A propósito do próximo congresso de um dos partidos da coligação no poder, o ministro da Defesa e líder do CDS-PP deu o pontapé de saída para as eleições europeias de 2004. Ficámos, então, a saber da sua intenção de propor aos militantes do seu partido uma moção que defende a coligação com o PSD para a Europa. A proposta seria óbvia e encarada de forma natural, não fosse o facto de estas eleições se reportarem a um âmbito político em que as tomadas de posição de um e outro partido sempre se pautaram por diferenças assinaláveis.
O ministro adjunto da Presidência viria mesmo a considerar, a este propósito, que a Europa é um elemento de convergência entre os líderes dos dois partidos no Governo. E esta sim, é uma grande novidade. Pelo percurso e tomadas de posição destas duas forças políticas no Parlamento Europeu (PE), rapidamente se tornou perceptível, após as eleições legislativas, que a Europa seria uma das grandes pedras no sapato da coligação no Governo.
Europeias 1999
Após as últimas eleições para o PE, em Junho de 1999, os deputados do CDS-PP integraram o Grupo União para a Europa das Nações (UEN) e os deputados eleitos pelo PSD juntaram-se ao Partido Popular Europeu (PPE), mantendo até hoje esta «arrumação». O UEN defende, na sua Carta Política, «uma Europa fundada na liberdade de decisão das Nações e não uma Europa federal que subjugaria as soberanias nacionais e destruiria as identidades dos povos europeus». Quanto ao PPE, o seu manifesto eleitoral de 1999 – elucidativamente chamado de «A Europa das Oportunidades» - foca aspectos como o «grande passo relativamente à integração europeia», «devemos actuar como uma só entidade» ou «partidos europeus fortes e importantes».
Poderiam ser apenas abordagens teórico-políticas diferentes (como o federalismo ou a soberania dos Estados) mas sem grandes diferenças práticas. Ou seja, não seria a primeira vez que partidos com linhas políticas diversas caminhariam no mesmo sentido na hora das votações, apoiariam as mesmas propostas e esqueceriam igualmente compromissos assumidos e defendidos em campanha. No entanto, não foi exactamente esta a prática dos dois partidos, agora tão convergentes na cena política nacional, ao longo destes quase quatro anos de legislatura no PE. Variados exemplos poderiam ser apontados, como a reacção dos deputados centristas à proposta de resolução do PE para a Conferência Intergovernamental, discutida em Abril de 2000, classificando-a de «demonstração mais cabal de como a obsessão federalista pode vir a mergulhar a UE numa crise sem precedentes». Ou a discussão sobre o Tratado de Nice e o futuro da UE, em Maio de 2001, em que os deputados sociais-democratas portugueses se abstiveram enquanto os seus agora colegas de coligação votaram contra a resolução apresentada. Ou ainda declarações, de Outubro de 2001, sobre o Pacto de Estabilidade e Crescimento, em que o PSD e o PS afastavam qualquer possibilidade de alteração ao Pacto enquanto que o CDS-PP defendia uma leitura «mais flexível» do mesmo.
Contradições
A diferença entre a Europa das Nações, em que se integra o CDS-PP, e a Europa das Oportunidades, defendida pelos eurodeputados sociais-democratas, não é a questão fulcral aqui. As diferenças entre as propostas dos partidos políticos foram amplamente debatidas nas eleições de 1999 e a campanha das europeias em 2004 abrirá o espaço necessário à avaliação do trabalho realizado pelos eurodeputados portugueses e à apresentação das linhas de trabalho dos partidos para a seguinte legislatura. Neste momento, a dúvida que persiste tem a ver com a contradição da posição assumida, a nível nacional, e a postura adoptada no cenário europeu. Como é que a Europa como o tal «elemento de convergência» entre CDS-PP e PSD se compadece com o combate político travado entre dois grupos políticos europeus que defendem algumas posições diametralmente opostas?
Considerando a evolução política, económica e social do mundo em que vivemos, é obrigatória a constante reflexão das forças políticas sobre o que nos rodeia, e não se exclui a possibilidade de os partidos políticos, após essa reflexão, alterarem a sua opinião sobre determinadas matérias. Neste caso, o CDS-PP parece ter alterado o seu rumo, relativamente ao que quer para a União Europeia, ao pretender aliar-se ao PSD. Mas, então, se ocorreu essa mudança, como justificar que a sua situação se mantenha inalterada no PE? Talvez a resposta seja semelhante à dada por um deputado do CDS-PP na Assembleia da República quando confrontado com a possibilidade de um eurodeputado do UEN se deslocar ao Iraque: «com o mal dos outros posso eu bem!». Aparentemente, os princípios em que se baseia o grupo europeu que representam são «males» com que a coligação pode bem. Entre Europa das Nações e a das Oportunidades, o CDS-PP fez a sua opção.