Uma hora no P&A
Acontece, e percebe-se como é natural que aconteça. Por vezes, quando o que nos cerca no lugar onde vivemos é sufocante de mediocridade, de parvoeira e, por vezes, até de infâmia, a qualquer de nós assalta uma vontade enorme de fugir para longe, de emigrar para uma qualquer Pasárgada. Não fugimos porque, mais ainda que dificuldades práticas, há razões de outra ordem que no-lo impedem: há a solidariedade para com os que inevitavelmente teriam que ficar, há o dever de resistir e dizer «não» com a voz e ocom os actos, há a impossibilidade ética de deixar o terreno livre às informais legiões do crime multidisciplinar. Porém, quando em vez de País se trata de TV, a rejeição de quanto nos sufoca de repugnância, de indignação ou apenas de enfado, leva-nos a fugir dos quatro canais «tradicionais» ou, se se preferir, «clássicos», e a buscar nos canais distribuídos por cabo e a que só alguns têm acesso um qualquer lugar de paudsa e alguns motivos concretos para provarmos a nós próprios que nem tudo é tão mau como parece. É assim que tantos de nós partem a percorrer esses canais, um por um, em busca de um programa onde ancorar os olhos e recuperar forças. Foi assim que , um dia destes, deparei com um telefilme sobre Cuba no «People & Arts», datado de 1999 e com assinatura final do britânico Channel Four.
Fiquei a ver, longe de esperar o melhor mas por saber que nem o «People & Arts» nem o Channel Four são precisamente órgãos de algum remanescente movimento criptocomunista de subversão mundial, o que implicaria credibilidade acrescida a qualquer informação que sustentasse que Fidel não é o Anticristo e que Cuba não é um enorme campo de concentração. Ora, sucedeu que o telefilme disse e mostrou muito mais que isso. Incluiu, naturalmente, intervenções de congressistas norte-americanos, pelo próprio documentário caracterizados como de direita, a jurarem combater a Cuba de Castro até à sua «libertação final». Quer dizer: incluiu o que por cá é o trivial. Mas também integrou comentários e informações de outra índole, mesmo quando apontavam a Cuba fragilidades e defeitos pelo menos numa óptica que abusiva e erroneamente é tida por «ocidental». No que se refere ao hiperestafado tema dos direitos humanos, reconhecia que a Cuba da revolução castrista desde sempre deu prioridade a direitos humanos que não serão os da liberdade de expressão sem limitações ou da pluralidade de partidos, mas são os do acesso à saúde, à educação e à habitação, tão esquecidos nas democracias do Ocidente mais ou menos americanizado que até deixam de ser reconhecidos comummente como direitos humanos. Lembrou que foi com a revolução que Cuba surgiu perante o mundo com destaque nas áreas das artes, da literatura, do cinema, do desporto, das ciências. Personalizando a revolução em Fidel, disse que «ele pegou no País» e fez dele uma realidade notável. Por isso pagando um preço, é certo: a opção por direitos humanos que não são os que têm mais protagonismos nos media internacionais.
O «prego no caixão»
Mais coisas disse o telefilme do Channel Four que o «People & Arts» transmitiu. Por exemplo, referiu com destaque adequado o perfil do David que já há quatro décadas resistia à manifesta hostilidade do Golias norte-americano. Mas o que mais gostei de ouvir, por menos frequente, foi que na década de 80 só graças ao auxílio cubano Angola resistira ao assalto do exército regular da República da África do Sul, e que a batalha dew Cuito Navarro, em que o corpo expedicionário cubano decidiu a derrota do exército do racismo, foi um «prego no caixão» do regime do apartheid. Pareceu-me que esta importantíssima verdade anda por aí muito esquecida, quando não miseravelmente falsificada. Por isso, quando vi imagens de Fidel Castro ao pé de Nelson Mandela, então já vencedor do regime iníquo que o encarcerara a ele e encarcerara a dignidade do seu País, e vencedor também um pouco graças à cuba de Fidel, reflecti naturalmente sobre os diferentes modos como um e outro são tratados pelos media internacionais. Contra Mandela, consensualmente aplaudido, ninguém ousa sequer disparar uma detracção significativa. Fidel Castro é alvo de uma permanente campanha de imposturas e calúnias como, de momento, não há outra por esse mundo fora.
Entretanto, Cuba resiste, isto é, Golias ainda não esmagou David com a sua pata ensanguentada por muitos massacres anteriores. Porque ainda resiste, porque um recente temporal de indignações manipuladoras ou manipuladas, conforme os casos, se abateu recentemente sobre a revolução resistente, soube-me especialmente bem este acidental fuga para o cabo e esta breve estada no «People & Arts». Se calhar, um dia destes volto lá. Mas, entenda-se, sem esperanças de voltar a encontrar tão cedo um telefilme assim reconfortante.
Fiquei a ver, longe de esperar o melhor mas por saber que nem o «People & Arts» nem o Channel Four são precisamente órgãos de algum remanescente movimento criptocomunista de subversão mundial, o que implicaria credibilidade acrescida a qualquer informação que sustentasse que Fidel não é o Anticristo e que Cuba não é um enorme campo de concentração. Ora, sucedeu que o telefilme disse e mostrou muito mais que isso. Incluiu, naturalmente, intervenções de congressistas norte-americanos, pelo próprio documentário caracterizados como de direita, a jurarem combater a Cuba de Castro até à sua «libertação final». Quer dizer: incluiu o que por cá é o trivial. Mas também integrou comentários e informações de outra índole, mesmo quando apontavam a Cuba fragilidades e defeitos pelo menos numa óptica que abusiva e erroneamente é tida por «ocidental». No que se refere ao hiperestafado tema dos direitos humanos, reconhecia que a Cuba da revolução castrista desde sempre deu prioridade a direitos humanos que não serão os da liberdade de expressão sem limitações ou da pluralidade de partidos, mas são os do acesso à saúde, à educação e à habitação, tão esquecidos nas democracias do Ocidente mais ou menos americanizado que até deixam de ser reconhecidos comummente como direitos humanos. Lembrou que foi com a revolução que Cuba surgiu perante o mundo com destaque nas áreas das artes, da literatura, do cinema, do desporto, das ciências. Personalizando a revolução em Fidel, disse que «ele pegou no País» e fez dele uma realidade notável. Por isso pagando um preço, é certo: a opção por direitos humanos que não são os que têm mais protagonismos nos media internacionais.
O «prego no caixão»
Mais coisas disse o telefilme do Channel Four que o «People & Arts» transmitiu. Por exemplo, referiu com destaque adequado o perfil do David que já há quatro décadas resistia à manifesta hostilidade do Golias norte-americano. Mas o que mais gostei de ouvir, por menos frequente, foi que na década de 80 só graças ao auxílio cubano Angola resistira ao assalto do exército regular da República da África do Sul, e que a batalha dew Cuito Navarro, em que o corpo expedicionário cubano decidiu a derrota do exército do racismo, foi um «prego no caixão» do regime do apartheid. Pareceu-me que esta importantíssima verdade anda por aí muito esquecida, quando não miseravelmente falsificada. Por isso, quando vi imagens de Fidel Castro ao pé de Nelson Mandela, então já vencedor do regime iníquo que o encarcerara a ele e encarcerara a dignidade do seu País, e vencedor também um pouco graças à cuba de Fidel, reflecti naturalmente sobre os diferentes modos como um e outro são tratados pelos media internacionais. Contra Mandela, consensualmente aplaudido, ninguém ousa sequer disparar uma detracção significativa. Fidel Castro é alvo de uma permanente campanha de imposturas e calúnias como, de momento, não há outra por esse mundo fora.
Entretanto, Cuba resiste, isto é, Golias ainda não esmagou David com a sua pata ensanguentada por muitos massacres anteriores. Porque ainda resiste, porque um recente temporal de indignações manipuladoras ou manipuladas, conforme os casos, se abateu recentemente sobre a revolução resistente, soube-me especialmente bem este acidental fuga para o cabo e esta breve estada no «People & Arts». Se calhar, um dia destes volto lá. Mas, entenda-se, sem esperanças de voltar a encontrar tão cedo um telefilme assim reconfortante.