Por volta de 1985 foi resolvido pelo Secretariado do Comité Central que os seus membros deveriam ter contacto com algumas individualidades democráticas que, naturalmente, aceitassem conversar connosco com maior ou menor regularidade. Também foi tratada a possibilidade de os mesmos camaradas poderem acompanhar de uma forma regular alguns membros do Partido. Em relação a esta segunda questão considerei ser meu dever falar com dois membros do Partido. Um deles vivia no concelho do Barreiro, onde eu habitava também. Era o advogado e escritor Manuel Campos Lima, nascido em 1916, destacado militante que eu conhecia desde há muito. Apesar dele ter uma ligação regular com um membro da organização do Barreiro, mantive esse contacto que incluía muitas vezes a esposa, a camarada Maria Clementina Ventura Campos Lima, nascida em 1917 e com quem falei há dias, até ao falecimento do camarada, em 1996. O outro era Vasco de Magalhães-Vilhena, de cuja biblioteca vai ser inaugurada a sua colocação numa sala da Academia das Ciências de Lisboa no dia 24 de Janeiro.
Em muito poucas palavras, Vasco de Magalhães-Vilhena (1916-1993), que se tornou membro do Partido Comunista Português com 15 anos, foi aluno das Faculdades de Letras de Lisboa e de Coimbra. Em 1945, foi obrigado a abandonar compulsivamente a docência na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde ensinava História da Filosofia Antiga, devido a divergências do foro científico habilmente aproveitadas pela situação política. Nesse mesmo ano deslocou-se para Paris e, como bolseiro do Governo Francês, preparou o seu doutoramento na Sorbonne tendo obtido, em 1949, o grau de Docteur enLettres. As suas teses são publicadas pelas Presses Universitaires de France, em 1952. Em 1954 recebe o prémio da Association des Études Grecques. E até 1974 é investigador na Sorbonne e no Centre National de la Recherche Scientifique. Manteve sempre a sua actividade contra o fascismo tendo também participado, desde 1950, na acção do Conselho Mundial da Paz. Em 1975 foi reintegrado como professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo-se aposentado, por razões de saúde, em 1979. (*)
Foi em Paris que conheci Vasco de Magalhães-Vilhena, ainda durante o fascismo. Os meus contactos com ele estabeleceram-se em Portugal já nos anos oitenta e duraram até ao seu falecimento. Eram sempre interessantes as conversas que mantínhamos. Lembro-me particularmente de, numa altura em que eu ainda tinha alguma esperança de que Gorbatchov (então secretário-geral do PCUS) pudesse levar por diante modificações necessárias que defendessem o socialismo na União Soviética, Vasco me afirmar que não havia razão para haver tais esperanças. E tinha razão...
As nossas conversas incluíam muitas vezes a participação de sua esposa, Hélène, de naturalidade francesa, membro do PCP e organizada na freguesia da sua residência. Muito consciente e responsável, foi, até ao seu falecimento (11.3.96) de uma grande dedicação ao nosso camarada e de intenso apoio aos trabalhos que ia desenvolvendo.
Entretanto, como a biblioteca de Vasco de Magalhães-Vilhena fora doada ao Partido Comunista Português, considerou-se que, dada a importância e a riqueza daquele grande conjunto de livros e revistas mereceria uma localização que permitisse o seu aproveitamento de um modo muito amplo. Formou-se naturalmente um pequeno colectivo que englobava a antiga aluna daquele Professor, Maria Margarida Pino, assistente no departamento de Ciências Documentais da Faculdade de Letras e bibliotecária da Faculdade de Ciências, e os amigos mais próximos de Magalhães-Vilhena: Eduardo Chitas, professor na Faculdade de Letras de Lisboa, o historiador Hernâni Resende e eu próprio. As nossas diligências junto do então Presidente da Academia, o Prof. Doutor José Vitorino de Pina Martins, tiveram um bom acolhimento. Como consequência, em 16 de Dezembro de 1996, era assinado o protocolo de acordo entre a Academia das Ciências de Lisboa e o Partido Comunista Português.
As demoras, naturais em relação a questões que têm alguma complexidade, atrasaram a inauguração da Biblioteca de Magalhães-Vilhena na Academia das Ciências de Lisboa mas permitiram que se encontrasse um excelente espaço e um conjunto de estantes que embelezam as salas onde foi colocada a Biblioteca. A Dr.ª Luiza de Macedo, funcionária superior da Academia, teve um papel importante a este respeito.
Ainda é necessário completar o catálogo da Biblioteca para que ela se torne verdadeiramente útil para qualquer pessoa interessada em diversas áreas da filosofia. É uma tarefa que é necessário resolver com alguma prontidão.
(*) Dados recolhidos em dois estudos de Hernâni Resende sobre os trabalhos filosóficos de Magalhães-Vilhena publicados respectivamente no volume V da História do Pensamento Filosófico Português sob a direcção de Pedro Calafate (Lisboa, 2000) e no n.º 42 da revista Ler História, de 2002, e ainda num artigo do mesmo autor que, a meu pedido, escreveu por ocasião do primeiro aniversário do falecimento de Magalhães-Vilhena, para o n.º 211 da revista O Militante (Julho-Agosto de 1994), com o título: «Um filósofo da prática social». A esta revista se deve também a publicação, no número seguinte, de um importante texto de divulgação filosófica de Magalhães-Vilhena, intitulado «Karl Marx – a Teoria, Força Material», dado ao prelo pela primeira vez em 1983. O artigo publicado em O Militante n.º 211 tem uma longa lista de livros e artigos de Magalhães-Vilhena e sobre a sua obra. Aqui citamos somente o livro «Filosofia. História. Conhecimento. Homenagem a Vasco de Magalhães-Vilhena», coordenação de Eduardo Chitas e Hernâni Resende, Editorial Caminho, 1990.