- Nº 1542 (2003/06/18)

Egoísmos nacionais

Opinião
Vezes sem conta surge nas abordagens sobre a União Europeia, no discurso mais estritamente político-partidário ou no artigo/comentário mediático, a invocação dos «egoísmos nacionais» como explicação plausível para impasses ou agravamento (quase sempre dramatizado) de divergências entre os Estados membros nos processos de reformas de tratados ou políticas comunitárias.

Isto é, queixam-se e criticam os governos e os dirigentes políticos de alguns Estados membros, em geral os mais poderosos, que em vez de orientarem as suas políticas comunitárias em função de um mítico interesse europeu, optam e decidem, muito prosaica e pragmaticamente, conforme os interesses do Estado nacional a que pertencem, os tais interesses egoístas nacionais! De facto, os «egoísmos nacionais» são o eufemismo dos interesses das grandes potências europeias, que desde sempre conduziram e conduzem a integração comunitária europeia.
A história mais antiga ou mais recente da União Europeia é um repertório infindo de factos de uma construção dirigida pelos interesses nacionais das grandes potências. Mas vale a pena, no actual momento de uma revisão intercalar da PAC e de Convenção Europeia, referir dois desses «egoísmos».
Como sempre acontece em cada alteração da PAC, nada avança, nada se concretiza, sem que os «egoísmos nacionais» da França, em matéria agrícola, e da Alemanha, em matéria orçamental, se encontrem e se satisfaçam.
Qual foi o filme desta vez? Em Outubro passado, Paris e Berlim acordaram, antes da Cimeira de Bruxelas, que a revisão da PAC não deveria custar nem mais um tostão, mesmo com uma União Europeia com dez novos países! Agora, em vésperas das decisões sobre as inaceitáveis propostas do comissário Fischler, informa-nos o Le Monde que no «déjeuner» no passado dia 10 em Berlim, MM. Chirac e Schroeder confirmaram o seu acordo sobre a PAC. «Unanimidade de pontos de vista que repousa sobre um compromisso: a Alemanha tem em conta os interesses agrícolas da França; a França apoia a Alemanha na defesa dos seus interesses industriais»!!! Mais palavras para quê? Apenas referir que a Alemanha se prontificou a apoiar as posições francesas contra a desvinculação das ajudas da produção e a modulação das mesmas ajudas (podiam lá ser prejudicados os grandes agricultores franceses!). A França «reembolsará» (sic), apoiando a Alemanha no dossier sobre as OPA, assim como perante as exigências (ambientais) da Comissão face à indústria química alemã, julgada muito poluente». Assim mesmo, pataca a ti, pataca a mim, não há nada como os «egoísmos nacionais»!

Reforçar o poder dos grandes

Mais grave é a pretensão de «institucionalização» desses «egoísmos nacionais», com um novo figurino para os órgãos da União Europeia, vertido numa «Constituição» que se quer aprovar na já referida Cimeira de Salónica, como base de uma futura Conferência Intergovernamental. «Constituição» elaborada «laboriosamente» por uma pouco democrática Convenção Europeia e decidida pelos «consensos» decididos pelo sr. Valery Giscard d’Estaing, em nome dos interesses nacionais das grandes potências da União Europeia: França, Alemanha, Reino Unido e alguns (poucos) mais, para prejuízo dos interesses nacionais de todos os pequenos e médios países da União Europeia.
Em particular, e fundamentalmente, a Convenção propõe o fim da rotatividade das Presidências da União Europeia, com a eleição de um Presidente segundo regras que asseguram que a opinião de dois grande países (Alemanha e França, ou Alemanha e Reino Unido) será determinante – juntos com um outro terceiro grande (Espanha, Itália, etc.) poderão bloquear qualquer escolha que não seja do seu agrado! Isto é, 3 países podem derrotar a escolha de 22 (isto é que é democracia!).
Vão no mesmo sentido as alterações propostas para a Comissão Europeia, Parlamento Europeu e as limitações ao exercício do direito de veto, não esquecendo as alterações na composição da direcção executiva do Banco Central Europeu. O sentido de um inquestionável projecto de comando da União Europeia pelas grandes potências, o tal Directório dos grandes. Assim ficam salvaguardados os seus «interesses nacionais» contra possíveis perturbações e riscos com uma União Europeia de 25 países (maioritariamente pequenos e médios países), onde todos fossem iguais em direitos.
Bom seria que, aqueles que em Portugal passam a vida a invocar os «egoísmos nacionais» para justificar a sua abdicação de defesa dos interesses nacionais dos portugueses, em nome destes, dissessem, alto e claramente, não à «Constituição Europeia» e exigissem uma União de países iguais e soberanos. Que fossem capazes, em nome dos interesses das pescas portuguesas, de dizer não aos «interesses egoístas» da Espanha. Que, em nome da agricultura e dos agricultores portugueses, fossem capazes de dizer não aos «interesses egoístas» da grande agricultura do Norte da Europa. Que fossem capazes de defender o que resta da indústria naval, e desenvolver a indústria química que deixaram morrer, e assim impedissem uma divisão europeia do trabalho, com a monopolização, pelos «interesses egoístas» dos países do centro da Europa, das indústrias de alto valor acrescentado. Que fossem capazes de defender os têxteis portugueses, em vez de fazerem o frete aos «interesses egoístas» dos alemães e de outros fabricantes de máquinas para o sector.

Agostinho Lopes