Alterar a lei, impedir a especulação
Segundo diversas notícias recentes, o Governo já terá aprontado projectos para alterar a legislação relativa ao arrendamento e à reabilitação urbanos. E, como não podia deixar de ser, a questão das rendas e dos contratos são de novo o cavalo de batalha, apontados como a causa principal do problema da quase inexistência do mercado de arrendamento e do deplorável estado de conservação dos prédios.
Mas não é assim. Essas afirmações são mera propaganda.
Hoje, a situação em nada difere da de há trinta, quarenta ou cinquenta anos, porque se continua a pedir rendas exorbitantes e se continua a não cuidar do património.
Quanto a eventuais alterações à lei, a Associação de Inquilinos Lisbonenses (AIL) adianta desde já, mesmo sem informação oficial, que não concorda com uma política de liberalização total e repentina das rendas, mesmo que suportada por subsídios, naturalmente aleatórios, limitados, temporais e onerosos para o orçamento do Estado.
Para a AIL qualquer alteração legislativa deve ter em conta diversos aspectos.
Em matéria de obras de conservação e manutenção , a legislação em vigor permite fazer reflectir o seu valor nas rendas, inclusive e abusivamente as que são obrigatórias.
Neste capítulo, a AIL defende os seguintes princípios: primeiro, que a lei deve consagrar clara e inequivocamente a obrigatoriedade de os proprietários realizarem periodicamente (de 8 em 8 anos) obras de conservação ordinária nos prédios e fogos arrendados sem que tal se reflicta nas rendas, uma vez que se trata de manter o património em condições adequadas de uso para o fim a que se destina; segundo, que a ausência destas obras deve ser penalizada, em sede fiscal e na proibição de actualização das rendas; terceiro, que a realização de obras de beneficiação dos prédios, total ou parcialmente arrendados, só deve ser possível com a intervenção dos inquilinos, de modo a evitar-se obras que se possam considerar supérfluas ou a eventual sobre-valorização das mesmas.
Reabilitação urbana,
fogos devolutos e fiscalização
A existência de inúmeros edifícios degradados, cujos fogos em grande parte se encontram devolutos, justifica a tomada de medidas fortes com vista a alterar-se esta situação.
Há que estabelecer programas de apoio à recuperação e reabilitação urbanas, com mecanismos simples e acessíveis, acrescidos de medidas fortemente penalizadoras para quem não reabilite o seu património edificado.
Por essas razões, a posição da AIL é clara e pode resumir-se do seguinte modo: os proprietários que tenham e mantenham prédios e fogos devolutos ou em estado de conservação deplorável, devem ser fortemente penalizados em sede fiscal e de forma progressiva; os fogos reabilitados com apoio de fundos públicos devem ficar no mercado de arrendamento por um período mínimo de doze anos; o cálculo das rendas após as obras deve ser efectuado com regras claras que impeçam a especulação; e, finalmente, que na sequência da reabilitação se criem bolsas de fogos para arrendamento exclusivamente a jovens.
Quanto à fase da fiscalização, o mais importante é que aos inquilinos seja garantida a possibilidade de participação efectiva na discussão e fiscalização das obras a efectuar, uma vez que estes vão também ser beneficiários directos das mesmas e, no final, são quem as vai pagar.
Acresce ainda que a fiscalização efectuada por um parceiro é naturalmente redutora, pelo que se justifica a intervenção de terceiros.
As rendas
A AIL considera importante reafirmar que a questão das rendas não é a questão central do problema do arrendamento.
O problema assenta, fundamentalmente, em duas vertentes.
A primeira, já referida, é a questão do mau estado geral das habitações arrendadas e no comportamento dos proprietários, que no contexto actual de rendas livres continuam ou a não arrendar os fogos ou a não cuidar da sua conservação, mesmo quando recebem rendas exorbitantes. É uma questão cultural.
A segunda vertente tem a ver, por um lado, com o alto preço dos terrenos e da construção, o que desmotiva qualquer investidor em aplicar os seus meios em habitação para arrendar, e, por outro lado, porque se viveu e se vive uma situação de construção intensiva destinada à venda, com a consequente proliferação de agentes imobiliários, de enormes lucros do sistema bancário e do gasto de milhões por parte do Estado em apoio financeiro à aquisição de habitação por particulares, com o consequente alto nível de endividamento das famílias.
Resulta de tudo isto que Portugal é um dos países da União Europeia com um altíssimo índice de propriedade de habitação própria em contraste com um dos mais baixos índices de poder de compra.
Resultou ainda que extractos mais favorecidos da sociedade tivessem beneficiado ilegitimamente das condições financeiras existentes para adquirirem segundas e até terceiras habitações.
Outro argumento, a nosso ver falacioso, é o facto de haver inquilinos que não pagam rendas e os processos de despejo serem morosos.
Este é um problema não exclusivo da habitação. Faltosos existem também nas outras actividades económicas sem que isso seja impedimento da realização de negócios. E também porque a alegada morosidade da justiça não é exclusiva dos processos de despejo.
Pelo que qualquer revisão das rendas deve ter em atenção não só o que atrás se refere como ainda alguns aspectos relevantes que não devem ser ignorados ou menosprezados pelo legislador.
Um tem a ver com as obras que muitos inquilinos fizeram, substituindo-se aos senhorios. Nestes casos, importa saber como serão ressarcidos desses gastos. Outro tem a ver com um conjunto significativo de inquilinos com baixo e muito baixo poder de compra.
As soluções que a AIL aponta passam pelas seguintes medidas: que qualquer aumento de rendas tenha em conta as obras realizadas pelos inquilinos e o seu ressarcimento; que qualquer aumento de rendas só possa ser aplicado após a realização das obras de conservação no fogo se as mesmas não foram anteriormente feitas nos prazos legalmente estabelecidos, competindo às Câmaras Municipais efectuar a respectiva fiscalização e confirmação; e que os eventuais subsídios de renda sejam concedidos aos proprietários que provem ter um rendimento de rendas insuficiente, e que tenham um processo administrativo rápido, sejam pagos de imediato, sendo eventualmente corrigidos posteriormente.
Os contratos de arrendamento
A duração e continuidade dos contratos de arrendamento deve ser considerada como uma medida que perspective, tanto ao proprietário quanto ao inquilino, uma estabilidade contratual: ao proprietário porque lhe garante a utilização permanente para o fim a que se destina e o rendimento contínuo da sua propriedade; ao inquilino porque lhe garante uma fixação prolongada, com a vantagem social de inserção no meio, sem necessidade de constante procura de nova habitação com os inconvenientes, os custos e os trabalhos que mudanças frequentes acarretam, como sejam os de transporte dos pertences, os referentes à actualização de residência nos documentos oficiais (BI, C. Condução, C. Contribuinte, S. Social, Saúde, Eleitor, etc.), à mudança de escolas, entre outros, além do tempo para tudo isto retirado ao trabalho e ao descanso.
Não colhem, por isso, as teses de liberalização selvagem do arrendamento que alguns defendem, onde seria permitido ao proprietário a denúncia do contrato em qualquer momento.
Aliás, e olhando para a generalidade dos países europeus, verificamos que a respectiva legislação salvaguarda a estabilidade dos contratos de arrendamento, mesmo no caso de duração limitada, em que são enunciados taxativamente os casos de denúncia dos contratos.
Neste enquadramento, a AIL defende que qualquer alteração legislativa considere um período mínimo de durabilidade do contrato de arrendamento e a sua continuidade, que se enumerem taxativamente as situações e as regras em que o proprietário possa denunciar o contrato, devendo ser restritivas, que se determine a manifestação dos contratos de arrendamento nas Finanças de modo a haver um maior rigor no controlo dos contratos de arrendamento em sede fiscal, e que se estabeleçam regras de cálculo para as rendas a praticar, impedindo a especulação.
(*) Presidente da Associação de Inquilinos Lisbonenses
Hoje, a situação em nada difere da de há trinta, quarenta ou cinquenta anos, porque se continua a pedir rendas exorbitantes e se continua a não cuidar do património.
Quanto a eventuais alterações à lei, a Associação de Inquilinos Lisbonenses (AIL) adianta desde já, mesmo sem informação oficial, que não concorda com uma política de liberalização total e repentina das rendas, mesmo que suportada por subsídios, naturalmente aleatórios, limitados, temporais e onerosos para o orçamento do Estado.
Para a AIL qualquer alteração legislativa deve ter em conta diversos aspectos.
Em matéria de obras de conservação e manutenção , a legislação em vigor permite fazer reflectir o seu valor nas rendas, inclusive e abusivamente as que são obrigatórias.
Neste capítulo, a AIL defende os seguintes princípios: primeiro, que a lei deve consagrar clara e inequivocamente a obrigatoriedade de os proprietários realizarem periodicamente (de 8 em 8 anos) obras de conservação ordinária nos prédios e fogos arrendados sem que tal se reflicta nas rendas, uma vez que se trata de manter o património em condições adequadas de uso para o fim a que se destina; segundo, que a ausência destas obras deve ser penalizada, em sede fiscal e na proibição de actualização das rendas; terceiro, que a realização de obras de beneficiação dos prédios, total ou parcialmente arrendados, só deve ser possível com a intervenção dos inquilinos, de modo a evitar-se obras que se possam considerar supérfluas ou a eventual sobre-valorização das mesmas.
Reabilitação urbana,
fogos devolutos e fiscalização
A existência de inúmeros edifícios degradados, cujos fogos em grande parte se encontram devolutos, justifica a tomada de medidas fortes com vista a alterar-se esta situação.
Há que estabelecer programas de apoio à recuperação e reabilitação urbanas, com mecanismos simples e acessíveis, acrescidos de medidas fortemente penalizadoras para quem não reabilite o seu património edificado.
Por essas razões, a posição da AIL é clara e pode resumir-se do seguinte modo: os proprietários que tenham e mantenham prédios e fogos devolutos ou em estado de conservação deplorável, devem ser fortemente penalizados em sede fiscal e de forma progressiva; os fogos reabilitados com apoio de fundos públicos devem ficar no mercado de arrendamento por um período mínimo de doze anos; o cálculo das rendas após as obras deve ser efectuado com regras claras que impeçam a especulação; e, finalmente, que na sequência da reabilitação se criem bolsas de fogos para arrendamento exclusivamente a jovens.
Quanto à fase da fiscalização, o mais importante é que aos inquilinos seja garantida a possibilidade de participação efectiva na discussão e fiscalização das obras a efectuar, uma vez que estes vão também ser beneficiários directos das mesmas e, no final, são quem as vai pagar.
Acresce ainda que a fiscalização efectuada por um parceiro é naturalmente redutora, pelo que se justifica a intervenção de terceiros.
As rendas
A AIL considera importante reafirmar que a questão das rendas não é a questão central do problema do arrendamento.
O problema assenta, fundamentalmente, em duas vertentes.
A primeira, já referida, é a questão do mau estado geral das habitações arrendadas e no comportamento dos proprietários, que no contexto actual de rendas livres continuam ou a não arrendar os fogos ou a não cuidar da sua conservação, mesmo quando recebem rendas exorbitantes. É uma questão cultural.
A segunda vertente tem a ver, por um lado, com o alto preço dos terrenos e da construção, o que desmotiva qualquer investidor em aplicar os seus meios em habitação para arrendar, e, por outro lado, porque se viveu e se vive uma situação de construção intensiva destinada à venda, com a consequente proliferação de agentes imobiliários, de enormes lucros do sistema bancário e do gasto de milhões por parte do Estado em apoio financeiro à aquisição de habitação por particulares, com o consequente alto nível de endividamento das famílias.
Resulta de tudo isto que Portugal é um dos países da União Europeia com um altíssimo índice de propriedade de habitação própria em contraste com um dos mais baixos índices de poder de compra.
Resultou ainda que extractos mais favorecidos da sociedade tivessem beneficiado ilegitimamente das condições financeiras existentes para adquirirem segundas e até terceiras habitações.
Outro argumento, a nosso ver falacioso, é o facto de haver inquilinos que não pagam rendas e os processos de despejo serem morosos.
Este é um problema não exclusivo da habitação. Faltosos existem também nas outras actividades económicas sem que isso seja impedimento da realização de negócios. E também porque a alegada morosidade da justiça não é exclusiva dos processos de despejo.
Pelo que qualquer revisão das rendas deve ter em atenção não só o que atrás se refere como ainda alguns aspectos relevantes que não devem ser ignorados ou menosprezados pelo legislador.
Um tem a ver com as obras que muitos inquilinos fizeram, substituindo-se aos senhorios. Nestes casos, importa saber como serão ressarcidos desses gastos. Outro tem a ver com um conjunto significativo de inquilinos com baixo e muito baixo poder de compra.
As soluções que a AIL aponta passam pelas seguintes medidas: que qualquer aumento de rendas tenha em conta as obras realizadas pelos inquilinos e o seu ressarcimento; que qualquer aumento de rendas só possa ser aplicado após a realização das obras de conservação no fogo se as mesmas não foram anteriormente feitas nos prazos legalmente estabelecidos, competindo às Câmaras Municipais efectuar a respectiva fiscalização e confirmação; e que os eventuais subsídios de renda sejam concedidos aos proprietários que provem ter um rendimento de rendas insuficiente, e que tenham um processo administrativo rápido, sejam pagos de imediato, sendo eventualmente corrigidos posteriormente.
Os contratos de arrendamento
A duração e continuidade dos contratos de arrendamento deve ser considerada como uma medida que perspective, tanto ao proprietário quanto ao inquilino, uma estabilidade contratual: ao proprietário porque lhe garante a utilização permanente para o fim a que se destina e o rendimento contínuo da sua propriedade; ao inquilino porque lhe garante uma fixação prolongada, com a vantagem social de inserção no meio, sem necessidade de constante procura de nova habitação com os inconvenientes, os custos e os trabalhos que mudanças frequentes acarretam, como sejam os de transporte dos pertences, os referentes à actualização de residência nos documentos oficiais (BI, C. Condução, C. Contribuinte, S. Social, Saúde, Eleitor, etc.), à mudança de escolas, entre outros, além do tempo para tudo isto retirado ao trabalho e ao descanso.
Não colhem, por isso, as teses de liberalização selvagem do arrendamento que alguns defendem, onde seria permitido ao proprietário a denúncia do contrato em qualquer momento.
Aliás, e olhando para a generalidade dos países europeus, verificamos que a respectiva legislação salvaguarda a estabilidade dos contratos de arrendamento, mesmo no caso de duração limitada, em que são enunciados taxativamente os casos de denúncia dos contratos.
Neste enquadramento, a AIL defende que qualquer alteração legislativa considere um período mínimo de durabilidade do contrato de arrendamento e a sua continuidade, que se enumerem taxativamente as situações e as regras em que o proprietário possa denunciar o contrato, devendo ser restritivas, que se determine a manifestação dos contratos de arrendamento nas Finanças de modo a haver um maior rigor no controlo dos contratos de arrendamento em sede fiscal, e que se estabeleçam regras de cálculo para as rendas a praticar, impedindo a especulação.
(*) Presidente da Associação de Inquilinos Lisbonenses