Retratos do trabalho - 4

Isabel Araújo Branco (texto)
Jorge Cabral (Fotos)
Jornalista é sinónimo de figura pública, prestigiada e reconhecida na rua? O jornalismo é uma profissão empolgante ou os grandes riscos relacionam-se com o desemprego e a precariedade? E como é trabalhar numa grande central de tratamento de correspondência dos CTT, pertencendo à mais baixa categoria da empresa? O Avante! continua à descoberta dos jovens trabalhadores portugueses.

Helena Sousa Freitas,
jornalista

No centro do mundo

Helena Sousa Freitas, jornalista da agência noticiosa Lusa, recusa o mito criado à volta da profissão e garante que este é um «trabalho normal». Aliás, tão normal que é difícil enumerar todos os problemas: desemprego, salários relativamente baixos, instabilidade, desrespeito pelas categorias profissionais na mudança de emprego, incumprimento dos horários de trabalho e não pagamento das horas extraordinárias, entre outros.

Helena fala de um colega que era editor e quando mudou de jornal passou a candidato a estagiário. «Isto reflecte-se no ordenado», nota. Em alguns órgãos de comunicação social estão em vigor ao mesmo tempo contratos de trabalho colectivos e individuais. Estes são invariavelmente menos vantajosos para o jornalista. «Por exemplo, o contrato pode prever que o trabalhador possa ser deslocado para qualquer delegação, mas ele assina porque, se não for assim, não tem emprego. Ele está a trabalhar em Faro e é necessário no Porto. O que é que faz? Como o desemprego é muito, as pessoas aceitam qualquer coisa», comenta.

Helena fez 27 anos em Fevereiro e está efectiva na Lusa desde 2000. Garante que tem «tido muita sorte» na sua vida profissional, especialmente em comparação com muitos jornalistas. «Noutro dia, fui a uma loja da Mango e estava lá uma colega minha da faculdade a atender ao balcão. Há muita gente no desemprego ou que vai para outras áreas. E às vezes acabam em profissões para as quais só se exige o 12.º ano.»

O mercado de trabalho é pequeno, as empresas têm como objectivo o lucro e há muitas pessoas a sonhar com a comunicação social. «Há muita gente que pensa que o jornalismo é dar a cara e ser apresentador de televisão. Querem ser conhecidas e não têm noção do esforço do trabalho de bastidores e do trabalho anónimo que praticamente ninguém reconhece – e que é a maior parte.»

Longe do glamour da luzes da ribalta, a realidade do jornalista é muito diferente. «Há muitos órgãos regionais a funcionar com pessoas que acabaram a via profissional em comunicação social e que não são licenciados. Se as empresas podem pagar menos a essas pessoas, esquivam-se a contratar um jornalista licenciado. Também acontece aceitarem pessoas de áreas diferentes, porque, se a pessoa não é licenciada na área, a empresa pode pagar um ordenado mais baixo. Há muitas coisas a que as empresas se agarram, porque – e acho que não estou a ser injusta ao dizer isto – a sua meta não é a qualidade. Não é preciso ficar perfeito, o trabalho não tem de ser feito por pessoas que estudaram para isto porque, se fica um nadinha pior e pagam muito menos, quem é que vai notar? É uma situação muito injusta para quem tirou jornalismo.»

Produtividade

A Agência Lusa está a atravessar uma fase difícil. Isto é o que diz a administração e os jornalistas vão sentido na pele as repercussões. As promoções por mérito estão congeladas e ninguém sabe se vai haver aumentos salariais. «Estar no quadro já não é uma garantia de futuro. Hoje em dia já ninguém está a salvo. O quadro dá direito à indemnização de um mês e meio de ordenado por cada ano de trabalho, o que não é significativo», considera Helena Sousa Freitas.

A empresa tem rescindido o contrato com jornalistas com idade de reforma ou pré-reforma e enviou cartas de rescisão a muitos outros alegando baixa produtividade. «O sindicato interveio e algumas dessas cartas foram canceladas. Querem diminuir o número de trabalhadores para reduzir os custos», afirma.

Mas, para Helena, uma coisa é clara: «Menos jornalistas não conseguem dar conta de tanto trabalho e a qualidade é prejudicada. Se o trabalho sai pior, os clientes protestam e eventualmente quebram o contrato de serviço. Não sei se as direcções sabem o que é despedir trabalhadores. É o mau ambiente que causa na redacção, a instabilidade, o mal estar psicológico, a preocupação com o dia de amanhã – isso reflecte-se no trabalho. Não temos o lugar seguro. As empresas estão sempre a dizer que ninguém é insubstituível. É bom a pessoa não pensar que é a estrela, mas é mau estar sempre a ouvir que se ela se for embora vem outra para o lugar, em vez de sentir um encorajamento de vez em quando.»

Helena refere formas subtis de coacção usadas por várias empresas, como o isolamento do jornalista. «Ou então umas vezes sobrecarregam com trabalho até a pessoa não aguentar mais e outras não lhe dão nada para fazer», acrescenta.

A dimensão do que somos

Para Helena, o melhor no jornalismo é o contacto com as pessoas. Há rotinas, mas não é um trabalho monótono. «Todos os dias são diferentes. Ficamos com uma grande noção do mundo. Percebemos a dimensão do que somos e do que é o nosso país, a nossa realidade, o nosso local de trabalho face a tudo o que acontece no planeta. Dá-nos consciência da nossa dimensão.»

É com o mundo que Helena vai lidando todos os dias, no turno das 16 às 23 horas. Vai contando as suas histórias e divulgando-as por outros universos diferentes. Licenciada em Comunicação Social, está a trabalhar na Lusa desde 1998. Fez três contratos a prazo até ficar efectiva dois anos depois.

Com um salário de 900 euros, trabalha na secção Lusa Net. Aqui faz o serviço da Lusa Web (adaptando os textos da Lusa para serem publicados no site) e escreve para a secção de Cultura e Lazer. Quando estreia um filme, quando abre uma exposição, quando uma banda estrangeira visita Portugal, quando é publicado um livro lá está Helena a noticiar. As entrevistas são frequentemente feitas por telefone, «porque o tempo não é muito».

É deste trabalho que Helena mais gosta. «Falo directamente com as pessoas, tenho mais espaço para escrever, vou investigando e às vezes descubro coisas engraçadas». Os textos que produz são pedacinhos de si, uma espécie de filhos que são espalhados pelos órgãos de comunicação social que recebem os serviços da Lusa. Ou seja, praticamente todos. Além disso, faz blocos noticiosos para rádios locais.

Para tudo isto, Helena precisa de conhecer a linguagem do jornalismo de agência, de rádio e de internet. E tem de trabalhar depressa, ainda mais depressa do que qualquer jornal, rádio ou televisão. «Com o tempo acabamos por nos habituar. A escrita de agência tem a vantagem de dizermos o essencial logo nos dois primeiros parágrafos», afirma. «Vemos o nosso trabalho reproduzido noutros jornais e no estrangeiro. Nesse sentido é compensador, embora a nossa peça seja apenas assinada com as nossas iniciais. É um jornalismo completamente anónimo.»

Helena Sousa Freitas dedica também os seus tempos livres ao jornalismo. No fim de Novembro editou um ensaio, «Jornalismo e Literatura, Inimigos ou Amantes?», com prefácio de Baptista Bastos. A tiragem é baixa, mas as vendas estão a correr bem. «A situação em Portugal não está boa para vender livros, porque o dinheiro faz falta para coisas mais importantes, por isso penso que para já não vou editar outro livro», adianta. Mas continuará a escrever, todos os dias, no trabalho e em casa.



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