- Nº 1545 (2003/07/10)

Ainda as armas de destruição maciça

Argumentos

Ainda não há muito escrevi um texto sobre este tema. Proximamente estimulado pelo ataque ao Iraque levado a cabo na agora passada Primavera deste ano de 2003, ataque apoiado pelo Governo deste nosso Portugal - quase anteontem e como parece que foi há tanto tempo! Estimulado ainda proximamente pela peça de teatro «Copenhaga». Estimulado um pouco menos proximamente pela leitura do livro «Aprendizes de Feiticeiro». Mas agora, tão pouco tempo passado, tenho de voltar ao tema. É que houve quem lesse esse texto e, com diplomacia, me dissesse que tem gostado de ler textos meus mas que, neste caso, nem por isso…
Eu, para ver se entendia o que ele me havia dito, pus-me a fazer perguntas ao meu interlocutor e a matutar, a matutar e a fazer mais perguntas ao meu interlocutor… E parece-me ter entendido que a principal razão de uma aparecida falta de garra residiria na minha alguma complacência para com a própria invenção, existência e, pior ainda, utilização de armas de destruição maciça! Uma complacência que ia no sentido da compreensão das causas «boas», das causas que tinham como objectivo o procurar evitar situações mais graves por parte de situações não democráticas, etc. Seria o caso do mal menor do projecto Manhattan…
Abro parêntesis: esta questão da complacência ou tolerância a fazer lembrar-me um texto de Inês Pedrosa relativo ao juiz do processo da pedofilia da Casa Pia; no artigo, Inês Pedrosa insurgia-se, com toda a razão, contra a campanha que visava descredibilizar o juiz do processo, a meu ver, junto eu, uma campanha de grande baixeza; mas mais, o mote da campanha de descredibilização sendo a juventude do juiz, dizia Inês Pedrosa, que, pelo contrário, assim sentia-se mais confiante, pois os jovens sendo mais «intolerantes», tendo menos ligações, conhecendo menos as bondades dos fazedores de coisas más, podem ser mais rectos.

Interrogações

Fechado o parêntesis - e pensando que entendi correctamente o texto de Inês Pedrosa -, direi que o meu interlocutor, um jovem com um quarto de século de idade, é capaz de ter a parte mais importante da razão pelo seu lado. Talvez aconteça que eu, pesado de mais do dobro da idade do meu interlocutor, bem marcado pelo tema da luta antinazi e antifascista, marcado também por décadas de guerra fria e além do mais não esquecendo a posição ética de vários dos cientistas que participaram no projecto da bomba atómica americana e o respeito que a eles é devido, não esteja [eu] preparado para criticá-los por terem participado em tal projecto.
Mais a mais - eu já meio embarcado nas considerações do meu interlocutor -, talvez ainda a resistir automaticamente: então, o Edward Teller, a querer ir para a bomba de fusão termonuclear e Oppenheimer, a resistir-lhe, ainda acabou por ser denunciado por aquele como comunista; estava-se na época da caça macartista, lembram-se? E logo [eu] a exclamar: Mas afinal não foi, felizmente, lançada nenhuma dessas bombas sobre a Alemanha, nem este país esteve à beira de as produzir - o Heisenberg não conseguiu ou fez mesmo greve de zelo, tal como é alvitrado em «Copenhaga». A desgraça foi para o Japão, que não dispunha de tal tecnologia!
A posteriori: então porque é que aquele conjunto de cientistas, grande parte deles de grande estatura ética e cidadã - estou [e ainda quero estar] disso convencido -, não procurou evitar que a danada da bomba fosse desenvolvida e produzida? Porque não resistiu a tal desígnio? Dirão: não eram aqueles, outros teriam sido mais tarde. Respondo: enquanto o pau vai e vem folgam as costas; e quando a nova oportunidade viesse - talvez sob a forma de aplicação para fins pacíficos - já o Japão tinha sido derrotado através de meios convencionais. E bastaria ter evitado as catástrofes de Hiroshima e Nagasaki para ter valido a pena!
Heisenberg, que esteve do mau lado, também na sua posição de bombardeado maciço dos aliados, não só ele, mas a sua família, os seus amigos, os seus compatriotas, chama a atenção, em «Copenhaga», para as aflições e sofrimentos atrozes a que estiveram submetidos. E este facto em nada invalida o horror de tudo o que o nazismo fez e foi, nem a necessidade de acabar com ele. Mas, não só no caso de Hiroshima e Nagasaki, também sobre solo alemão os bombardeamentos vindos do céu porventura poderiam ter sido minimizados. Os alemães não esquecem casos em que pressentem ter sido alvo de violência gratuita.
Afinal parece-me que estarei a ir ao encontro das razões do meu interlocutor! E, para tal, a ser politicamente incorrecto?

Francisco Silva