O fracasso de Uribe na Europa e as tensões sociais na Colômbia

Miguel Urbano Rodrigues
As coisas correram mal a Uribe Vélez no Parlamento Europeu. A própria imprensa colombiana, sobretudo El Tiempo, temia que a visita a Estrasburgo produzisse um efeito contrário ao desejado. Mas Uribe, dia a dia mais autocrático, não escuta já nem os seus conselheiros mais íntimos. Aconteceu o que se esperava. Os partidos da Esquerda boicotaram a sessão, por identificarem no visitante o chefe de um governo que viola ostensivamente os direitos humanos.
Dos 626 deputados compareceram apenas 250. Destes, alguns receberam-no acenando com lenços brancos com a inscrição «Paz e Justiça na Colômbia».
Dias antes, Yolanda Pulecio, mãe da ex-candidata à presidência, Ingrid Bettancourt, prisioneira das FARC, dirigira em Bruxelas duras críticas a Uribe acusando-o de não manifestar «qualquer interesse» pela sorte dos prisioneiros ao fechar as portas ao diálogo tendente a um acordo humanitário. Essa posição do presidente foi aliás reafirmada no discurso palavroso que pronunciou em Estrasburgo, no qual criticou, com arrogância, a ausência no plenário da maioria dos deputados.
Na capital belga, Uribe ouviu um rotundo NÃO de Romano Prodi, o presidente da Comissão Europeia, quando este o informou de que não havia um mínimo de condições para a convocação da Conferência de Contribuintes solicitada pelo mandatário colombiano. O comissário Chris Patten aproveitou a oportunidade para criticar o projecto de amnistia aos paramilitares. Distanciando-se do conceito uribista de «segurança democrática», afirmou considerar uma atitude «não sensata dar poderes judiciais aos militares».
Na sua fracassada visita à Europa, as únicas palavras de simpatia que Uribe ouviu foram talvez as do espanhol Javier Solana, o responsável pela Política Externa e de Segurança Comum da Europa, ex-secretário geral da NATO, cujo conceito de «terrorismo» é inspirado pelo do presidente Bush.
Os comentários dos grandes media do velho Continente tornaram transparente que a Colômbia é um país profundamente traumatizado cujo governo de extrema direita se mostra incapaz de superar a actual crise social e económica e de encontrar solução para uma guerra civil de quatro décadas. A oratória de fachada democrática do ocupante da Casa de Nariño não convenceu nem as forças políticas mais conservadoras da União Europeia. Caíram no vazio os seus apelos à solidariedade.
Uribe é ideologicamente um fascista que não pode assumir-se como tal.
A sua nova estratégia avança, como a anterior, para um fracasso.
As manobras para atingir por outros meios os objectivos que esperava alcançar mediante o referendo já começaram a esbarrar com obstáculos na aparência intransponíveis.
A derrota na consulta ao povo, de 25 de Outubro pp (das 15 perguntas que pediam o SIM, apenas uma obteve a votação mínima indispensável), demonstrou a falsidade das sondagens que o rodeavam de uma auréola de grande popularidade. No dia seguinte, o povo, nas eleições regionais, rejeitou os candidatos uribistas a governadores e alcaides nas grandes cidades, incluindo Bogotá.
A situação financeira, com um défice equivalente a 7500 milhões de dólares e uma dívida externa que representa metade do PIB, é muito grave.
O povo aperta o cinto, o desemprego atinge índices alarmantes, os indicadores da saúde, da educação e de outros sectores sociais pioram.

Ponta de lança dos EUA

O presidente persiste, entretanto, numa estratégia que faz do aparelho de repressão a alavanca da chamada política de «segurança democrática» global. A retomada da velha e desacreditada tese segundo a qual a vitória militar sobre a insurgência é possível reforçou na prática a subordinação do Estado colombiano aos ditames de Washington. Bogotá não é apenas o melhor aliado da administração Bush no Continente. O Plano Colômbia, reformulado de acordo com as exigências da Casa Branca e do Pentágono, aparece hoje como a ponta de lança na América Latina de um sistema de dominação imperial que configura ameaça mortal a todos os países da Região Amazónica. A rede de bases militares implantadas na Colômbia e nos estados vizinhos (Equador e Panamá) emerge como instrumento dessa política belicista de recolonização. Por si só o apoio incondicional de Uribe à guerra de agressão contra o Iraque, desaprovado pela grande maioria dos colombianos, caracteriza bem o espírito capitulador de um governo para o qual a soberania nacional é uma palavra sem significado.
Toda a orquestração publicitária que envolve as negociações com os grupos paramilitares não consegue também tapar a cumplicidade existente entre o presidente e os chefes desses bandos de assassinos, nomeadamente Carlos Castaño e Salvatore Mancuso. Enquanto na Argentina o Congresso, sob proposta de Kirchner, revogou a amnistia de Menem que beneficiava responsáveis por crimes contra a humanidade, a opção de Uribe é outra, antagónica. A fórmula do Olvido y Perdón traduz a hipocrisia de um governo consciente dos vínculos que a unem ao paramilitarismo, criado pelo exército como instrumento da política de Estado. Integrar os ex-paramilitares, legalmente, em corpos repressivos é uma aspiração do presidente.
A imagem internacional dos paramilitares é, porém, tão negativa que até The New York Times toma distância dos grupos de criminosos que Uribe pretende «recuperar». Segundo o influente matutino, os bandos de Castaño e Mancuso tratam presentemente de comprar terras, através de terceiros para lavar dinheiro do narcotráfico.
A manobra de Cesar Gaviria de oferecer os préstimos da OEA, como mediadora nas negociações com a escória do paramilitarismo não produziu pelo seu carácter chocante o efeito pretendido. Cabe recordar que as Nações Unidas, predispostas a facilitar um acordo humanitário do Governo com as FARC para a troca de prisioneiros – o que equivaleria a reconhecer à guerrilha de Marulanda um estatuto de força beligerante – se negaram sempre a manter com as organizações paramilitares qualquer tipo de contactos. A iniciativa de Cesar Gaviria foi, portanto, mal recebida pela ONU que identificou nela um gesto publicitário cujo objectivo seria inseparável da ambição do actual secretário geral da OEA – definida por Fidel como o Ministério das Colónias de Washington – de se candidatar à Presidência da Colômbia que já exerceu de maneira desastrada.
Não surpreendeu que a hierarquia da Igreja tenha recebido com desagrado a oferta de mediação de Gaviria. Para os bispos colombianos não se pode colocar no mesmo plano o diálogo com a insurgência e as equívocas negociações do governo com os bandos paramilitares.
O bispo Luis Castro não hesitou em se manifestar a favor de um acordo humanitário com as FARC, e o cardeal Pedro Rudiana veria com simpatia a criação de uma comissão facilitadora que restabelecesse o diálogo entre o executivo e a principal organização guerrilheira.
Uribe, que já desautorizara a iniciativa do ex-presidente Lopez, partidário de um acordo humanitário, foi arrogante ao dirigir-se a representantes do corpo diplomático: «Os senhores dedicam-se a pedir diálogos de paz; eu dedico-me a pedir armas para derrotar a insurgência!»

A manobra da reeleição

O Ministério que segundo Uribe deveria durar todo o seu mandato, durou apenas um ano. Não resistiu ao terremoto do referendo e das eleições regionais. Nas próprias Forças Armadas o mal estar é evidente, reflectindo-se na mudança de comandos no Exército e na Polícia.
Foi, portanto, num contexto desfavorável, que, inesperadamente, a embaixadora da Colômbia em Espanha relançou a ideia da reeleição do presidente. Ex-ministra de Pastrana e ex-candidata à presidência da República, Noemi Sanin sabe que o Congresso rejeitou já, por inconstitucional, um projecto similar. Não há condições no momento para a aprovação de uma emenda à Lei Magna que viabilize a aspiração.
Mas Noemi não desiste. Subitamente, arquivando desavenças antigas, descobriu que Uribe Vélez tem o perfil de um salvador da pátria. A fé da improvisada embaixadora no santo milagreiro é tamanha que, admitindo a impossibilidade da reeleição, implora que, pelo menos, lhe prorroguem por dois anos o mandato.
Se tal acontecesse, a fachada democrática do regime ruiria e um fujimorazo colombiano exibiria a verdadeira face do uribismo .
Outro ex-adversário que, no momento, actua como aliado do presidente é o eterno candidato Horacio Serpa. Em Monterrey defendeu as posições de Uribe sobre a ALCA, alinhando incondicionalmente com os EUA.
O governo de Bogotá, ficou claro, desempenhará o papel que Washington lhe atribuir. Assinará como o Chile um Acordo Bilateral, inspirado pela ALCA dura, rejeitada em Miami, ou, eventualmente, um Acordo Sub-Regional no espaço andino (sem a Venezuela) similar ao criado para os países da América Central.
Esta política de vassalagem, apoiada pela oligarquia, tem sido denunciada e combatida com firmeza pelas forças democráticas e progressistas.
As tensões sociais aumentam, sobretudo nas grandes cidades e a resposta do governo é a repressão contra os trabalhadores, os estudantes e os camponeses.
O fracasso de Uribe na sua visita à Europa talvez fique a assinalar o início de um recrudescimento da luta de massas contra um governo que não consegue mais ocultar os seus contornos neofascistas.