Inevitavelmente

Acabar com os par­tidos co­mu­nistas é o ob­jec­tivo dos donos do Mundo e dos seus ho­mens de mão

Foi assim: já a ca­beça da ma­ni­fes­tação havia che­gado ao Rossio há mais de hora e meia, quando os úl­timos ma­ni­fes­tantes par­tiam do Marquês de Pombal. Quer isto dizer que foram mi­lhares - muitos, muitos mi­lhares - os tra­ba­lha­dores que, no sá­bado pas­sado, mo­bi­li­zados pela CGTP-IN e vindos de todo o País, se ma­ni­fes­taram em de­fesa dos seus di­reitos e in­te­resses; pro­tes­taram contra as muitas mal­fei­to­rias pra­ti­cadas pelo Go­verno Bar­roso/​Portas em pra­ti­ca­mente todas as áreas da vida na­ci­onal; e dis­seram «não!» ao ter­ro­rista e an­ti­de­mo­crá­tico «có­digo do tra­balho» com o qual o Go­verno do grande pa­tro­nato (com a co­ni­vência aberta da UGT e as ha­bi­tuais am­bi­gui­dades e con­tor­ci­o­nismos do PS) pre­tende fazer re­gressar o nosso País ao sé­culo XIX em ma­téria de le­gis­lação la­boral.

Farão mal os par­tidos do Go­verno e os pa­ne­gi­ristas de ser­viço à po­lí­tica de di­reita (e o PS, que apoia a po­lí­tica de di­reita por eles pra­ti­cada na­quilo que nela é es­sen­cial, es­tru­tu­rante, ou seja, nos seus as­pectos mais gra­vosos) se con­ti­nu­arem a fingir não ver o pro­fundo des­con­ten­ta­mento que atinge a mai­oria dos tra­ba­lha­dores por­tu­gueses e as dis­po­ni­bi­li­dades de luta por eles evi­den­ci­adas. Farão mal, igual­mente se in­sis­tirem na ofen­siva vi­sando levar às úl­timas e mais ex­tremas con­sequên­cias todo o pe­ri­goso pro­cesso de re­cons­ti­tuição do poder e dos pri­vi­lé­gios do grande ca­pital e des­truir as con­quistas pro­gres­sistas do povo e dos tra­ba­lha­dores por­tu­gueses, ou seja, se pros­se­guirem na opção por ca­mi­nhos em­po­bre­ce­dores do con­teúdo de­mo­crá­tico do re­gime saído da re­vo­lução de Abril. Porque é disso que se trata, de facto e es­sen­ci­al­mente: a po­lí­tica de di­reita, le­vada à prá­tica ora pelo PSD ora pelo PS ora pelos dois mais o CDS/​PP, é uma po­lí­tica fron­tal­mente con­trária aos in­te­resses da mai­oria dos por­tu­gueses, uma po­lí­tica cuja es­sência an­ti­de­mo­crá­tica tem vindo a acen­tuar-se e tende a as­sumir ex­pres­sões de enorme gra­vi­dade, para as quais todos os de­mo­cratas devem ser aler­tados.

Como se sabe, o PCP dis­tingue-se como a prin­cipal e mais con­se­quente força de com­bate à po­lí­tica de di­reita e por uma al­ter­na­tiva de es­querda as­sente nos va­lores da Re­vo­lução de Abril. E é essa ca­rac­te­rís­tica que faz dele o alvo pri­o­ri­tário dos ata­ques dos be­ne­fi­ciá­rios da po­lí­tica que, afas­tando-se a afron­tando Abril e os seus ideais de jus­tiça so­cial, de li­ber­dade, de fra­ter­ni­dade, de so­li­da­ri­e­dade, acentua a opressão e a ex­plo­ração da mai­oria por uma mi­noria de pri­vi­le­gi­ados.

Podem os pro­ta­go­nistas e os be­ne­fi­ciá­rios dessa po­lí­tica anti-Abril apre­sentar-se como cam­peões da «de­mo­cracia», da «li­ber­dade», dos «di­reitos hu­manos», da «mo­der­ni­dade», da «ci­da­dania» e de todas essas pa­ta­co­adas que, hoje, cons­ti­tuem o lin­guajar de toda a di­reita (e, cu­ri­o­sa­mente, de al­guns sec­tores da auto-in­ti­tu­lada «es­querda mo­derna»...); podem esses sau­do­sistas do pas­sado, tra­ves­tidos de de­mo­cratas com pa­tine, in­vocar os mais no­bres va­lores hu­manos para jus­ti­ficar a vi­o­lação desses mesmos va­lores; podem apre­sentar-se como por­ta­dores de um pro­jecto ino­vador e di­fundi-lo como tal, em si­mul­tâneo e pro­fu­sa­mente, em todos os prin­ci­pais ór­gãos ditos de in­for­mação; podem, por tudo isso, impor a men­tira como ver­dade du­rante algum tempo, mas não con­se­guirão der­rotar a ver­dade eter­na­mente.

A forma como, mais uma vez, foi me­no­ri­zada a reu­nião do Co­mité Cen­tral do PCP e o Co­mu­ni­cado nela apro­vado, é exem­plar de tudo o que acima se diz. O Co­mu­ni­cado pro­cede a uma aná­lise pro­funda sobre a si­tu­ação do País; de­monstra que a razão es­sen­cial dos pro­blemas que afectam a mai­oria dos por­tu­gueses ra­dica na po­lí­tica de di­reita e no seu con­teúdo; pro­cede ao des­mas­ca­ra­mento sério e ri­go­roso das contra-re­formas da Saúde, do En­sino, da Se­gu­rança So­cial; cla­ri­fica o sig­ni­fi­cado e as con­sequên­cias do vi­o­lento ataque aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores; con­dena a servil e sub­ser­vi­ente ati­tude do Go­verno Bar­roso/​Portas face à car­ni­fi­cina que o im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano se pre­para para levar a cabo no Iraque; con­firma que os tra­ba­lha­dores e o povo podem contar com o PCP – enfim, é um do­cu­mento que mostra e marca a di­fe­rença.

É essa di­fe­rença, essa sin­gu­la­ri­dade do PCP no quadro par­ti­dário na­ci­onal, que pre­o­cupa os pais, pa­dri­nhos e pro­pa­gan­distas da po­lí­tica de di­reita e aqueles que, fin­gindo-se po­si­ci­o­nados à es­querda (nal­guns casos, até, fin­gindo-se co­mu­nistas em versão re­no­vada), outra coisa não querem do que aceitar como bom – ou como mau, mas por­tador de in­gre­di­entes de bon­dade qb – o sis­tema do­mi­nante. E é a essa di­fe­rença que eles querem pôr termo. A exis­tência de um par­tido co­mu­nista (num tempo em que «o co­mu­nismo acabou»...); de um par­tido re­vo­lu­ci­o­nário (num tempo em que «as re­vo­lu­ções aca­baram»...), de um par­tido de es­querda (num tempo em que «as di­fe­renças entre es­querda e di­reita dei­xaram de fazer sen­tido»...) – a exis­tência de par­tidos co­mu­nistas, re­vo­lu­ci­o­ná­rios, de es­querda, de­sa­grada, in­co­moda, per­turba e pre­o­cupa os donos do Mundo e os seus ho­mens de mão. Acabar com eles é, pois, o seu ob­jec­tivo es­sen­cial. E todos os ca­mi­nhos lhes servem.

Daí a «lei dos par­tidos» que PSD e PS, em coro sín­crono de ob­jec­tivos e termos, se pre­param para fazer aprovar – uma lei que, a ser apro­vada, cons­ti­tuiria uma gra­vís­sima des­fi­gu­ração do re­gime de­mo­crá­tico-cons­ti­tu­ci­onal e cri­aria na vida po­lí­tica na­ci­onal uma si­tu­ação de con­fronto de con­tornos e con­sequên­cias im­pre­vi­sí­veis.

Vol­ta­remos a este tema. Ine­vi­ta­vel­mente.