«A Cabos d’ Ávila chegou a ser a empresa mais forte do ramo, isto nas décadas de 60 e 70. No entanto, gerida por uma família muito concentrada, deixou-se ultrapassar pelos seus concorrentes directos, não se actualizando, tendo em conta o mercado e as transformações que ocorreram no País», lamentou o antigo operário.
Em 1997, fruto de uma gestão ruinosa, com passivos muito altos à Fazenda Pública, a gerência encerou a fábrica, deixando, na altura, 256 trabalhadores na rua. «A partir daí, o Estado, como maior credor, “ajudou” a que fosse encontrada uma solução para empresa, ou seja, entregou os Cabos d’ Ávila à empresa Solemos, que assumiu o passivo dos trabalhadores, neste caso as indemnizações em dívida», contou o ex-operário.
A empresa ainda fabricou cabos eléctricos mas os lucros, segundo a administração, não chegavam para a sua manutenção, pelo que acabou por encerrar definitivamente em Dezembro de 2003. Hoje o mercado nacional abastece-se em Espanha , Itália, entre outros países. Curioso, no mínimo...

PDM versus especulação imobiliária

Milhares de carros passam diariamente no IC19 junto à Cabos d’ Ávila. No entanto, poucos conhecem aquela que foi a maior unidade de produção de cabos eléctricos de Portugal e, em certos casos, do mundo.
Não estando inteiramente ao abandono, até porque a empresa encerrou há poucos meses, o cenário é, no mínimo, dantesco, uma autêntica cidade fantasma. O barulho da estrada em sintonia com o, agora, silêncio da fábrica torna aquele espaço um verdadeiro monstro adormecido, com gigantescos pavilhões, das mais variadas formas e feitios.
Lá dentro já nada existe, e o pouco que resta, são umas latas ferrugentas, uns candeeiros partidos, uns estores avariados e algumas garrafas vazias, certamente de um refeitório, ou bar, que já não existe. Um clima inóspito, se pensarmos que naquele espaço já trabalharam centenas de pessoas, famílias, gerações. «Na fase de encerramento estavam a trabalhar 256 operários, mas nesta fábrica já laboraram mais de 1200», destacou José Ferreira.
Ocupando uma vasta área de terreno, apetecível por sinal, os trabalhadores ainda não sabem o futuro reservado para aquele espaço. «O que sabemos é que isto foi vendido a uma imobiliária», confessou, defendendo a tese de que a especulação imobiliária espera ansiosamente pela alteração do PDM.
Feita a visita, era altura de seguir viajem. Desta vez o destino foi a urbanização sita no local da ex-Cometna.
Nos últimos anos, na Amadora, os ritmos de ocupação urbana não foram acompanhados por investimentos em equipamentos colectivos adequados às necessidades criadas. No local onde existia, em tempos, a Cometna, unidade de produção de metalurgia, hoje existe uma urbanização, com um amontoado de prédios, e alguns «jardins de pedra».
A cidade da Amadora perdeu assim cerca de mil postos de trabalho directos e «ganhou» cerca de 300 fogos, mais um passo rumo à reconstrução de um dormitório.
Entretanto, a Câmara Municipal (PS), daquele valioso património que ali existia, apenas conseguiu preservar uma parte da fábrica para «integrar o património cultural e histórico da cidade», conhecida por «Fábrica da Cultura», onde já se realizaram eventos culturais, mas que hoje está transformada em armazém, abandonado.
Em frente deste equipamento, sobram ainda duas ferrugentas esculturas, que, segundo alguém disse, a autarquia não as consegue tirar de lá, porque o seu autor assim o exige.

Aparelho produtivo desmantelado

Mais adiante está a Zona Industrial da Falagueira, onde se insere a problemática Sorefame. Esta empresa já perdeu mais de quatro mil postos de trabalho, na sequência da sua privatização e entrega às lógicas multinacionais, num quadro em que os governos sucessivamente desprezam a produção nacional.
Assim, todo o sector das barragens foi já desmantelado, com a transferência da tecnologia para a Alemanha, e Portugal, auto-suficiente e exportador nesta área transformou-se em importador.
No sector ferroviário, a privatização significou a crescente perda da capacidade exportadora, e mesmo no plano nacional, aquela que é a única unidade produtiva de material circulante, que por exemplo construiu todas as unidades do Metro de Lisboa e uma parte significativa da CP, tem sido afastada da construção da maioria dos novos investimentos por opção do Governo e da multinacional (estando o país a importar da Áustria o que cá poderia produzir), e investimentos que já estavam aprazados foram adiados para futura importação.
«Temos vindo a acompanhar com muita preocupação a situação da Sorefame, designadamente pelo facto de não haver uma decisão política de aquisição de carruagens necessárias para o desenvolvimento de projectos no âmbito da CP e do Metropolitano de Lisboa que permitiria continuar a desenvolver aquilo que sabe fazer melhor que ninguém, a construção de carruagens», afirmou António Filipe, deputado do PCP, sublinhando que esta «é a única empresa que constrói carruagens em Portugal. Agora corre sérios riscos de parar a sua actividade por falta de encomendas, que dependem somente de opções políticas do Estado e das empresas de transportes públicos».

Domínio das multinacionais

Em relação ao Sector Químico, outrora poderoso na Amadora, também este viu um conjunto significativo de empresas encerrarem as suas portas, e outras restringirem a produção e os postos de trabalho, pela crescente substituição da produção nacional pela estrangeira, consequência da privatização da economia e do domínio deste sector pelas multinacionais, que transformaram grande parte da indústria química em armazéns de distribuição grossista da produção importada.
Naquele espaço, além das fábricas ao abandono, os comunistas, e seus aliados, puderam ainda constatar, um conjunto de empresas transformadas em discotecas. Esta zona sofre também as consequências no atraso na conclusão da CRIL, prejudicando a sua capacidade de fazer circular matérias primas e mercadorias.
Entretanto, e como já vem sendo hábito, nestes espaços, a especulação imobiliária paira qual abutre sobre animal ferido, gerando expectativas num conjunto de empresas, que até agora a luta dos trabalhadores tem conseguido travar.

A luta dos trabalhadores

A «Rota do Desemprego» terminou na MBP Costa, empresa em situação económica difícil, e que, na altura, continuava a laborar graças aos seus trabalhadores. Foram eles que impediram em Dezembro e Janeiro as penhoras do Tribunal que a teriam liquidado.
«Se tivermos ainda em conta que foram, igualmente, os trabalhadores que conseguiram produzir riqueza que a má gestão da administração delapidou, este pode ser um bom exemplo para o senhor Bagão Felix sobre quem cria a riqueza neste país, quem quer trabalhar e quem apenas vive do trabalho dos outros, enquanto, alegremente, delapida o património de todos», afirma o PCP.
Apesar da difícil situação, a MBP Costa continua a laborar, com uma administração judicial, esperando pela Assembleia de Credores que se realiza este mês.
Por seu lado, o Governo demite-se deste problema, mas como o principal credor é o Estado, o PCP e os trabalhadores continuam a exigir do Executivo PSD/CDS-PP que contribua para defender esta empresa, os seus postos de trabalho e a sua capacidade produtiva.

Solidariedade comunista

«Terminámos o nosso trabalho na MBP Costa, que tem atravessado uma situação difícil, mas na qual está a ser feito um grande esforço na sua viabilização», afirmou António Filipe, sublinhando que, com esta «Rota do Desemprego», os comunistas manifestaram a sua solidariedade aos trabalhadores.
Tendo sido esta a última «Rota do Desemprego», o deputado comunista destacou que a situação no distrito de Lisboa é, no mínimo, inquietante. «Ao longo destas seis “rotas” verificamos uma profunda desindustrialização de toda a região de Lisboa. As grandes empresas, que prestigiaram em muito o nosso País e que deram muita riqueza nacional ao longo das últimas décadas, foram substituídas por urbanizações e condomínios de luxo», afirmou, dando o exemplo da MAG, em Alverca, das Louças de Sacavém, da Cometna, e de muitas outras empresas dentro da capital lisboeta, designadamente na zona ribeirinha.
Interrogado sobre quem é o responsável pelo encerramento de todas estas importantes unidades de produção, António Filipe acusou o Executivo PSD/CDS-PP, e os anteriores governos, de não terem uma política de incentivo à instalação de industrias no nosso País. «Temos casos de empresas que receberam fundos comunitários, que assumiram determinados compromissos com o Estado, e que pura e simplesmente reduziram os postos de trabalho, eliminaram as suas instalações e não cumpriram os seus compromissos».
Por outro lado, continua o deputado do PCP, «há empresas que foram adquiridas por multinacionais para adquirir cota de mercado, fechando-as», denunciou, dando um outro exemplo: «Estivemos no concelho de Sintra, numa empresa de comercialização de carnes que foi adquirida por uma marca espanhola, com o objectivo de a fechar».
Sublinhando que é possível haver uma política de incentivo à indústria, «porque ela não está condenada ao desaparecimento, António Filipe prometeu que o PCP vai fazer uma iniciativa de balanço destas seis «Rotas do Desemprego», «da qual possamos extrair ilações com carácter mais geral e apontar linhas que nos pareçam importantes».

Consequências sociais e políticas

A política de classe desenvolvida pelos sucessivos governos de direita, que tem alternado no poder desde 1976, é responsável pelo desemprego, que hoje se vive em Portugal, ao privilegiar as actividades especulativas às produtivas, a reconstrução dos grandes grupos económicos do tempo do fascismo à diversificação, modernização e reforço do aparelho produtivo nacional, ao não defender a economia portuguesa da concorrência desleal das economias mais poderosas da União Europeia.
É ainda responsável pelas suas consequências sociais (crescimento das desigualdades, desemprego, precariedade, insegurança) e pelas suas consequências políticas (perda da independência nacional, perda da independência do Estado face aos grandes grupos económicos).
O concelho da Amadora não é excepção. Importante polo de actividades económicas, predominando, durante décadas, um importante sector industrial, verificaram-se entretanto profundas transformações nos últimos anos no tecido produtivo, com alterações no tecido económico, apontando tendencialmente para o incremento do sector terceário e instalação de sedes de empresa e de indústrias de tecnologia avançada.
Dando especial atenção a esta área tão sensível, os comunistas da Amadora, no seu programa eleitoral, defendem:

- Desenvolver a capacidade de emprego instalada;
- Apoiar a criação de emprego e de novos postos de trabalho;
- Revitalizar a Zona Industrial da Falagueira e Venda Nova, mantendo as actuais e abrindo espaços para novas empresas;
- Criar um parque industrial, na zona Norte do concelho;
- Apoiar o comércio tradicional e a pequena indústria, criando um centro de apoio municipal;
- Colaborar com as associações de comerciantes e/ou núcleos empresariais, com o objectivo de potenciar o desenvolvimento e dinamização das actividades económicas da Amadora;
- Realizar um certame anual, virado à dinamização das actividades económicas;
- Apoiar o abastecimento público através do funcionamento, em condições dignas, dos mercados e feiras. Construir novos mercados da Falagueira e Brandoa e melhorar os actuais;
- Assegurar a defesa dos direitos do consumidor, reformulando o centro de informação ao consumidor com um programa integrado em articulação com outras instituições;
- Dinamizar o Observatório Local de Emprego;
- Potenciar capacidades turísticas no âmbito cultural, recreativo e gastronómico;
- Apoiar com prioridade a instalação de unidades hoteleiras na Amadora;
- Elaborar a Carta Económica do Concelho.