Questões de operacionalidade: os imigrantes

Jorge Messias
É evidente que o aparelho católico português se tem manifestado modelar na planificação das acções da Igreja, a médio e longo prazo. E que tem contribuído para formatar as decisões políticas do Governo. As suas principais dificuldades situam-se a nível da articulação entre a teoria e a prática, quando os planos passam dos gabinetes para o campo da concretização. A hierarquia tem fraca capacidade de mobilização e a obrigação de compor uma certa imagem. É então que surgem inesperadas contradições de interesses no interior do próprio clero ou entre os bispos e o poder laico. No sector da Imigração parece estarem a verificar-se desencontros deste tipo. Na Conferência Episcopal, a Comissão das Migrações e Turismo é liderada pelo bispo D. Januário Torgal Ferreira, também responsável pelo cargo de Ordinário Castrense. Nesta ordem de compromissos, D. Januário ocupa-se da pastoral das forças militares (Exército, Força Aérea, Marinha) e paramilitares (GNR, PSP, corpos de polícia e segurança prisional, serviços de fronteiras, etc.). Simultaneamente, é presidente da CEMT (Comissão Episcopal para as Migrações e Turismo) e tem a seu cargo áreas pastorais tão desiguais como a das Migrações (cidadãos estrangeiros em Portugal e portugueses no Estrangeiro) e a do Turismo (assistência religiosa aos fluxos laicos ou ao turismo religioso). Assim sendo, D. Januário gere composições de interesses contraditórios onde alternam a ordem estabelecida, a solidariedade, a acção social e o lucro. Em tese, a sua intervenção não é política. Apenas deve cumprir as orientações do colégio dos bispos e do Vaticano. Paralelamente a estas funções da hierarquia, foi nomeado pelo actual governo um outro sacerdote - o padre António Vaz Pinto - para o lugar de Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas. É um cargo político. O sacerdote jesuíta fica na dependência da tutela ministerial e aceita fazer aplicar uma nova lei de imigração, apagadamente promulgada pelo PR e a vigorar desde o passado dia 18. D. Januário já duramente descreveu o documento como factor do «regresso ao nazismo». A expressão significa, no mínimo, que as disposições que o Governo e Vaz Pinto procuram impor não respeita a doutrina social da igreja. Linearmente, a questão poderá colocar-se a nível de lutas internas da hierarquia: D. Januário responde perante a CEP e enfrenta quem quer que tente reduzir os seus poderes. Neste caso, o p. Vaz Pinto surgiu inesperadamente na área do poder, apenas apoiado pelo consentimento discreto do cardeal patriarca e do superior jesuíta. A CEP ficou à margem da questão. Todavia, o problema da lei da imigração vai muito para além dos simples aspectos corporativos da igreja. É que D. Januário, membro destacado da hierarquia, tem necessariamente de apresentar-se como representante da doutrina social da igreja. Portugal, filho dilecto, deve assumir-se como um país de acolhimento e devolver aos outros aquilo que deles já no passado recebeu: apoios, oportunidades, compreensão humana. Quanto ao p. Vaz Pinto, assumiu responsabilidades de Estado. O seu primeiro dever é de natureza política. Precisa de encarar o problema dos imigrantes em função de interesses superiores. Se é certo que os homens são algo mais do que peças (doutrina social) é necessário aproveitá-los segundo as capacidades instaladas. As empresas precisam de técnicos, de investigadores, de especialistas. Os grupos económicos devem chamar a si essas «mais-valias». Ao padre Vaz Pinto compete fazer a triagem final. Para um lado, os imigrantes úteis à sociedade de mercado. Esses terão trabalho garantido e poderão reunir aqui as suas famílias, ainda que em situação sempre precária. Os outros, os inúteis, serão recambiados. O tão Alto Comissariado ficará reduzido ao papel de agente de colocações. Da visão humanista que a doutrina propõe passa-se, de repente, ao mais mesquinho dos objectivos. O que não pode agradar aos bispos, como é natural. Vamos então dizer que D. Januário é uma pomba e o p. Vaz Pinto um falcão? Melhor será não nos metermos nisso. Afinal, D. Januário é um estimado defensor do capitalismo, o mais desavergonhado explorador dos imigrantes. O p. Vaz Pinto é formador do voluntariado e tem excelentes relações com a alta roda, com a ACEGE, com o Banco Alimentar, com o Banco do Tempo e com outras IPSS similares. A desavença passa-se entre irmãos.


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