
- Nº 1562 (2003/11/6)
Alterações ao regime da Função Pública
Ataque ao serviço público
Assembleia da República
Privatizar os serviços públicos, governamentalizar a administração e destruir o vínculo de emprego. Tais são, de uma penada, os objectivos do Governo no que designou por «reforma da administração pública».
A primeira fase deste pacote legislativo destinado a cumprir as orientações governativas subiu a plenário na semana transacta e foi aprovada com os votos da maioria e a abstenção do PS. Em debate, três projectos relativos à organização da Administração Directa do Estado, ao estatuto do pessoal dirigente e à criação da Lei-Quadro dos Institutos.
Todas as propostas desencadearam enérgicas reacções de crítica por parte da bancada comunista que, pela voz do deputado António Filipe, sem meias palavras, acusou o Executivo de estar a escancarar as portas para entregar os serviços públicos a interesses económicos privados.
A essa luz, no entender do PCP, deve ser entendida a via legislativa agora utilizada, da qual não resultarão seguramente quaisquer acréscimos de qualidade na prestação dos serviços prestados aos cidadãos.
Más experiências
Falou a secretária da Estado da Administração Pública, ao anunciar os propósitos do Governo, aquando da apresentação dos diplomas, em reduzir a burocracia e em simplificar serviços públicos, o que passa por flexibilizar algumas regras.
Mas a verdade é que as experiências de entrega de serviços públicos ao sector privado, nos países em que tal ocorreu, não deixam margem para dúvidas no que respeita à conclusão de que «são experiências muito boas para os lucros das empresas e são experiências péssimas para os cidadãos e para o interesse público».
Foi o que lembrou António Filipe, acrescentando, em reforço da posição da sua bancada, o facto de os utentes só terem perdido com essas concessões e privatizações, uma vez que, disse, «passaram a pagar o que antes não pagavam, confrontaram-se com a degradação dos serviços prestados e com a redução da suas garantias enquanto utentes». Também os Estados, pelos testemunhos que se conhecem, passaram em alguns casos a transferir para as empresas prestadoras verbas superiores às que gastariam se assegurassem directamente o funcionamento dos serviços.
Alimentar o clientelismo
A merecer duras críticas da bancada do PCP esteve também, noutro plano, a intenção do Governo de generalizar a regra do contrato individual de trabalho na administração pública.
Sem deixar de reconhecer a existência de problemas ao nível dos recursos humanos, António Filipe fez notar que o problema do funcionalismo público no nosso País não é o estatuto da função pública.
«O problema é que o funcionalismo público em Portugal é envelhecido, pouco qualificado e, em largos segmentos, mal pago», sublinhou, acrescentando que o regime agora proposto não visa resolver problemas dos serviços mas sim «restringir os direitos dos trabalhadores e consagrar mecanismos discricionários de admissão e progressão nas carreiras que podem dar lugar a todo do tipo de clientelismo».
«Pensar que se pode fazer uma reforma da administração pública agredindo e hostilizando quem nela trabalha tem sido uma das maiores causas do falhanço das reformas administrativas. Também aqui o Governo parece não ter aprendido com as lições do passado», concluiu o deputado comunista.
Em alternativa ao texto do Governo, o PCP apresentou um projecto de Lei-Quadro dos Institutos Públicos no qual define os aspectos fundamentais que, do seu ponto de vista, devem presidir à criação de institutos públicos e à organização da administração indirecta do Estado.
Defendendo a criação dos institutos apenas «por razões fundadas na especificidade técnica das funções a desenvolver», os comunistas entendem que o regime a aplicar-lhes deve ser um regime de direito público, quer quanto ao funcionamento quer quanto ao regime de pessoal.
O projecto de lei do PCP baixou à Comissão, sem votação, para permitir a sua discussão pública.