Entre o sagrado e o empresarial ( 04 )

A partilha do mercado

Jorge Messias
Se mantivermos o mesmo esquema proposto na passada semana começaremos a detectar neste negócio do Atlântico relações menos evidentes entre o Estado, os agentes do capital e a Igreja. A começar pela caracterização do próprio negócio.
O Banco do Atlântico foi integrado, nos princípios da década de 1950, na chamada holding do espírito espanhola (União Industrial Bancária, Banco Europeu de Negócios, Banco Atlântico, Banco da Andaluzia e bancos da Vasconça, Salamanca, Catalunha, etc.) que constituiu, em articulação com o poderoso Banco Popular Espanhol - a casa-mãe - o eixo da primeira fase da grande expansão financeira da OD em Espanha. Nessa época, o Atlântico apresentava no mundo capitalista o interesse de constituir uma instituição financeira de nível médio. Cresceu depois, ao longo da segunda metade do século, sob a gestão dos tecnocratas espanhóis da Opus Dei. É hoje o nono maior banco de Espanha, com activos superiores a 8 mil milhões de euros e uma rede de 275 balcões. Esta ascensão meteórica foi alcançada através da rigorosa aplicação das orientações financeiras impostas pela Obra: cruzar interesses, não parar, não estagnar mas manter rigidamente, nos grupos económicos conquistados, uma permanente capacidade de direcção. É assim que, cinquenta anos mais tarde, vamos encontrar o Atlântico aparentemente dominado por um banco árabe mas com uma direcção fortemente enquadrada por outros dois gigantes poderosos, ambos pertencentes aos chamados grupos canónicos do capital financeiro: o Banco Bilbao y Vizcaia e o Santander. Um terceiro accionista minoritário, com 5,6% do capital - o grupo alemão Allianz - completa o cinturão de segurança da estrutura católica dirigente. A Allianz é a maior seguradora europeia. Tem interesses cruzados com o Deutsche Bank que coordena este negócio do Atlántico, com a Fortis (que também se candidata à compra) e com os capitais da igreja, através do IOR, o Banco do Vaticano.
Os candidatos - Uma das polémicas que a candidatura da CGD a esta compra está a suscitar é o facto de a Caixa portuguesa constituir o único concorrente à compra do Atlântico abertamente subsidiado pelo próprio Estado. Nos outros casos, as candidaturas são assumidas por grupos financeiros de capitais privados. E há, também, alguns outros aspectos que interessa registar. Os ingleses do Barklays têm interesses cruzados com o Popular Espanhol, com o Sabadell e com as Cajas de Haorros del Mediterrâneo. Os belgas da Fortis (o mais importante grupo financeiro belga-holandês) estão associados à Allianz na área europeia seguradora, pelo menos no Dresdner Bank. Os italianos do segundo grupo financeiro transalpino mais poderoso, o Unicredito, estão profundamente envolvidos nas operações de concentração de capitais privados nos sectores da saúde, da segurança social e da poupança. Assim, o negócio que se disputa com a aquisição do Atlântico parece visar dois objectivos principais. Por um lado, avançar para a constituição de mais um gigantesco grupo financeiro, como é normal na globalização capitalista. Por outro lado, assumir posições privilegiadas na apetecida fatia da Europa Social, através da destruição e ocupação das redes públicas nacionais e da absorção dos seus activos.
Os intermediários - Pelo menos alguns de nós recordarão o escândalo que abalou, em finais dos anos 80 do século XX, o coração da igreja. Foram tempos de denúncias dos interesses ocultos do clero, com o cardeal Marcinkus, a Opus Dei e a Maçonaria, a figurarem como protagonistas de primeiro plano. Nessa altura, o Vaticano admitiu encontrar-se tecnicamente falido. Os cardeais decidiram, então, entregar ao sector privado a gestão do IOR - Instituto para as Obras da Religião e banco central do Vaticano. A Igreja arruinara-se com as cruzadas anticomunistas. Precisava, portanto, de receber em troca a solidariedade expressa do grande capital. O acordo foi assinado. As multinacionais iriam gerir os tesouros do Vaticano. No novo elenco administrativo do IOR contavam-se o Deustshe Bank, o Bilbao y Vizcaia, o Santander, os italianos do Mediocredito, os helvéticos da UBS ou os americanos da Allied Stories. Não será impossível reencontrarmos essas forças no negócio de aqui


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