Fazer frente a Bruxelas
Se a agricultura nacional e as nossas pescas estão hoje mal, em consequência das políticas ditadas por Bruxelas, há fundadas e acrescidas razões para temer o pior no futuro.
O alerta é do Grupo Parlamentar do PCP que suscitou o assunto, em declaração política, numa das sessões plenárias da passada semana. Reiteradas foram no essencial as preocupações expressas nesse mesmo dia pela Comissão Política em conferência de imprensa a propósito
de um projecto de relatório da Comissão Europeia no qual esta entidade vem pôr em causa as orientações da política agrícola nacional seguidas desde praticamente a nossa adesão à Comunidade.
Só que ao assumir esta posição, como assinalou o deputado comunista Lino de Carvalho, a Comissão parece «esquecer-se» das «próprias e altíssimas responsabilidades das sua Política Agrícola Comum (PAC) na situação actual da agricultura portuguesa».
O que significa que é à política comunitária, em grande medida, que tem de ser imputada a responsabilidade pela «consolidação em Portugal de um modelo de agricultura sem futuro e que serve sobretudo aos grandes proprietários e às grandes explorações agrícolas».
«Não venham, pois, agora, queixar-se ou reclamar contra as consequências da sua própria política que praticamente só o PCP criticou e denunciou», sublinhou Lino de Carvalho, que vê acrescidas razões para recear pelo futuro da nossa agricultura, sobretudo agora que se conhece melhor a proposta da Comissão Europeia de reforma da PAC.
Orientações erradas
Uma reforma que, do ponto de vista do PCP, esconde três objectivos: «permitir à União Europeia apresentar-se nas reuniões da Organização Mundial do Comércio (OMC) com uma posição mais favorável à liberalização total do comércio agro-alimentar; manter, numa União Europeia de 25 países, o mesmo orçamento para a PAC que tem hoje com 15, isto é, gastar o mesmo dinheiro com mais países; abrir caminho à renacionalização da PAC».
Ora, segundo os comunistas, tais objectivos são «incompatíveis com as necessidades da agricultura portuguesa», tanto mais que, como foi dito, nos últimos 17 anos, a PAC e as políticas agrícolas «optaram por desbaratar apoios em subsídios», os quais, sendo verdade que foram um suporte aos rendimentos dos agricultores (e sobretudo da grande clientela agrária dos sucessivos ministérios da agricultura), pouco contribuíram, no entanto, para a «melhoria da produtividade e da competitividade da agricultura».
... Saída de sendeiro
Bem se pode afirmar, pois, como a vida tem demonstrado, que esta tem sido uma política agrícola fortemente lesiva dos interesses nacionais, a exemplo, aliás, da política de pescas preconizada pela Comissão Europeia que, recentemente, imagine-se, propôs a liberalização do acesso das frotas de outros países aos recursos pesqueiros nacionais situados entre as 12 e as 200 milhas marítimas.
Por isso, para a formação comunista, perante tais propostas, a resposta só pode ser uma: dar-lhes um vigoroso combate, o que passa por uma «posição firme do Governo português nas negociações em Bruxelas, suportada por uma forte mobilização social em Portugal». Infelizmente, não é isso que está a acontecer, sendo de recear, a avaliar pelas primeiras reacções do Ministro Sevinate Pinto, que o Executivo esteja a preparar a aceitação da proposta da reforma da PAC depois de tanto a criticar. «Suspeito que vamos ter, não tarda muito, saídas de sendeiro para entradas de leão», ironizou, a propósito, o parlamentar do PCP.
AMARRAR O PAÍS AO ATRASO
Durante anos a fio a PAC foi alvo de severas e fundadas críticas do PCP. As orientações emanadas de Bruxelas colidem com os interesses da nossa agricultura, afirmaram persistentemente os comunistas, dinamizando uma luta em que praticamente foram os únicos a erguer a voz no plano político partidário. Para dizer, ontem como hoje, que a PAC na sua própria génese foi concebida para as grandes produções dos países fundadores, particularmente a cerealicultura e a pecuária de carne. O que, por outras palavras, significa que as produções mediterrânicas estiveram muito aquém de receber os apoios que tiveram as produções «continentais», para além de se terem mantido sempre os apoios com base na dimensão e no volume de produção.
Ora tal quadro levou a que Portugal seja o País que menos recebe da PAC , sendo mesmo o único país da coesão que apresenta transferências líquidas negativas para a PAC. Com efeito, recebemos apenas 1,6 por cento das ajudas directas e 1,4 por cento do total do FEOGA-Garantia, o que, por exemplo, está muito distante do que recebe a Grécia (6,8 por cento de cada uma daquelas ajudas) ou do que recebe a Irlanda (três por cento e 3,7 por cento, respectivamente).
Outro factor explicativo para o actual quadro difícil da nossa agricultura, de acordo com a análise da bancada comunista, prende-se com a inexistência de vontade de nenhum governo para introduzir, por sua iniciativa, critérios de reorientação e redistribuição das ajudas. O que fez com que, como observou Lino de Carvalho da tribuna do hemiciclo, face à nossa estrutura fundiária e modelo de produção, tenham sido ampliadas as «próprias distorções da PAC». A testemunhá-lo está, por exemplo, o facto de 59 por cento do total das ajudas directas irem para as culturas arvenses (que correspondem apenas a dez por cento do produto agrícola vegetal) e de um por cento dos agricultores receber 44 por cento do total das referidas ajudas directas.
Portugal é, por outro lado, um dos países menos produtivos da União Europeia, situação esta que torna ainda mais intolerável e irracional a imposição de quotas calculadas com base nas nossas muito baixas produtividades históricas.
«O problema do País não é produzir de mais. É produzir de menos», sublinhou o deputado do PCP, antes de acusar a Comissão Europeia de «amarrar o atraso da agricultura portuguesa ao seu próprio atraso» e de impedir, com esta política, o «País de modernizar e desenvolver a sua agricultura», penalizando ainda mais os rendimentos dos agricultores.
• Fragilidades
Portugal, no quadro da União Europeia, surge como um dos países menos produtivos e com maiores fragilidades face à liberalização do comércio agro-alimentar. Uma situação que tenderá a agravar-se ainda mais com o alargamento aos novos Estados-membros.
A testemunhar as nossas debilidades, entre outros indicadores, está o crónico deficit na balança comercial agrícola. O valor acrescentado bruto (VAB), esse, não vai além dos 2,3% do total da União Europeia. Quanto às quotas (excepção feita ao tomate, ao arroz e à banana) oscilam entre os 1% e os 3% do total da comunidade, enquanto as produtividades não ultrapassam um terço das produtividades médias dos quinze.
• Uma política absursa
É sabido que o problema de Portugal não é produzir de mais. O contrário, sim, é verdade, ou seja, produzir de menos. Daí o absurdo dos critérios adoptados pela Comissão Europeia para a atribuição de quotas, assentes, no caso português, nas nossas muito baixas produtividades históricas.
O resultado desta política, orientada para servir os interesses agrícolas dos Estados do centro e norte da Europa, esse, está à vista: sempre que há um qualquer pequeno acréscimo de produtividade e produção, como sucedeu no caso do leite, o País é confrontado com a aplicação de multas.
Outro exemplo revelador da irracionalidade que preside a algumas orientações comunitárias está na forma como está a ser restringido o aproveitamento das potencialidades de Portugal para a produção de regadio. Com o empreendimento de Alqueva, essa capacidade foi alargada em 110.000 hectares de área de rega. Só que, a manterem-se as actuais quotas, designadamente na beterraba, assistiremos à lamentável situação de o País não poder tirar partido das potencialidades de regadio oferecidas por Alqueva, cuja construção, como lembrou a bancada comunista, é financiada pela própria União Europeia.
de um projecto de relatório da Comissão Europeia no qual esta entidade vem pôr em causa as orientações da política agrícola nacional seguidas desde praticamente a nossa adesão à Comunidade.
Só que ao assumir esta posição, como assinalou o deputado comunista Lino de Carvalho, a Comissão parece «esquecer-se» das «próprias e altíssimas responsabilidades das sua Política Agrícola Comum (PAC) na situação actual da agricultura portuguesa».
O que significa que é à política comunitária, em grande medida, que tem de ser imputada a responsabilidade pela «consolidação em Portugal de um modelo de agricultura sem futuro e que serve sobretudo aos grandes proprietários e às grandes explorações agrícolas».
«Não venham, pois, agora, queixar-se ou reclamar contra as consequências da sua própria política que praticamente só o PCP criticou e denunciou», sublinhou Lino de Carvalho, que vê acrescidas razões para recear pelo futuro da nossa agricultura, sobretudo agora que se conhece melhor a proposta da Comissão Europeia de reforma da PAC.
Orientações erradas
Uma reforma que, do ponto de vista do PCP, esconde três objectivos: «permitir à União Europeia apresentar-se nas reuniões da Organização Mundial do Comércio (OMC) com uma posição mais favorável à liberalização total do comércio agro-alimentar; manter, numa União Europeia de 25 países, o mesmo orçamento para a PAC que tem hoje com 15, isto é, gastar o mesmo dinheiro com mais países; abrir caminho à renacionalização da PAC».
Ora, segundo os comunistas, tais objectivos são «incompatíveis com as necessidades da agricultura portuguesa», tanto mais que, como foi dito, nos últimos 17 anos, a PAC e as políticas agrícolas «optaram por desbaratar apoios em subsídios», os quais, sendo verdade que foram um suporte aos rendimentos dos agricultores (e sobretudo da grande clientela agrária dos sucessivos ministérios da agricultura), pouco contribuíram, no entanto, para a «melhoria da produtividade e da competitividade da agricultura».
... Saída de sendeiro
Bem se pode afirmar, pois, como a vida tem demonstrado, que esta tem sido uma política agrícola fortemente lesiva dos interesses nacionais, a exemplo, aliás, da política de pescas preconizada pela Comissão Europeia que, recentemente, imagine-se, propôs a liberalização do acesso das frotas de outros países aos recursos pesqueiros nacionais situados entre as 12 e as 200 milhas marítimas.
Por isso, para a formação comunista, perante tais propostas, a resposta só pode ser uma: dar-lhes um vigoroso combate, o que passa por uma «posição firme do Governo português nas negociações em Bruxelas, suportada por uma forte mobilização social em Portugal». Infelizmente, não é isso que está a acontecer, sendo de recear, a avaliar pelas primeiras reacções do Ministro Sevinate Pinto, que o Executivo esteja a preparar a aceitação da proposta da reforma da PAC depois de tanto a criticar. «Suspeito que vamos ter, não tarda muito, saídas de sendeiro para entradas de leão», ironizou, a propósito, o parlamentar do PCP.
AMARRAR O PAÍS AO ATRASO
Durante anos a fio a PAC foi alvo de severas e fundadas críticas do PCP. As orientações emanadas de Bruxelas colidem com os interesses da nossa agricultura, afirmaram persistentemente os comunistas, dinamizando uma luta em que praticamente foram os únicos a erguer a voz no plano político partidário. Para dizer, ontem como hoje, que a PAC na sua própria génese foi concebida para as grandes produções dos países fundadores, particularmente a cerealicultura e a pecuária de carne. O que, por outras palavras, significa que as produções mediterrânicas estiveram muito aquém de receber os apoios que tiveram as produções «continentais», para além de se terem mantido sempre os apoios com base na dimensão e no volume de produção.
Ora tal quadro levou a que Portugal seja o País que menos recebe da PAC , sendo mesmo o único país da coesão que apresenta transferências líquidas negativas para a PAC. Com efeito, recebemos apenas 1,6 por cento das ajudas directas e 1,4 por cento do total do FEOGA-Garantia, o que, por exemplo, está muito distante do que recebe a Grécia (6,8 por cento de cada uma daquelas ajudas) ou do que recebe a Irlanda (três por cento e 3,7 por cento, respectivamente).
Outro factor explicativo para o actual quadro difícil da nossa agricultura, de acordo com a análise da bancada comunista, prende-se com a inexistência de vontade de nenhum governo para introduzir, por sua iniciativa, critérios de reorientação e redistribuição das ajudas. O que fez com que, como observou Lino de Carvalho da tribuna do hemiciclo, face à nossa estrutura fundiária e modelo de produção, tenham sido ampliadas as «próprias distorções da PAC». A testemunhá-lo está, por exemplo, o facto de 59 por cento do total das ajudas directas irem para as culturas arvenses (que correspondem apenas a dez por cento do produto agrícola vegetal) e de um por cento dos agricultores receber 44 por cento do total das referidas ajudas directas.
Portugal é, por outro lado, um dos países menos produtivos da União Europeia, situação esta que torna ainda mais intolerável e irracional a imposição de quotas calculadas com base nas nossas muito baixas produtividades históricas.
«O problema do País não é produzir de mais. É produzir de menos», sublinhou o deputado do PCP, antes de acusar a Comissão Europeia de «amarrar o atraso da agricultura portuguesa ao seu próprio atraso» e de impedir, com esta política, o «País de modernizar e desenvolver a sua agricultura», penalizando ainda mais os rendimentos dos agricultores.
• Fragilidades
Portugal, no quadro da União Europeia, surge como um dos países menos produtivos e com maiores fragilidades face à liberalização do comércio agro-alimentar. Uma situação que tenderá a agravar-se ainda mais com o alargamento aos novos Estados-membros.
A testemunhar as nossas debilidades, entre outros indicadores, está o crónico deficit na balança comercial agrícola. O valor acrescentado bruto (VAB), esse, não vai além dos 2,3% do total da União Europeia. Quanto às quotas (excepção feita ao tomate, ao arroz e à banana) oscilam entre os 1% e os 3% do total da comunidade, enquanto as produtividades não ultrapassam um terço das produtividades médias dos quinze.
• Uma política absursa
É sabido que o problema de Portugal não é produzir de mais. O contrário, sim, é verdade, ou seja, produzir de menos. Daí o absurdo dos critérios adoptados pela Comissão Europeia para a atribuição de quotas, assentes, no caso português, nas nossas muito baixas produtividades históricas.
O resultado desta política, orientada para servir os interesses agrícolas dos Estados do centro e norte da Europa, esse, está à vista: sempre que há um qualquer pequeno acréscimo de produtividade e produção, como sucedeu no caso do leite, o País é confrontado com a aplicação de multas.
Outro exemplo revelador da irracionalidade que preside a algumas orientações comunitárias está na forma como está a ser restringido o aproveitamento das potencialidades de Portugal para a produção de regadio. Com o empreendimento de Alqueva, essa capacidade foi alargada em 110.000 hectares de área de rega. Só que, a manterem-se as actuais quotas, designadamente na beterraba, assistiremos à lamentável situação de o País não poder tirar partido das potencialidades de regadio oferecidas por Alqueva, cuja construção, como lembrou a bancada comunista, é financiada pela própria União Europeia.