Entrevista a Henrique Mendonça

Na estrada pela igualdade

Hugo Janeiro
O autocarro que percorreu 15 cidades portuguesas, no passado mês de Abril, partiu de Atenas a 26 de Janeiro com destino à Itália, procurando sensibilizar pessoas e instituições para os problemas sentidos pelos deficientes. Ao longo do ano de 2003 irá passar por todos os 15 países da União Europeia no âmbito do Ano Europeu das Pessoas com Deficiência.
O trajecto procurou «arrepiar caminho» na estrada da solidariedade, do esclarecimento e alerta para os problemas sentidos por quase um milhão de portugueses que, diariamente, enfrentam inúmeras barreiras arquitectónicas e sociais.
Um papel fundamental na superação dessas barreiras e na conquista da qualidade de vida é desempenhado pelo movimento associativo, sem o qual se perderia muito do apoio prestado a este grupo social, bem como a sua imprescindível dinâmica reivindicativa.
A iniciativa integrou o plano desenvolvido pela Confederação Nacional de Organismos de Deficientes para assinalar o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência.
O Avante! falou com Henrique Mendonça, presidente da direcção desta estrutura, procurando fazer o balanço dos primeiros meses de acção e esboçar o quadro das preocupações latentes.

- Qual foi a abordagem que a CNOD entendeu levar a cabo para assinalar o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência?

- Ao longo dos anos tem-se verificado que existe um quadro legislativo, em alguns países mais desenvolvido que noutros, mas o aspecto fundamental é a sensibilização da sociedade para a deficiência e para as questões das pessoas com deficiência, para a qual, a CNOD, enquanto estrutura unitária, procura chamar a atenção.
Normalmente fala-se em barreiras arquitectónicas, mas nós vamos mais longe. A sociedade ainda sofre de medos ancestrais, estigmas e preconceitos em relação à pessoa com deficiência. Enquanto a sociedade não tiver ganha para a encarar como detentora de direitos, não se consegue a aplicação prática das leis.
Temos procurado desencadear um plano de acção visando essencialmente essa situação, onde estavam previstas algumas iniciativas de carácter generalista, e outras de reflexão com um carácter mais temático.
No próximo dia 1 de julho vai-se realizar um seminário que aborda as questões da deficiência e a comunicação social, e outro já garantido é sobre as mulheres deficientes no interior.
Outro ainda, em colaboração com a Ordem dos Advogados, é sobre a exequibilidade da legislação existente, pois Portugal tem, no campo da deficiência, um dos edifícios legislativos mais avançados da Europa, o que nunca houve foi vontade política para o implementar.
Quanto ao carácter mais generalista encarámos a hipótese de realizar concertos de sensibilização, procurando através da musica chamar deficientes e não deficientes, e pelo meio fazer uma intervenção política de consciencialização.
Assim aconteceu em Vila Franca, que, apesar das debilidades da primeira iniciativa, julgamos ter sido uma experiência positiva.

- Do conjunto de iniciativas destacou-se o acompanhamento do Autocarro Europeu, que papel teve a CNOD?

- Entre os vários eventos realizados no contexto europeu, a CNOD ganhou um concurso internacional para o acompanhamento e apoio logístico do autocarro em Portugal.
Entendemos que a melhor forma de conduzir o processo era através das Câmaras Municipais, e algumas aderiram ao nosso projecto. Mas como para nós o autocarro era uma árvore e o Ano Europeu uma floresta, procuramos negociar várias iniciativas e saber a sensibilidade para o nosso projecto.
O que se pretendia com o autocarro era criar focos de agitação sobre diversas formas. Por exemplo, montou-se uma rampa no autocarro para permitir o acesso a pessoas em cadeiras de rodas, e no interior equipou-se com instalações sanitárias totalmente adaptadas, demonstrando que se numa estrutura móvel era possível o acesso de pessoas com deficiência, é natural que com muito mais facilidade isso se faria em estruturas fixas.
Também trazia equipamento informático, pois uma das referentes de luta hoje é a info-exclusão, pelo que se fizeram permanentes demonstrações de como se podiam tornar acessíveis a toda a gente estes equipamentos.

- Qual era a reacção das pessoas à passagem do autocarro pelas diversas cidades?

- Nalguns sítios foram autênticos encontros nacionais com centenas de pessoas, entre deficientes e não deficientes e muitas estruturas locais.
No fundamental mostravam-se muito interessadas, apesar das atenções estarem centradas na guerra do Iraque.
A esse propósito tomámos uma posição que achámos importante transmitir, a nossa luta contra a guerra. Até arranjámos um slogan que era «lutar pela paz é prevenir a deficiência».

- E na dimensão dos direitos sociais. Quais são as preocupações fundamentais latentes?

Um deficiente para ser considerado uma pessoa com direitos tem que ter o acesso ao emprego, à educação, à cultura, ao lazer, etc.
Entendemos que o passo fundamental é no campo da educação inclusiva, e estamos muito preocupados com a política que o Governo tem vindo seguir em relação a esta matéria.
Hoje há uma tendência de regressão, em que a escola pública vai cada vez tendo mais dificuldades.
Não é com estruturas inacessíveis fisicamente e com a redução do número de professores do ensino especial que se vai tornar possível a frequência às pessoas com deficiência.
È claro que o ensino inclusivo tem custos, mas tem benefícios sociais se pretendemos uma sociedade mais humana e mais justa.
Não havendo escolas destas não é possível inclusão social, ficando-se pelo conceito médico da deficiência, isto é, uma adaptação às normas existentes, restrito ao campo da reabilitação.
Os deficientes de guerra, as vítimas de acidentes rodoviários, os sinistrados do trabalho são produtos da sociedade. O que nós pretendemos é que a deficiência seja encarada como um problema social.
Outro aspecto fundamental é o acesso ao emprego, e aqui estamos francamente preocupados, pois com o aumento do desemprego sabemos que os deficientes são os primeiros a ser despedidos.
Em relação ao novo Código Laboral a CNOD nunca foi ouvida. Apesar de termos tomado posição públicas e feito várias propostas, pensamos que as questões de fundo não foram alteradas.
Ainda nestas matérias, em relação ao Plano Nacional de Inclusão foram auscultadas as instituições de caridade e as estruturas dos deficientes foram descriminadas, o que motivou a vigília de outubro passado, esquecendo que um deficiente pobre é o mais pobre de todos os pobres.


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