- Nº 1561 (2003/10/30)
Contra o terrorismo imperialista

Cuba socialista resiste!

Temas
Nas vésperas da apresentação de um projecto de resolução à Assembleia Geral das Nações Unidas, no próximo dia 4 de Novembro, que repudia o bloqueio americano a Cuba, importa focar alguns dos aspectos mais gravosos da política externa americana e destacar a dignidade com que os cubanos enfrentam quotidianamente as provocações e ameaças yankees.

Num contexto de correlação de forças unipolarizado, os EUA elaboraram uma lista ilegítima de países «envolvidos» numa «rede de terrorismo mundial», na qual Cuba e o seu povo foram colocados para pagar os serviços prestados pela comunidade emigrante de Miami nas fraudulentas eleições de 2000, que facultaram a Bush o acesso à cadeira presidencial.
Passando por cima dos acordos bilaterais sobre fluxos migratórios, firmados em 1994, o Departamento de Estado norte-americano aplicou a «Lei de Ajuste Cubano» que, na prática, visa estimular a imigração ilegal, garantindo direitos especiais aos clandestinos proveniente de Cuba, em contraste com a desumanidade que enfrentam milhões de cidadãos de outras nacionalidades que esbarram no arame farpado do «sonho americano».
A intenção resume-se à criação de um pretexto para invadir a ilha, eventualmente justificada pela imigração maciça. Os sequestros de navios de passageiros e aeronaves ocorridos em Abril passado foram peças de um puzzle orquestrado entre Washington e a Secção de Interesses americanos em Havana.
No cerne desta campanha de destabilização e intoxicação anti-cubana, a informação desempenha um papel central, com mais de 2200 horas semanais de emissão ilegal.
A administração Bush concedeu, pela mão do Secretário de Estado, Colin Powell, avultados meios financeiros a transmissões de rádio e televisão contra Cuba, numa clara violação do espaço de radiocomunicação e em contradição com as normas estabelecidas pela União Internacional de Telecomunicações.
Exemplo disso foi, no passado dia 20 de Maio, a ocupação dos sinais de televisão cubanos que, com o auxilio de uma aeronave militar do exército dos EUA, transmitiram propaganda made in Miami entre as seis e as dez da noite.

Crime social e económico

Fruto do embargo imposto pelos EUA após a revolução socialista, em 1 de Janeiro de 1959, cerca de dois terços dos cubanos viveram toda a sua vida sob o bloqueio, e a economia perdeu cerca de 72 mil milhões de dólares.
Conforme se afirma num documento do Departamento de Estado americano sobre Cuba, respeitante ao período de 1958 – 1960, a intenção foi sempre «derrubar o governo» revolucionário através da «fome e do desespero», mesmo que ao arrepio do disposto na alínea c) do Artigo II da Convenção de Genebra, de 1948, que qualifica o bloqueio económico como um acto de genocídio.
Só o ano passado, Cuba gastou 22,5 milhões de dólares na compra de alimentos através de terceiros países, soma que seria poupada se fosse possível adquirir os produtos livremente no mercado norte-americano.
A situação agravou-se com a impossibilidade de Cuba manter relações comerciais com o campo socialista e, sobretudo, com a aprovação em 1992 da Lei Torricelli.
Esta lei institucionalizou a extraterritorialidade do bloqueio, vetando às empresas subsidiárias estrangeiras ou associadas a norte-americanas o comércio com Cuba. Em consequência disso, os 718 milhões de dólares comercializados em 1991, na sua maioria (91%) compras de medicamentos e alimentos, reduziram-se drasticamente em prejuízo da satisfação de necessidades básicas da população.
Desde então, qualquer navio que tenha atracado num porto cubano ou tenha transportado mercadorias de ou para Cuba é obrigado a cumprir um período de carência de 180 dias antes de entrar em jurisdição americana.
Tal ilegalidade foi agravada com a Lei Helms-Burton, de 1996, que, entre outras disposições persegue entidades que tenham investido em Cuba, com a faculdade de tornar os seus representantes «excluíveis» dos EUA.
A votação de um projecto de resolução na Assembleia Geral das Nações Unidas, deverá ser mais um acto de condenação da dita «comunidade internacional» ao criminoso bloqueio americano. A julgar por actos semelhantes ocorridos desde 1992, o repúdio será esmagador, juntando-se ao clamor de milhões de vozes que, por todo o mundo expressam a solidariedade com o povo cubano e a liberdade de decidir o seu próprio futuro político e social.

Apesar da rudeza do bloqueio
O sistema abre brechas

Muito embora a administração republicana liderada por George W. Bush faça questão de endurecer o bloqueio económico a Cuba com o aval mais que declarado da maioria da oposição democrata, os interesses movem-se nos órgãos de soberania norte-americanos em sentido contraditório, revelando que o sistema também abre as suas brechas quando estão em causa oportunidades de negócio vantajosas.
A passada quinta-feira fica marcada pela aprovação no Senado dos Estados Unidos da América (EUA), com 59 votos favoráveis e 36 contra, de um projecto de lei que visa negar à Casa Branca o uso de fundos do Departamento do Tesouro norte-americano destinados a fazer aplicar a proibição de viajar para Cuba.
A medida, que pode ainda ser vetada pelo presidente dos EUA, surge no seguimento de um texto homólogo aprovado em Setembro passado na Câmara dos Representantes, concluindo pela normalização das relações bilaterais nesta área e possibilitando que os cidadãos norte-americanos que desejem visitar Cuba não estejam sujeitos, no regresso aos EUA, a que lhes seja aplicada pena de prisão ou, na melhor das hipóteses, uma multa de milhares de dólares por terem efectuado uma simples viajem turística.
Nos últimos dois anos, projectos semelhantes têm sido retirados de votação mediante manobras do Congresso ou da própria Casa Branca. Mas perante as estimativas que apontam para um milhão de potenciais turistas em Cuba, só no primeiro ano, caso seja levantada a restrição de circulação, o número de 160 mil visitas legalizadas pelas autoridades americanas em 2002 demonstra não só a inexequibilidade da lei a longo prazo, como revela que muitas dezenas de milhar de cidadãos dos EUA a têm violando consecutivamente, mediante escala em terceiros países sem permissão requerida a Washington.
Nesse sentido, cerca de meia centena de operadores turísticos norte-americanos estiveram em Havana para encontros com dirigentes cubanos, em clara afronta à mais reaccionária postura do governo Bush, reiterada no discurso do passado dia 10 de Outubro – data que assinala o início da guerra de independência em Cuba contra o colonialismo espanhol – com o anúncio de um reforço das restrições nas viagens à ilha.
A delegação, composta por alguns dos mais representativos empresários do sector, demonstra não estar alheia ao facto dos dados apontarem para um crescente interesse por parte dos clientes americanos em gozar das belezas naturais das praias de Varadero, ou do calor humano das ruas de Havana, Santiago ou Santa Clara, outrora destinos de eleição no mercado americano.

A Feira da discórdia

Um dos acontecimentos que promete continuar a marcar de forma incontornável a corrente de solidariedade com Cuba e com o seu povo é a realização da 21.ª Feira Internacional de Havana (FIHAV), com início marcado para o próximo dia 3 de Novembro, no parque de exposições de Havana.
Cerca de meia centena de países já confirmaram a sua presença, apesar das pressões exercidas pelos EUA e pela União Europeia, que apelaram ao boicote do evento.
Para além da presença de delegações oficiais provenientes de diversos países da América Latina - entre os quais a Venezuela, Brasil, Argentina e México - também a Espanha, Alemanha, França, Canadá, Bélgica, Japão e Coreia do Sul, tradicionais «aliados» dos EUA, furaram o cerco e estarão presentes na FIHAV 2003, aos quais se juntam um grupo de empresários italianos que se declararam contrários às medidas contra o país.
Abraham Maciques, presidente da comissão organizadora, sublinha que o evento não se resume a iniciativas de natureza comercial, embora comece a ser cada vez mais claro para o exterior que o governo cubano responde seriamente nas operações assumidas e que «apesar do bloqueio, reconhecem que a economia avança com perspectivas favoráveis».
Em termos de política externa a FIHAV pode ser encarada com maior ou menor importância, mas não se deve esquecer que será aberta um dia antes da apresentação à Assembleia Geral das Nações Unidas, dia 4 de Novembro, de um projecto de resolução contra o bloqueio norte-americano e que, pelo prestígio que granjeia, demonstra não só os traços da discórdia, como solidifica a justeza da iniciativa cubana.

Biografia de Fidel Castro
Um retrato do «Comandante»

O nome de Fidel Castro está indiscutivelmente associado à revolução cubana e à ousadia de um povo que, desde sempre em clara afronta aos interesses do imperialismo norte-americano, prossegue consciente na construção de um modelo de sociedade alternativa ao capitalismo, baseada em relações entre homens livres e donos do seu próprio destino individual e colectivo.
Traçar um esboço do percurso de vida daquele revolucionário é, por tudo isto, passar em revista os mais marcantes acontecimentos da revolução socialista em Cuba, percorrendo os seus êxitos, as suas dificuldades e a luta incessante de mais de quatro décadas contra o criminoso bloqueio imposto pelos Estados Unidos da América.
Na linha da frente de um actor colectivo que, desde o primeiro dia de Janeiro de 1959, a cada investida Yankee se agiganta em defesa da soberania da pátria e da revolução, está Fidel Castro.
Consciente de que este rejeitaria liminarmente qualquer tentação de culto da personalidade, Claudia Furiati, jornalista, escritora e professora de História e de Fundamentos Científicos, dedicou quase nove anos da sua vida a escrever os dois volumes de «Fidel Castro – Uma Biografia», sublinhando no prólogo que esta seria uma «biografia consentida» pois «para Fidel, fazer a biografia de um político era discutível como conceito» e, apesar de ter autorizado a consulta do seu ficheiro pessoal «só a leria depois de publicada» porque «não queria ter qualquer influência na sua elaboração».
Na sessão de lançamento do livro agora publicado pela Editorial Avante!, que decorreu na passada quinta-feira, na Casa do Alentejo, em Lisboa, o Embaixador da República de Cuba, Reinaldo Calviac Lafferté, sublinhou precisamente o facto de que «para os cubanos Fidel não é um deus, nem uma figura distante tratada com as regras protocolares da sua hierarquia».
Para os cubanos, continuou, o «Comandante», como carinhosamente ficou conhecido, é «simplesmente um ser humano, o chefe querido, respeitado e admirado, com as suas virtudes e os seus defeitos, exemplo de coragem pessoal e política pela dedicação de servir o seu povo, pela sua inquebrantável fidelidade aos princípios, pelo sentido da dignidade, da solidariedade, da independência e da justiça social que tem inculcado a nação cubana frente à hostilidade do “Império”, por dizer sempre a verdade ao povo e ser o primeiro a reconhecer os erros cometidos no difícil percurso da revolução».
Acompanhado na mesa da iniciativa por Francisco Melo e pelo General Vasco Gonçalves, perante mais de uma centena de pessoas que encheram a sala, o responsável diplomático cubano em Portugal concluiu a sua intervenção destacando que «num mundo em que abundam os governantes e políticos medíocres, cobardes, oportunistas, mentirosos, ignorantes, incultos e corruptos, para os cubanos constitui um orgulho contar com um dirigente como Fidel, com a mesma rebeldia e entusiasmo de sempre».
Na mesma tónica se dirigiu o General Vasco Gonçalves que, depois de realçar o «rigor histórico e científico da autora na realização do texto» e a importância da experiência cubana no actual contexto de agressividade imperialista globalizada, finalizou com uma palavra de estímulo e solidariedade ao afirmar que «este é um livro que repõe a verdade e mostra que a revolução de Cuba não é obra do acaso, mas sim fruto da luta heróica pela conquista do prometido ao povo desde os tempos dos combates na Sierra Maestra», a qual urge defender em todos os cantos do mundo.

Hugo Janeiro