UMA REUNIÃO DISCRETA

«Talvez o BCE não es­ti­vesse in­te­res­sado em ma­ni­fes­ta­ções e coisas assim»

Não é todos os dias, nem todos os anos, nem, sequer, todas as décadas (na verdade foi esta a primeira vez) que o Presidente do Banco Central Europeu e os governadores do Conselho Geral daquela instituição, escolhem Portugal como local de reunião. Por isso, é estranho e difícil de entender à primeira vista, o silêncio a que a generalidade da comunicação social portuguesa votou o anúncio da dita reunião: nada de notícias de primeira página, quanto muito uma referência discreta, muito discreta, meio escondida nas páginas interiores, e nalguns casos nem tanto. No dia seguinte, ou seja, depois de realizada a reunião, as televisões, jornais e rádios falaram dela com algum destaque (apesar de tudo comedido).
O silenciamento prévio do evento assume maior estranheza se se tiver em conta que, tanto quanto foi possível saber-se, a realização da dita reunião em Lisboa constituía uma «tentativa de aproximar a instituição dos cidadãos». Ora, é óbvio que tal objectivo só seria alcançável se os «cidadãos» (todos, se possível, mas quantos mais melhor) soubessem que a instituição pretendia aproximar-se deles e, sabendo-o e estando disponíveis para corresponder ao convite, se deslocassem ao Centro Cultural de Belém para concretizarem a desejada «aproximação». Mas talvez a «instituição» não estivesse interessada em grandes aproximações, em manifestações e coisas assim e, por isso mesmo, tenha intercedido junto dos cidadãos das suas relações (que, como é sabido, são os donos da comunicação social) para que a reunião não fosse por aí além badalada antes de se realizar (pelas razões acima referidas), e fosse badalada que baste depois da sua realização (por razões óbvias). Ou seja, que a realização não fosse futuro mas fosse tão somente passado, que não fosse tanto um vai realizar-se mas fosse mais um realizou-se, que dos seus protagonistas não se dissesse vão estar mas se escrevesse estiveram (por estas e por outras ficou o outro conhecido por esteves, como alguns hão-de estar lembrados...).
E assim foi feito.

Possivelmente furando o esquema engendrado, uma delegação do PCP – partido informado, que tem opinião e cuja opinião tem como preocupação maior a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País – deslocou-se ao Centro Cultural de Belém, com o objectivo de, precisamente, fazer chegar ao Presidente e ao Conselho Geral do BCE, a opinião dos comunistas portugueses sobre matérias diversas. Representando um número considerável de cidadãos... a delegação do PCP pretendia, entre outras coisas, expressar directamente ao BCE o seu protesto pela política monetária e financeira desenvolvida e pelas graves consequências dessa política para Portugal e para a generalidade das economias mais frágeis da zona do euro – «uma política monetária rígida e cega tendo como único objectivo a estabilidade dos preços, centrada na moderação salarial e com reflexos negativos sobre o crescimento económico». Era, igualmente, intenção da delegação sublinhar que, por efeito da obsessão doentia em cumprir o Pacto de Estabilidade (cuja suspensão imediata constitui um imperativo nacional) Portugal está a ser encaminhado para um desastre económico e social cujas consequências mais gravosas recaem, como sempre acontece nestas circunstâncias, sobre todos os que trabalham (ou trabalharam) e vivem do seu trabalho: os trabalhadores, os reformados de baixas e médias pensões, para além, ainda, dos agricultores, pescadores e pequenos empresários. Sublinhar-se-ia também que a política económica adoptada não só não contribui para que Portugal se aproxime dos países mais avançados da UE, como pelo contrário o afasta cada vez mais desses países: crescimento maior da taxa de desemprego, maior índice de pobreza e de desigualdades sociais, baixos salários, elevada precarização da mão de obra, atrasos no pagamento de prestações sociais, redução das despesas na educação, na saúde, na segurança social, áreas onde se procede a selvagens contra-reformas.

Outro tema na agenda da delegação do PCP, tinha a ver com a oposição dos comunistas portugueses à alteração dos mecanismos de votação do Conselho Geral do BCE – alteração que visa reduzir praticamente a zero o peso da votação dos países mais pequenos e colocar todos os poderes nas mãos das grandes potências e cuja ratificação se encontra pendente no Parlamento Português. Sabendo-se que a situação actual se caracteriza, já, por um défice de controlo político sobre o BCE, a alteração agora proposta agravará ainda mais as coisas e contribuirá para uma acentuação e aprofundamento do défice democrático global de que enferma a construção desta União Europeia.
Estas eram, então, em resumo, algumas das questões que a delegação do PCP – correspondendo à «tentativa de aproximar a instituição dos cidadãos» - desejava colocar ao Presidente do Banco Central Europeu e, para isso, se deslocou ao CCB na passada quinta-feira. Só que, do lado do BCE, o tal desejo de aproximação não era tão desejado como isso... Bem vistas as coisas, talvez não passasse de uma daquelas afirmações que os donos do mundo ou os seus empregados utilizam apenas para fingir preocupações democráticas inexistentes. O Presidente e os governadores – talvez ocupados com aproximações mais adequadas aos interesses da classe que defendem nestas reuniões – fizeram-se representar por um sorridentíssimo director de comunicação que recebeu, escritas, as opiniões do PCP sobre as matérias em questão e assim, supõe-se, cumpriu a anunciada aproximação aos cidadãos.