Hype da sociedade do conhecimento

Francisco Silva
Hype, termo da língua inglesa. Para ele não encontro equivalente em português. Segundo o Dicionário de inglês contemporâneo da «Longman» (página 515), hype é um termo informal que significa o trabalhar para obter uma grande atenção por parte do público para coisas ou pessoas, afirmando com frequência que são muito boas e que são melhores do que o são na realidade. Pelo menos se tais faltas de merecimento vão acontecendo nas alturas em que vozearias provocam as alterosas ondas do hype correspondente. É sobretudo a prática do hype mediático que está na moda. E estará. E estará. Sei.
Ocorrem-me logo as ondas de hype das novas tecnologias, do digital (digitalismo em vez de capitalismo, há quem o avance!), da sociedade da informação, da nova economia e, agora, da sociedade do conhecimento. E mais que me ocorrerem os exemplos, aliás todos estes pertencentes à mesma ordem de questões, quero referir o ter sido por esta última onda de hype – a da sociedade do conhecimento – que, adicionada a gota de água, funcionou o transbordar da água do copo. Foi porque me chamaram a atenção para a forma como sobre ela escrevia que decidi reabordar o assunto. O assunto, quero dizer, o existir a percepção que não desmonto o hype da sociedade do conhecimento. Uma propaganda manipulatória e um envolvimento de magia: o Paraíso na Terra por via da sociedade do conhecimento! Tudo isto a ajudar esconder e fazer aceitar o prolongamento da exploração capitalista e mesmo o multiplicar da rapina da mais valia criada, agora a manifestar-se cada vez mais e também em relação ao trabalho intelectual e criativo. E quanto dramática é esta última questão! Está mesmo no cerne da chamada «nova economia». Que não morreu, não julguem.
Mas voltemos ao tema do «descuido». Ou antes da recaída, nem sei se a primeira, a segunda, ou qual. A última de que me lembro e motivou já um escrito meu destes não há muito tempo. Com efeito, nessa altura o estímulo vinha-me de um colega de profissão e camarada de militância por um futuro melhor. Dizia-me ele mais ou menos o seguinte, tanto quanto consigo recordar: Quando leio o que escreves não consigo afastar a ideia de que transmites um certo deslumbramento pelas novas tecnologias. Um certo deslumbramento – dizia assim, porventura, por razões de delicadeza.
Bom, deve também ser dito. É certo haver muito de ingénuo e sincero entusiasmo e deslumbramento na forma como muitos cavalgam estas ondas. E entre estes entusiastas não se encontram apenas, nem sobretudo, os indivíduos do público em geral – esta expressão sendo um eufemismo que designa a generalidade dos consumidores de material informativo que os media fornecem, e através do qual esses consumidores quase em exclusivo apreendem a realidade naquilo que ultrapassa os apertados limites do seu dia a dia de trabalho e de alimentação e descanso. Com efeito não são apenas estes. Incluem-se também os iniciados – muitos quadros superiores das empresas e dos Estados, muitos docentes e académicos – entre os entusiastas da sociedade do conhecimento que contribuem para esta onda de hype.
De facto, são muitas as ocasiões profissionais em que vou participando onde estas questões são abordadas em termos de projectos concretos. São muitas – cada vez mais – as situações em que as acções planeadas e desenvolvidas têm como base enquadradora – com sendo a coisa mais natural do mundo –, a «sociedade do conhecimento». Neste caso trata-se de um conceito que significa o integrar as tecnologias da informação e comunicação, os computadores e os novos meios de comunicação, a Internet, o correio electrónico, nos processos de produção de bens e serviços, e na generalidade das actividades humanas.
Na verdade vamos vendo, e quantas vezes quase não vendo, as consequências a infiltrarem-se em todo o nosso dia a dia. Significa isto não apenas o recurso intensivo a estas «novas tecnologias». Significa mesmo a sua integração de um modo que quase não damos por isso que até esta altura não tivessem estado aí. Aí se integram e, passado algum tempo, quase não se vêem as costuras das cicatrizes que provocaram no seu processo de infiltração.
As criações da Humanidade, não é por se darem na vigência de uma certa configuração histórica – a nossa ou a medieval ou a esclavagista –, não é pelo hype e manipulações associados que não devem ser reconhecidas. E não se fuja a usar o palavreado comum, por difícil que seja enquadrá-lo com rigor, corra-se esse risco – é o caso de sociedade do conhecimento.