Pela boca morre o peixe


Vem a invocação do popular provérbio a propósito do que Eduardo Prado Coelho pertinentemente anotou num texto de comentário sobre níveis de audiência entre canais de televisão e o eventual facto, elevado por alguns a feito épico, de a TVI ter pontualmente ultrapassado a RTP. Não é sobre regras de concorrência, viabilidade de métodos de audiometria ou significado atribuível ao facto que adiante se escreverá mas tão somente sobre a explicação avançada para o fenómeno pelo referido articulista.

Escreveu EPC: « ... Não há nada que ajude mais a uma ascenção do que fazer ruidosamente constar que se está em ascensão. Tal como não há nada que ajude mais à queda do concorrente do que espalhar que essa queda, mais cedo ou mais tarde, é inevitável.» Fala quem sabe: eis preto no branco, em poucas linhas, confessados e expostos os mecanismos de manipulação usados na criação e promoção de imagens. Pena é que o próprio nunca tenha reparado que aquilo que agora lucidamente observou como perverso na guerra dos media é o pão de cada dia no jogo, em que ele próprio não poucas vezes directamente participa, da criação artificial de correntes de opinião a favor de uns partidos e em prejuízo de outros. Desculpe-se a distracção e fixe-se o essencial.

Pelo que, à boleia desta oportuna e clarificadora afirmação - que não tendo o mérito de constituir descoberta de algo que se desconhecesse apresenta entretanto a vantagem de aparecer como confissão - se aproveita para chamar a atenção para a imensa a campanha em curso visando promover artificialmente algumas candidaturas e partidos. Não escapa a ninguém a invulgar cobertura e projecção mediáticas dadas à actividade do Partido Popular e a indisfarçável simpatia e enlevo com que a actividade do Bloco de Esquerda é acompanhada. Como não escapa a persistente campanha de silenciamento, de deturpação de posições e de permanente condenação a futuras e inevitáveis quebras eleitorais que, em simultâneo, de desenvolve sobre o PCP e a CDU.

É o vale-tudo neste labor de alguns para simular ascensões e quebras eleitorais: desde o repetido recurso à divulgação de sondagens por medida, até ao novo jogo da bolsa política vendido aos mais distraídos como dose diária de sondagem, passando pelos mais refinados artigos de opinião e pelo desproporcionado espaço que cada um encontra na comunicação social.

E em matéria de «fazer ruidosamente constar que se está em ascensão», Paulo Portas não tem, faça-se justiça, concorrência à altura. Mesmo que para o efeito tenha de, ininterruptamente, ordenhar, mentir, beijar, inventar.
E se para o alegado êxito conjuntural da TVI pode, como alguns sustentam, ter concorrido o recurso a programas do nível do «Ratinho» ou da «Justiceira» o que se pode dizer é que Portas, na procura de êxito e ascensão fácil, tem trazido à cena política elementos de figuração que fazem das referidas produções televisivas, importadas do Brasil, inocentes programas de entretenimento. Num estilo que ameaça levar por água abaixo toda aquela auréola moralista e de bons costumes que andou a espalhar na semana de campanha sobre os valores da família.— Jorge Cordeiro


«Avante!» Nº 1343 - 26.Agosto.1999