Políticas de submissão
À semelhança do que se passa do País, o desemprego está a aumentar em Sintra, um dos mais populosos concelhos portugueses. Nos centros de emprego do concelho, estão já inscritos mais de 17 mil desempregados. E isto sem contabilizar os desempregados de localidades como Queluz e Belas, que estão afectos ao Centro de Emprego da Amadora e sabendo que há muitos desempregados que não estão inscritos. Foi esta a realidade que o PCP foi conhecer mais de perto em mais uma «Rota do Desemprego», que contou com a presença do deputado António Filipe e do vereador da Câmara Municipal de Sintra, Baptista Alves.
Os governos têm deixado as multinacionais fazerem o que bem entendem
A visita começou na Melka, fábrica têxtil situada no Cacém que encerrou no passado mês de Fevereiro. Ao mesmo tempo que se concentravam junto aos portões da empresa, os dirigentes concelhios e regionais do PCP – acompanhados pelo deputado do PCP, António Filipe, do vereador da câmara municipal, Baptista Alves, e por António Marques, dirigente do sindicato dos têxteis e vestuário do sul –, um camião carregava maquinaria da fábrica. O destino era o Sri Lanka, onde a empresa está a montar uma unidade num edifício de três andares onde trabalham 16 mil trabalhadores.
António Marques, do sindicato dos têxteis, denuncia a atitude da multinacional sueca, que parte para aquele país em busca de mão-de-obra barata e sem direitos. Isto depois de explorar os trabalhadores portugueses durante 40 anos, nos quais ganhou muito dinheiro «que enviou para a Suécia», acusa o sindicalista. «A Melka chegou a facturar 20 milhões de euros anuais de produto», nas quatro empresas que possuía em Portugal, recorda António Marques. As unidades da Melka no Cacém foram as duas últimas a encerrar em Portugal. Há seis anos, fechou em Évora e em 2002 encerrou a unidade de Palmela.
Actualmente, não resta no País nenhuma unidade industrial da multinacional sueca. Mas esta não se foi embora de Portugal, pois manteve uma representação comercial, para que a Melka possa continuar a vender o produto como se tivesse sido feito em Portugal. António Marques conta que na Escandinávia e em países do centro da Europa, para onde vai a produção da empresa, é reconhecida a qualidade dos produtos Melka feitos no País.
Apesar de terem perdido o emprego mais de 300 trabalhadores nas duas unidades do Cacém, António Marques considera que na Melka, por intervenção do sindicato, os trabalhadores saíram melhor do que na maioria das multinacionais. O dirigente sindical, que acompanhou pessoalmente a luta e as negociações na empresa, recorda que a grande batalha do sindicato foi a defesa dos postos de trabalho. Uma vez perdida essa luta – muito por falta de apoio por parte do poder central, «que não fez nada» – o sindicato passou a bater-se pela conquista das melhores condições possíveis para os trabalhadores saírem para o desemprego.
«Não houve “rescisões amigáveis” de contrato», destaca António Marques. «Tiveram que avançar para o despedimento colectivo», afirma o sindicalista, recordando as afirmações do ministro do Trabalho sobre as rescisões, que poderiam ter graves implicações na obtenção do subsídio de desemprego. Mas não foi tudo. Das últimas negociações salariais resultou um aumento de três por cento nos salários mensais dos trabalhadores, o que se reflectiu depois positivamente nas indemnizações pagas, no valor de sete milhões e meio de euros.
Estratégia vigarista
Tal como a Melka, também o grupo dinamarquês Kansas, igualmente do sector das confecções, abandonou Portugal, neste caso para rumar a caminho da Rússia. Para trás, ficaram 1200 trabalhadores desempregados, nas três empresas que o grupo detinha no País: a Kansas e a Fristads, na margem Sul do Tejo, e a SIC, em Sintra. Actualmente, a antiga SIC está transformada num grande armazém de revenda de electrodomésticos e num parque de estacionamento.
António Marques recorda a forte luta que se travou na empresa em defesa dos 300 postos de trabalho. «Obrigámos inclusivamente o director do grupo a vir a Portugal para reunir com o sindicato no Ministério do Trabalho», recorda. O que o director da empresa assumiu na altura, conta o dirigente sindical, foi a intenção de encerrar a SIC e manter as outras duas unidades fabris na margem Sul. Nada disto foi cumprido, pois a SIC encerrou pouco depois, mas passados dois anos fecharam também as outras duas fábricas. Na SIC, conta, «conseguimos trazer indemnizações acima da lei e também conseguimos que ele pagasse aos trabalhadores».
O caso da fábrica «Kansas», em Corroios, foi diferente. O grupo vendeu-a a um industrial sueco – que a baptizou depois Vestus – que a deixou depois ir à falência «sem que os trabalhadores recebessem um tostão», relata o sindicalista. A Fristads foi depois, também sem que os trabalhadores recebessem nada. Apesar de o grupo Kansas não estar já em Portugal, decorrem ainda processos em Tribunal relacionados com este grupo, que deve aos trabalhadores mais de um milhão de contos de indemnizações.
Em frente à SIC, está instalada a Alva. Anteriormente dedicada à confecção de vestuário, produz actualmente airbags para a indústria automóvel. Quando produzia vestuário, empregava 600 trabalhadores. Agora, restam 300. Quando se deu o despedimento colectivo, o sindicato interveio e a empresa pagou todas as indemnizações.
António Marques considera que se tão tivesse havido a reconversão das produções para o fabrico de airbags era muito provável que esta empresa já não existisse, pois também deslocalizou produções para o estrangeiro, nomeadamente para Marrocos e Tunísia. Para a empresa, esta reconversão foi positiva, já que ganhou, nos últimos três anos, mais de 750 mil contos, destaca o dirigente do sindicato têxtil.
«Não devemos competir com o Sri Lanka»
«A competitividade de Portugal não deve ser conseguida à custa de mão-de-obra barata, nem a competir com os salário pagos no Sri Lanka», afirmou o deputado comunista António Filipe relativamente à Melka. O deputado prosseguiu afirmando que a «nossa aposta tem que ser na qualidade e valorização das nossas marcas».
O deputado comunista lembrou umas jornadas parlamentares que o PCP realizou na Beira Interior, onde o sector têxtil e das confecções é muito forte, onde foi possível verificar que eram as empresas com melhores condições salariais e de competitividade, e que trabalhavam na criação de um produto e uma marca próprias, as que conseguiram vender, em Portugal e no estrangeiro. «Contrariamente, as que apresentavam maiores dificuldades eram as multinacionais, que apostavam precisamente na desvalorização da mão-de-obra», conclui António Filipe.
António Marques concorda. «A marca é uma questão fundamental, não podemos continuar a trabalhar para as grandes marcas internacionais em regime de subcontratação», destaca o sindicalista, que lembra que há já muitas fábricas nacionais a trabalhar para a Zara, do espanhol Amâncio Ortega, considerado o homem mais rico de Espanha.
O sector têxtil é um sector estratégico na Europa, considera o sindicalista. Actualmente, existem 2 milhões de trabalhadores no sector nos actuais países da União Europeia. Com os novos países, esse número aumentará em 700 mil. Apesar da redução de 100 mil postos de trabalho em Portugal nos últimos doze anos, o sindicalista recorda que o capital aumentou ainda mais os lucros e que Portugal não está a perder exportações para a Europa neste sector.
Empresa ou quota de mercado?
O exemplo da Fricarnes é demonstrativo da natureza das empresas multinacionais e dos seus métodos. Quando foi comprada, em 2001, pela espanhola Campo Frio, a Fricarnes empregava 450 trabalhadores. Actualmente, restam poucas dezenas na empresa, transformada em armazém de produtos provenientes de Espanha para serem depois vendidos no País.
Em tempos, na Fricarnes produzia-se vários tipos de carnes. A primeira medida tomada pelo grupo Campo Frio quando comprou a empresa foi encerrar o matadouro, único no concelho de Sintra, e manter apenas o sector de fabrico de carnes verdes (salsichas, enchidos, etc.). Mas este sector também acabaria por fechar, apenas um ano depois. E faltam ainda pagar os direitos de algumas dezenas de trabalhadores, denuncia Custódio da Luz, da Comissão Concelhia de Sintra do PCP.
O vereador Baptista Alves, eleito nas listas da CDU, considera que o sector alimentar é muito sensível e que nele se joga um pouco da soberania nacional. «O que reparámos na Fricarnes foi a compra por parte de uma empresa espanhola de quotas de mercado em Portugal», afirma o autarca. Em sua opinião, o grupo espanhol conseguiu com esta compra mercado para os seus produtos. «Agora, os produtos que estão a ser comercializados em Portugal são os produtos espanhóis, enquanto que os portugueses estão ao abandono», realça o vereador, que acusa a política seguida pelos sucessivos governos, de subserviência ao capital e às multinacionais de ser a responsável pela situação.
Baptista Alves alertou ainda para a degradação da capacidade produtiva do concelho e do País. Lembrando que há um grande número de habitantes do concelho de Sintra que trabalham noutros concelhos, o vereador considera que era importante inverter essa tendência através da criação de indústria e de emprego no concelho. «Mas o que se passa é o contrário», lamenta.
Esperando que um dia se possa fazer em Sintra a «rota do emprego», Baptista Alves falou da necessidade de alterações políticas significativas para que tal venha a acontecer. Alterações que só a luta pode provocar e que são necessárias para que Portugal deixe de ser uma coutada das multinacionais e passe a pôr no centro das opções políticas o emprego e o desenvolvimento.
António Marques, do sindicato dos têxteis, denuncia a atitude da multinacional sueca, que parte para aquele país em busca de mão-de-obra barata e sem direitos. Isto depois de explorar os trabalhadores portugueses durante 40 anos, nos quais ganhou muito dinheiro «que enviou para a Suécia», acusa o sindicalista. «A Melka chegou a facturar 20 milhões de euros anuais de produto», nas quatro empresas que possuía em Portugal, recorda António Marques. As unidades da Melka no Cacém foram as duas últimas a encerrar em Portugal. Há seis anos, fechou em Évora e em 2002 encerrou a unidade de Palmela.
Actualmente, não resta no País nenhuma unidade industrial da multinacional sueca. Mas esta não se foi embora de Portugal, pois manteve uma representação comercial, para que a Melka possa continuar a vender o produto como se tivesse sido feito em Portugal. António Marques conta que na Escandinávia e em países do centro da Europa, para onde vai a produção da empresa, é reconhecida a qualidade dos produtos Melka feitos no País.
Apesar de terem perdido o emprego mais de 300 trabalhadores nas duas unidades do Cacém, António Marques considera que na Melka, por intervenção do sindicato, os trabalhadores saíram melhor do que na maioria das multinacionais. O dirigente sindical, que acompanhou pessoalmente a luta e as negociações na empresa, recorda que a grande batalha do sindicato foi a defesa dos postos de trabalho. Uma vez perdida essa luta – muito por falta de apoio por parte do poder central, «que não fez nada» – o sindicato passou a bater-se pela conquista das melhores condições possíveis para os trabalhadores saírem para o desemprego.
«Não houve “rescisões amigáveis” de contrato», destaca António Marques. «Tiveram que avançar para o despedimento colectivo», afirma o sindicalista, recordando as afirmações do ministro do Trabalho sobre as rescisões, que poderiam ter graves implicações na obtenção do subsídio de desemprego. Mas não foi tudo. Das últimas negociações salariais resultou um aumento de três por cento nos salários mensais dos trabalhadores, o que se reflectiu depois positivamente nas indemnizações pagas, no valor de sete milhões e meio de euros.
Estratégia vigarista
Tal como a Melka, também o grupo dinamarquês Kansas, igualmente do sector das confecções, abandonou Portugal, neste caso para rumar a caminho da Rússia. Para trás, ficaram 1200 trabalhadores desempregados, nas três empresas que o grupo detinha no País: a Kansas e a Fristads, na margem Sul do Tejo, e a SIC, em Sintra. Actualmente, a antiga SIC está transformada num grande armazém de revenda de electrodomésticos e num parque de estacionamento.
António Marques recorda a forte luta que se travou na empresa em defesa dos 300 postos de trabalho. «Obrigámos inclusivamente o director do grupo a vir a Portugal para reunir com o sindicato no Ministério do Trabalho», recorda. O que o director da empresa assumiu na altura, conta o dirigente sindical, foi a intenção de encerrar a SIC e manter as outras duas unidades fabris na margem Sul. Nada disto foi cumprido, pois a SIC encerrou pouco depois, mas passados dois anos fecharam também as outras duas fábricas. Na SIC, conta, «conseguimos trazer indemnizações acima da lei e também conseguimos que ele pagasse aos trabalhadores».
O caso da fábrica «Kansas», em Corroios, foi diferente. O grupo vendeu-a a um industrial sueco – que a baptizou depois Vestus – que a deixou depois ir à falência «sem que os trabalhadores recebessem um tostão», relata o sindicalista. A Fristads foi depois, também sem que os trabalhadores recebessem nada. Apesar de o grupo Kansas não estar já em Portugal, decorrem ainda processos em Tribunal relacionados com este grupo, que deve aos trabalhadores mais de um milhão de contos de indemnizações.
Em frente à SIC, está instalada a Alva. Anteriormente dedicada à confecção de vestuário, produz actualmente airbags para a indústria automóvel. Quando produzia vestuário, empregava 600 trabalhadores. Agora, restam 300. Quando se deu o despedimento colectivo, o sindicato interveio e a empresa pagou todas as indemnizações.
António Marques considera que se tão tivesse havido a reconversão das produções para o fabrico de airbags era muito provável que esta empresa já não existisse, pois também deslocalizou produções para o estrangeiro, nomeadamente para Marrocos e Tunísia. Para a empresa, esta reconversão foi positiva, já que ganhou, nos últimos três anos, mais de 750 mil contos, destaca o dirigente do sindicato têxtil.
«Não devemos competir com o Sri Lanka»
«A competitividade de Portugal não deve ser conseguida à custa de mão-de-obra barata, nem a competir com os salário pagos no Sri Lanka», afirmou o deputado comunista António Filipe relativamente à Melka. O deputado prosseguiu afirmando que a «nossa aposta tem que ser na qualidade e valorização das nossas marcas».
O deputado comunista lembrou umas jornadas parlamentares que o PCP realizou na Beira Interior, onde o sector têxtil e das confecções é muito forte, onde foi possível verificar que eram as empresas com melhores condições salariais e de competitividade, e que trabalhavam na criação de um produto e uma marca próprias, as que conseguiram vender, em Portugal e no estrangeiro. «Contrariamente, as que apresentavam maiores dificuldades eram as multinacionais, que apostavam precisamente na desvalorização da mão-de-obra», conclui António Filipe.
António Marques concorda. «A marca é uma questão fundamental, não podemos continuar a trabalhar para as grandes marcas internacionais em regime de subcontratação», destaca o sindicalista, que lembra que há já muitas fábricas nacionais a trabalhar para a Zara, do espanhol Amâncio Ortega, considerado o homem mais rico de Espanha.
O sector têxtil é um sector estratégico na Europa, considera o sindicalista. Actualmente, existem 2 milhões de trabalhadores no sector nos actuais países da União Europeia. Com os novos países, esse número aumentará em 700 mil. Apesar da redução de 100 mil postos de trabalho em Portugal nos últimos doze anos, o sindicalista recorda que o capital aumentou ainda mais os lucros e que Portugal não está a perder exportações para a Europa neste sector.
Empresa ou quota de mercado?
O exemplo da Fricarnes é demonstrativo da natureza das empresas multinacionais e dos seus métodos. Quando foi comprada, em 2001, pela espanhola Campo Frio, a Fricarnes empregava 450 trabalhadores. Actualmente, restam poucas dezenas na empresa, transformada em armazém de produtos provenientes de Espanha para serem depois vendidos no País.
Em tempos, na Fricarnes produzia-se vários tipos de carnes. A primeira medida tomada pelo grupo Campo Frio quando comprou a empresa foi encerrar o matadouro, único no concelho de Sintra, e manter apenas o sector de fabrico de carnes verdes (salsichas, enchidos, etc.). Mas este sector também acabaria por fechar, apenas um ano depois. E faltam ainda pagar os direitos de algumas dezenas de trabalhadores, denuncia Custódio da Luz, da Comissão Concelhia de Sintra do PCP.
O vereador Baptista Alves, eleito nas listas da CDU, considera que o sector alimentar é muito sensível e que nele se joga um pouco da soberania nacional. «O que reparámos na Fricarnes foi a compra por parte de uma empresa espanhola de quotas de mercado em Portugal», afirma o autarca. Em sua opinião, o grupo espanhol conseguiu com esta compra mercado para os seus produtos. «Agora, os produtos que estão a ser comercializados em Portugal são os produtos espanhóis, enquanto que os portugueses estão ao abandono», realça o vereador, que acusa a política seguida pelos sucessivos governos, de subserviência ao capital e às multinacionais de ser a responsável pela situação.
Baptista Alves alertou ainda para a degradação da capacidade produtiva do concelho e do País. Lembrando que há um grande número de habitantes do concelho de Sintra que trabalham noutros concelhos, o vereador considera que era importante inverter essa tendência através da criação de indústria e de emprego no concelho. «Mas o que se passa é o contrário», lamenta.
Esperando que um dia se possa fazer em Sintra a «rota do emprego», Baptista Alves falou da necessidade de alterações políticas significativas para que tal venha a acontecer. Alterações que só a luta pode provocar e que são necessárias para que Portugal deixe de ser uma coutada das multinacionais e passe a pôr no centro das opções políticas o emprego e o desenvolvimento.