Em nome dos valores e direitos de Abril
O tradicional desfile comemorativo do 25 de Abril em Lisboa está marcado para as 15 horas, na Avenida da Liberdade. A comissão promotora – que integra o PCP – apela à participação da população, num documento que publicamos na íntegra.
O apelo é subscrito pelos diversas organizações e personalidades, nomeadamente a Associação 25 de Abril, a Intervenção Democrática, o BE, a CGTP-IN, a Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio, o PCP, «Os Verdes», o PS, a UGT e a URAP.
«Neste período conturbado que estamos a viver, em que alguns dos valores e direitos adquiridos pela sociedade portuguesa após a revolução do 25 de Abril não tinham ainda, no seu essencial, sido postos em causa, começamos a assistir agora ao afloramento de alguns indícios inquietantes de que certos sectores político-económicos, de inspiração conservadora e com forte penetração nas áreas do poder vigente, se acham empenhados, mediante acções concertadas, em criar novos mecanismos que lhes alarguem, em benefício próprio, a margem de intervenção nos destinos do País. Perante tais sintomas, faz todo o sentido que as comemorações do 25 de Abril do presente ano constituam uma significativa afirmação de que a esmagadora maioria dos portugueses rejeita qualquer passo atrás que lhe embargue o direito de exercer livremente a soberania da sua vontade e a determinação de enveredar esclarecida e empenhadamente pelos caminhos de um progresso social amplo e solidário», lê-se no apelo.
«O 25 de Abril de 1974 constituiu o levantamento do País contra um regime em completa rotura com as aspirações colectivas e os verdadeiros interesses dos portugueses. Foi bem sucedido porque se identificou com as aspirações do nosso povo, há longa data reprimidas, e porque culminou, através de um movimento militar redentor, um longo e sempre latente processo de reconquista da liberdade e da democracia, que teve as suas raízes fundamentais na dinâmica interna da resistência popular e republicana à ditadura. Traduziu sobretudo um profundo desejo de ascensão emancipadora à cidadania, que assentou em bases consistentes e autónomas, logo potencialmente perduráveis, por nada terem ficado a dever à imposição violenta de qualquer potência estrangeira.»
«A democracia, que então se tomou como referência, representava o sistema que melhor traduziria as vontades individuais e que melhor as conciliaria com a procura do interesse colectivo. Deveria entender-se como bastante mais do que uma codificação de regras, livremente adaptadas para balizar o comportamento dos indivíduos e das instituições e ser apreendida, sobretudo, como forma interveniente e solidária de viver em sociedade. Este modelo implicava que as decisões assumidas, através do poder representativo dos cidadãos reflectissem o seu sentimento prevalecente, sem nunca perder de vista a natureza e o peso relativo daqueles que apoiam outras soluções», afirmam os assinantes do documento.
Condenar a guerra
«Maiorias de circunstância não poderão, sem perigo de provocar roturas políticas e sociais gravosas no Pais, impor unilateralmente os seus pontos de vista exclusivos, quando as minorias, na sua totalidade os rejeitem. A prudência e o respeito democrático aconselhariam a que se evitassem as situações dilemáticas extremas e se doseassem as medidas a tomarem função da consistência e até da determinação das objecções levantadas pelo campo oposto. O esquecimento deste princípio reflecte apenas uma censurável arrogância e uma penosa falta de consciência de quanto o poder é transitório e de quanto os actos, hoje praticados ao arrepio de uma grande parte dos eleitores, poderão amanhã ser significativamente corrigidos», lê-se no texto.
«Face a semelhante autoritarismo e às contra respostas a que, de futuro, obrigatoriamente dará lugar, fica, afinal, comprometida a definição de um rumo coerente para o País vencer as dificuldades estruturais com que desde sempre se debateu. Os factos não indiciam que o actual Governo tenha o sentido de equilíbrio necessário para fazer face às dificuldades da conjuntura e seja alguma vez capaz de galvanizar os portugueses para um grande projecto colectivo. A ausência de identificação com a vontade do País ficou bem patente com a posição tomada pelo Governo no que toca à guerra conduzida pelos anglo-americanos contra o Iraque, O alinhamento acrítico e sem reticências do Governo com as posições belicistas da Administração de George Bush, e o apoio que desde o princípio deu a um conflito injusto, ilegal e desnecessário, tomaram o nosso país cúmplice dos massacres da população civil iraquiana e da destruição do seu património, perpetrados sistematicamente e com frieza pelo poderio esmagador das forças invasoras.»
«Esta manifestação do 25 de Abril, para além de reiterar o apego dos portugueses aos valores da liberdade e da democracia, servir-lhes-á para reafirmarem a sua condenação da guerra, como já antes, por diversas vezes, o fizeram de forma empenhada e com elevadíssima participação. E, desse modo, tomarem patente quanto o Governo tem em pouca conta a opinião pública do seu país e quanto o posicionamento exterior que adoptou contribuiu para atingir instituições como as Nações Unidas e a União Europeia, de cujo reforço e prestígio, atendendo ao pequeno peso relativo que desfrutamos no plano internacional, só poderíamos colher vantagens.»
Ataques
«Mau grado o panorama difícil que se nos apresenta, o povo português já deu provas de ser capaz de superar, com êxito, outros momentos críticos, como foi exemplarmente o caso da guerra colonial e o da exaustão de perspectivas a que se chegou no começo do ano de 1974», lembra o documento.
«Hoje, como antes, mercê em boa parte da adopção de políticas de pequenos horizontes e do constante endosso do custo das crises para os mais fracos e dependentes, Portugal entrou em recessão económica com consequências imediatas no aumento do desemprego e na precariedade do trabalho e viu agravado o seu distanciamento face à média dos países da União Europeia. Não se antevê que o poder instalado encare, para tentar sair das dificuldades, outras receitas que não seja uma política fiscal injusta e facilitar uma maior exploração da mão de obra por parte do capital, reconvertendo para o efeito, de forma violenta e unilateral, a legislação do trabalho, em embargo da regressão social provocada. Nesta senda, alguns dos restantes patrimónios estruturantes da democracia que o 25 de Abril implementou estão igualmente a ser objecto de investidas, correndo mesmo o risco de descaracterização. É o caso dos sectores da educação, da saúde e da segurança social em que manifestamente se visa agora reduzir os direitos já adquiridos pelos cidadãos.»
«O neoliberalismo mostrou sobejamente, a nível mundial, que apenas serviu para acentuar a desigualdade entre os povos desenvolvidos e os povos subdesenvolvidos, cavando fossos e erguendo barreiras que parecem intransponíveis entre uns e outros. As fórmulas conservadoras do mesmo teor que, para uso interno, informam o pensamento dos actuais dirigentes do nosso país, terão de ser rejeitadas. Através desta manifestação do 25 de Abril de 2003, procurar-se-á tomar explícito esse anseio e avisar o Governo que não é tolerável a prática que adoptou de impor unilateralmente a sua vontade, com risco de relegar o País para situações indesejáveis de fractura. Neste contexto de descontentamento, mas também de esperança num futuro que seja fruto do maior empenhamento de todos aqueles que amam a liberdade e a democracia e que prezam a defesa dos ideais alcançados com a Revolução dos Cravos, que continuarão a ser protagonizados pela juventude, se apela a que participem no desfile que, às 15 horas do dia 25 de Abril descerá, desde a Praça do Marquês de Pombal até à Praça do Rossio, a Avenida da Liberdade em Lisboa», conclui o apelo.
«Neste período conturbado que estamos a viver, em que alguns dos valores e direitos adquiridos pela sociedade portuguesa após a revolução do 25 de Abril não tinham ainda, no seu essencial, sido postos em causa, começamos a assistir agora ao afloramento de alguns indícios inquietantes de que certos sectores político-económicos, de inspiração conservadora e com forte penetração nas áreas do poder vigente, se acham empenhados, mediante acções concertadas, em criar novos mecanismos que lhes alarguem, em benefício próprio, a margem de intervenção nos destinos do País. Perante tais sintomas, faz todo o sentido que as comemorações do 25 de Abril do presente ano constituam uma significativa afirmação de que a esmagadora maioria dos portugueses rejeita qualquer passo atrás que lhe embargue o direito de exercer livremente a soberania da sua vontade e a determinação de enveredar esclarecida e empenhadamente pelos caminhos de um progresso social amplo e solidário», lê-se no apelo.
«O 25 de Abril de 1974 constituiu o levantamento do País contra um regime em completa rotura com as aspirações colectivas e os verdadeiros interesses dos portugueses. Foi bem sucedido porque se identificou com as aspirações do nosso povo, há longa data reprimidas, e porque culminou, através de um movimento militar redentor, um longo e sempre latente processo de reconquista da liberdade e da democracia, que teve as suas raízes fundamentais na dinâmica interna da resistência popular e republicana à ditadura. Traduziu sobretudo um profundo desejo de ascensão emancipadora à cidadania, que assentou em bases consistentes e autónomas, logo potencialmente perduráveis, por nada terem ficado a dever à imposição violenta de qualquer potência estrangeira.»
«A democracia, que então se tomou como referência, representava o sistema que melhor traduziria as vontades individuais e que melhor as conciliaria com a procura do interesse colectivo. Deveria entender-se como bastante mais do que uma codificação de regras, livremente adaptadas para balizar o comportamento dos indivíduos e das instituições e ser apreendida, sobretudo, como forma interveniente e solidária de viver em sociedade. Este modelo implicava que as decisões assumidas, através do poder representativo dos cidadãos reflectissem o seu sentimento prevalecente, sem nunca perder de vista a natureza e o peso relativo daqueles que apoiam outras soluções», afirmam os assinantes do documento.
Condenar a guerra
«Maiorias de circunstância não poderão, sem perigo de provocar roturas políticas e sociais gravosas no Pais, impor unilateralmente os seus pontos de vista exclusivos, quando as minorias, na sua totalidade os rejeitem. A prudência e o respeito democrático aconselhariam a que se evitassem as situações dilemáticas extremas e se doseassem as medidas a tomarem função da consistência e até da determinação das objecções levantadas pelo campo oposto. O esquecimento deste princípio reflecte apenas uma censurável arrogância e uma penosa falta de consciência de quanto o poder é transitório e de quanto os actos, hoje praticados ao arrepio de uma grande parte dos eleitores, poderão amanhã ser significativamente corrigidos», lê-se no texto.
«Face a semelhante autoritarismo e às contra respostas a que, de futuro, obrigatoriamente dará lugar, fica, afinal, comprometida a definição de um rumo coerente para o País vencer as dificuldades estruturais com que desde sempre se debateu. Os factos não indiciam que o actual Governo tenha o sentido de equilíbrio necessário para fazer face às dificuldades da conjuntura e seja alguma vez capaz de galvanizar os portugueses para um grande projecto colectivo. A ausência de identificação com a vontade do País ficou bem patente com a posição tomada pelo Governo no que toca à guerra conduzida pelos anglo-americanos contra o Iraque, O alinhamento acrítico e sem reticências do Governo com as posições belicistas da Administração de George Bush, e o apoio que desde o princípio deu a um conflito injusto, ilegal e desnecessário, tomaram o nosso país cúmplice dos massacres da população civil iraquiana e da destruição do seu património, perpetrados sistematicamente e com frieza pelo poderio esmagador das forças invasoras.»
«Esta manifestação do 25 de Abril, para além de reiterar o apego dos portugueses aos valores da liberdade e da democracia, servir-lhes-á para reafirmarem a sua condenação da guerra, como já antes, por diversas vezes, o fizeram de forma empenhada e com elevadíssima participação. E, desse modo, tomarem patente quanto o Governo tem em pouca conta a opinião pública do seu país e quanto o posicionamento exterior que adoptou contribuiu para atingir instituições como as Nações Unidas e a União Europeia, de cujo reforço e prestígio, atendendo ao pequeno peso relativo que desfrutamos no plano internacional, só poderíamos colher vantagens.»
Ataques
«Mau grado o panorama difícil que se nos apresenta, o povo português já deu provas de ser capaz de superar, com êxito, outros momentos críticos, como foi exemplarmente o caso da guerra colonial e o da exaustão de perspectivas a que se chegou no começo do ano de 1974», lembra o documento.
«Hoje, como antes, mercê em boa parte da adopção de políticas de pequenos horizontes e do constante endosso do custo das crises para os mais fracos e dependentes, Portugal entrou em recessão económica com consequências imediatas no aumento do desemprego e na precariedade do trabalho e viu agravado o seu distanciamento face à média dos países da União Europeia. Não se antevê que o poder instalado encare, para tentar sair das dificuldades, outras receitas que não seja uma política fiscal injusta e facilitar uma maior exploração da mão de obra por parte do capital, reconvertendo para o efeito, de forma violenta e unilateral, a legislação do trabalho, em embargo da regressão social provocada. Nesta senda, alguns dos restantes patrimónios estruturantes da democracia que o 25 de Abril implementou estão igualmente a ser objecto de investidas, correndo mesmo o risco de descaracterização. É o caso dos sectores da educação, da saúde e da segurança social em que manifestamente se visa agora reduzir os direitos já adquiridos pelos cidadãos.»
«O neoliberalismo mostrou sobejamente, a nível mundial, que apenas serviu para acentuar a desigualdade entre os povos desenvolvidos e os povos subdesenvolvidos, cavando fossos e erguendo barreiras que parecem intransponíveis entre uns e outros. As fórmulas conservadoras do mesmo teor que, para uso interno, informam o pensamento dos actuais dirigentes do nosso país, terão de ser rejeitadas. Através desta manifestação do 25 de Abril de 2003, procurar-se-á tomar explícito esse anseio e avisar o Governo que não é tolerável a prática que adoptou de impor unilateralmente a sua vontade, com risco de relegar o País para situações indesejáveis de fractura. Neste contexto de descontentamento, mas também de esperança num futuro que seja fruto do maior empenhamento de todos aqueles que amam a liberdade e a democracia e que prezam a defesa dos ideais alcançados com a Revolução dos Cravos, que continuarão a ser protagonizados pela juventude, se apela a que participem no desfile que, às 15 horas do dia 25 de Abril descerá, desde a Praça do Marquês de Pombal até à Praça do Rossio, a Avenida da Liberdade em Lisboa», conclui o apelo.