UM BOM ACORDO, DISSE ELA
«Obrigar o Governo a fazer aquilo que só obrigado fará: cumprir a Constituição»
No que respeita a revisões da Constituição, Portugal ocupa um destacado primeiro lugar na União Europeia - quiçá em todo o Planeta. O sentido das várias revisões concretizadas – até aqui sempre resultantes de acordos entre o PS e o PSD, sublinhe-se – foi, sistematicamente, o do empobrecimento do conteúdo democrático da Constituição de Abril – da qual nada restaria hoje, não fora a dimensão progressista e democrática do texto aprovado em 1976 e a luta dos trabalhadores e do povo contra as múltiplas tentativas de o subverter e liquidar. Com efeito, cada revisão teve, entre os seus objectivos essenciais, a adaptação da Lei Fundamental do País a práticas anticonstitucionais dos sucessivos governos, num processo recorrente que pode resumir-se assim: violada a Constituição por imperativos da política de direita, impõe-se uma revisão que, servindo os objectivos da dita política, legalize as ditas violações – se necessário através de um processo de revisão que é, ele próprio, inconstitucional. Tudo muito simples, como não poderia deixar de ser e, também como é da praxe, tudo congeminado e concretizado no meio de altissonantes profissões de fé democrática e de não menos grandiloquentes exaltações do Estado de Direito democrático e da necessária e inadiável reforma do sistema político que a modernidade não se cansa de exigir...
Como se sabia inevitável, a maioria PSD/CDS-PP, logo que constituída, anunciou as suas intenções de revisão. Sobre o sentido da revisão pretendida, são por de mais esclarecedores quer o conteúdo do projecto da maioria, quer as posições tomadas na primeira reunião da Comissão Eventual para a Revisão, quer o pronunciamento colonial do ministro Paulo Portas (que não resistiu à tentação de exibir, mais uma vez, as salazarentas saudades do antigamente de que está possuído), quer as recentes declarações da ministra das Finanças. Disse ela, estendendo a mão e piscando o olho, que «um bom acordo entre partidos seria a revisão da Constituição». E, desvendando o que lhe vai na alma, explicou o seu entendimento de «bom acordo». Recorreu, para o efeito, a um exemplo concreto, para o caso o processo de aprovação do pacote laboral, dirigido pela batuta dos interesses do grande capital e, portanto, contrário aos interesses e direitos dos trabalhadores. Na opinião da ministra, parece que o referido processo confirmou a Constituição da República Portuguesa como uma fonte de bloqueios à concretização plena da política de direita, nomeadamente na área dos direitos dos trabalhadores. E, como ela própria fez questão de explicar, «o pacote laboral, que muitos consideram pouco, esteve no limite da constitucionalidade para ser aprovado».
Ora, é fácil de ver que não são assim tantos como isso os «muitos» que, segundo o lamento da ministra, «consideram pouco» o terrorismo laboral contido no chamado Código do Trabalho. E, nem o facto de eles serem grandes e poderosos os multiplica, nem eles quereriam, por razões óbvias, ver-se multiplicados... Na realidade, trata-se de uma escassa, escassíssima minoria de portugueses, uma minoria composta pelos chefes dos grandes grupos económicos – e, naturalmente, pelos seus homens (e mulheres) de mão colocados em todos os lugares estratégicos, a começar pelo Governo.
Muitos são, isso sim, os que, muito justamente, acham de mais o que o pacote laboral lhes quer roubar e, por isso, lutaram e continuam a lutar contra ele e pelos seus direitos constitucionais e democráticos. Muitos são, isso sim, os quase dois milhões de portugueses e portuguesas que, protagonizando a maior greve geral de sempre no nosso país, rejeitaram esse pacote antilaboral, anticonstitucional e antidemocrático. Mas esses – ou seja, os trabalhadores – estão longe, muito longe das preocupações da ministra, de tal forma arredados delas que a palavra trabalhador não faz parte, sequer, do seu vocabulário.
Percebe-se melhor, assim, o significado daquele «bom acordo entre partidos», suspirado pela ministra das Finanças: rever a Constituição de forma a transformá-la numa lei que confira poderes absolutos aos grandes grupos económicos.
Tudo isto confirma que, para os trabalhadores portugueses, o ano agora iniciado vai ser – ou, dizendo com mais rigor, vai continuar a ser - um tempo de lutas intensas, diversificadas, difíceis. Delas emerge, como questão maior, a luta pelo trabalho: pelo trabalho como direito humano inalienável e pelo trabalho com direitos - aqueles direitos a que todo o ser humano, pelo simples facto de existir, tem direito. Trata-se, ao fim e ao cabo, de lutas visando obrigar o Governo a fazer aquilo que, se não for obrigado, jamais fará: cumprir a Constituição da República Portuguesa. Que estes sejam objectivos prioritários da luta dos trabalhadores portugueses é bem elucidativo do estado a que chegou o nosso regime democrático, neste ano de 2004. Que entre os objectivos prioritários do Governo PSD/CDS-PP, esteja o de, retrocedendo trinta anos, rever a Constituição ao sabor dos interesses do grande capital, é bem elucidativo do estado a que os actuais governantes querem fazer chegar o regime.
Se outras razões não houvesse – e muitas há - estas seriam mais do que suficientes para que o 30º aniversário do 25 de Abril venha a constituir uma jornada de unidade e de luta em torno, precisamente, da democracia, da liberdade, da justiça social, da solidariedade e da paz.
Como se sabia inevitável, a maioria PSD/CDS-PP, logo que constituída, anunciou as suas intenções de revisão. Sobre o sentido da revisão pretendida, são por de mais esclarecedores quer o conteúdo do projecto da maioria, quer as posições tomadas na primeira reunião da Comissão Eventual para a Revisão, quer o pronunciamento colonial do ministro Paulo Portas (que não resistiu à tentação de exibir, mais uma vez, as salazarentas saudades do antigamente de que está possuído), quer as recentes declarações da ministra das Finanças. Disse ela, estendendo a mão e piscando o olho, que «um bom acordo entre partidos seria a revisão da Constituição». E, desvendando o que lhe vai na alma, explicou o seu entendimento de «bom acordo». Recorreu, para o efeito, a um exemplo concreto, para o caso o processo de aprovação do pacote laboral, dirigido pela batuta dos interesses do grande capital e, portanto, contrário aos interesses e direitos dos trabalhadores. Na opinião da ministra, parece que o referido processo confirmou a Constituição da República Portuguesa como uma fonte de bloqueios à concretização plena da política de direita, nomeadamente na área dos direitos dos trabalhadores. E, como ela própria fez questão de explicar, «o pacote laboral, que muitos consideram pouco, esteve no limite da constitucionalidade para ser aprovado».
Ora, é fácil de ver que não são assim tantos como isso os «muitos» que, segundo o lamento da ministra, «consideram pouco» o terrorismo laboral contido no chamado Código do Trabalho. E, nem o facto de eles serem grandes e poderosos os multiplica, nem eles quereriam, por razões óbvias, ver-se multiplicados... Na realidade, trata-se de uma escassa, escassíssima minoria de portugueses, uma minoria composta pelos chefes dos grandes grupos económicos – e, naturalmente, pelos seus homens (e mulheres) de mão colocados em todos os lugares estratégicos, a começar pelo Governo.
Muitos são, isso sim, os que, muito justamente, acham de mais o que o pacote laboral lhes quer roubar e, por isso, lutaram e continuam a lutar contra ele e pelos seus direitos constitucionais e democráticos. Muitos são, isso sim, os quase dois milhões de portugueses e portuguesas que, protagonizando a maior greve geral de sempre no nosso país, rejeitaram esse pacote antilaboral, anticonstitucional e antidemocrático. Mas esses – ou seja, os trabalhadores – estão longe, muito longe das preocupações da ministra, de tal forma arredados delas que a palavra trabalhador não faz parte, sequer, do seu vocabulário.
Percebe-se melhor, assim, o significado daquele «bom acordo entre partidos», suspirado pela ministra das Finanças: rever a Constituição de forma a transformá-la numa lei que confira poderes absolutos aos grandes grupos económicos.
Tudo isto confirma que, para os trabalhadores portugueses, o ano agora iniciado vai ser – ou, dizendo com mais rigor, vai continuar a ser - um tempo de lutas intensas, diversificadas, difíceis. Delas emerge, como questão maior, a luta pelo trabalho: pelo trabalho como direito humano inalienável e pelo trabalho com direitos - aqueles direitos a que todo o ser humano, pelo simples facto de existir, tem direito. Trata-se, ao fim e ao cabo, de lutas visando obrigar o Governo a fazer aquilo que, se não for obrigado, jamais fará: cumprir a Constituição da República Portuguesa. Que estes sejam objectivos prioritários da luta dos trabalhadores portugueses é bem elucidativo do estado a que chegou o nosso regime democrático, neste ano de 2004. Que entre os objectivos prioritários do Governo PSD/CDS-PP, esteja o de, retrocedendo trinta anos, rever a Constituição ao sabor dos interesses do grande capital, é bem elucidativo do estado a que os actuais governantes querem fazer chegar o regime.
Se outras razões não houvesse – e muitas há - estas seriam mais do que suficientes para que o 30º aniversário do 25 de Abril venha a constituir uma jornada de unidade e de luta em torno, precisamente, da democracia, da liberdade, da justiça social, da solidariedade e da paz.