
- Nº 1576 (2004/02/12)
Venezuela: novo golpe avança a fogo lento (conclusão)
Internacional
Se aos apelos para a invasão da Venezuela juntarmos declarações com as de Roger Noriega, Otto Reich, Powell, Adam Ereli e Condolezza Rice, no sentido de que se não houver referendo revogatório é sinal de que não há democracia na Venezuela, podemos entender em toda a sua dimensão estas palavras de Chávez: «As declarações de Rice preparam o terreno para um golpe». É que condicionar a vigência da democracia na Venezuela à realização ou não do referendo não só é uma provocação como é absolutamente inconstitucional, já que essa consulta só se pode fazer, legalmente, se for solicitada por um número determinado de assinaturas e, como já foi dito, a oposição parece não ter atingido esse mínimo necessário.
Os Estados Unidos, tal como recordou recentemente Hugo Chávez, parecem esquecer-se de que a «Venezuela é um país livre, soberano e independente». Talvez esqueçam este detalhe com perto de duzentos anos de vigência. O que não esquecem é que a Venezuela, quinta no ranking mundial, conta – aqui mesmo à mão de semear, dirão em Washington e no Pentágono – com metade das reservas do mundo ocidental (algo assim como 78 mil milhões de barris), e isto sem levar em linha de conta as reservas da zona do rio Orinoco, o que transforma o país de Bolívar no de maior acumulação de combustíveis líquidos do mundo (300 mil milhões de barris). Mas isto está longe de ser tudo. Falta ainda considerar que estamos a falar do sexto país do mundo em termos de gás natural com os seus 148 biliões de pés cúbicos deste recurso.
Mais números que justificam as «preocupações» do regime de Washington com Caracas: as reservas totais do país estimam-se em 221 mil milhões de barris de petróleo e poderiam contabilizar-se outros 94 biliões de pés cúbicos de gás. Os Estados Unidos já fazem contas, a longo prazo, com os recursos naturais da Venezuela e calculam que, para 2015, as exportações de petróleo para o colosso do Norte andarão pelos 25% contra os 15% actuais. Nada é produto do azar…
Por outro lado, não percamos de vista outro elemento que tira o sono ao regime de Washington. O modelo político venezuelano, de características únicas, é um «péssimo» exemplo para a toda a América Latina e Hugo Chávez ganha cada dia mais vulto como referência para os povos da região, por muito que Washington trate de o isolar do contexto hemisférico e mundial. A saída de Chávez é um objectivo central da política internacional de Washington. Se for pelas boas, melhor, se for pelas más, também vale. Terrorismo político, sabotagem económica, desinformação, manipulação da OEA para a eventual aplicação da Carta Democrática… tudo vale, até o Plano Colômbia, que ameaça estender até à Venezuela o conflito do país vizinho para pôr as mãos nas riquezas naturais da Venezuela. Na análise do jornalista venezuelano William Izarra os primeiros alvos seriam o Lago de Maracaibo, Paraguaná, Guaragua, El Palito e Morón (Maracaibo e a zona Oriental estão entre as 10 maiores reservas do mundo), assim como Caracas, capital e centro político da nação.
Pancho Villar (ww.redvoltaire.net) lança mais luz sobre o papel da CIA na vida política da Venezuela. «É a protagonista principal da oposição ao governo de Chávez e dado o seu poder extraordinário (…) marca o passo de uma oposição diversa e fraccionada por interesses económicos, sociais e políticos, em muitos casos opostos. Habilmente a agência manipula-os para o seu propósito essencial: destruir a democracia na Venezuela e submeter o país à tutela colonial do capital estado-unidense».
Pensar na Venezuela, pensar no Chile
Torna-se cada vez mais difícil pensar na Venezuela sem que o Chile de 1973 nos venha à memória. As situações nacionais não são idênticas – aquele era um processo desarmado, este não – mas as intenções do império são muito semelhantes. Desde o princípio, para muitos esteve clara a ingerência da CIA no golpe pinochetista. Hoje, depois de desclassificados vários documentos secretos dos Estados Unidos, isso só não está claro para quem o não quer ver. No golpe da Venezuela está igualmente claro para muitos que a CIA teve um papel determinante do golpe de 2002. Numa entrevista recente a um dos principais jornais de Caracas (Ultimas Notícias, pode ver-se na Internet), o general Melvin López Hidalgo – que teve um papel fundamental no regresso de Hugo Chávez ao governo depois do golpe – declarou que «as investigações (do golpe de 2002) da comissão integrada por generais, almirante e coronéis evidenciaram a participação estrangeira na conspiração para dar o infame golpe de estado de Abril. (…) Posso dizer que houve evidências de visitas antecipadas de estrangeiros (…) O golpe estava preparado para Dezembro de 2001».
Dentro de vários anos, Washington desclassificará os seus documentos secretos relativos à Venezuela destes dias. Mas, na verdade, já sabemos muito do que se está a passar, e o que está a passar é sumamente preocupante.
Pedro Campos