A
Talhe de Foice
Fantasmas
Nada melhor do que
eleições à porta para agitar o Verão. Este ano, por razões
que a razão desconhece, os fantasmas inspiraram as costumeiras
hostes em contenda. Das viagens fantasmas de alguns deputados da
Nação à onda fantasma do Algarve, passando pelas obras
fantasmas do Governo e pelas não menos fantasmagóricas
promessas de Portas e Durão, eles próprios dois dirigentes
fantasmas a tentar convencer o eleitorado que existem, tem
aparecido de tudo um pouco.
Dir-se-ia que nada mais haveria a inventar nesta matéria de
coisas do outro mundo, mas eis senão quando o turbulento
ministro Jorge Coelho, prestando jus à sua fama de bombeiro do
executivo, cometeu um verdadeiro desarrincanço inventando uns
polícias fantasmas.
Tudo aconteceu na noite de segunda-feira, na SIC, onde o ministro
abriu um alegado período de esclarecimento eleitoral. Sem se
atrapalhar com as questões do jornalista, com aquele ar
entusiasmado e convicto do «eu seja ceguinho se...», o ministro
dissertou sobre o mundo virtual da governação e fez repetidas
incursões no caminho ainda mais virtual da maioria absoluta onde
aparentemente residem as igualmente virtuais soluções para
todos os problemas do país.
Até aqui nada de novo. O golpe de mestre surgiu quando veio à
liça a questão de Barrancos, mais os touros de morte, mais as
providências cautelares, mais o papel das forças policiais na
resolução do imbróglio.
Sem cair na tentação de invectivar os magistrados que entre
outras coisas declararam as festas de Barrancos uma ameaça à
unidade e segurança do Estado, proibiram a venda de bilhetes
para a festa, a circulação e guarda de touros, a montagem de
bancadas, etc., etc., etc., o ministro voltou a lembrar o
princípio básico de que uma intervenção não deve provocar
danos superiores aos que se pretende evitar - uma tese que não
agradará à NATO mas que merece todo o nosso aplauso -, e
garantiu que tal como no ano passado a GNR cumprirá o seu dever.
Como? De forma muito simples: verificando in loco se estão a ser
cumpridas as deliberações dos tribunais; caso tal não suceda,
deslocando-se ao tribunal mais próximo a dar conta da
ocorrência; aguardando que o tribunal nomeie um seu
representante legal para exigir o cumprimento das decisões
tomadas; acompanhando ao local da infracção esse representante;
apoiando o representante do tribunal na exigência de reposição
da legalidade. Obviamente sem o recurso à força, que não é
esse o papel dos agentes da autoridade, muito menos quando se
trata de populações grosso modo cumpridoras dos seus deveres e
não de malfeitores.
Brilhante, verdadeiramente brilhante. Aconselha-se mesmo as
organizações sindicais a reproduzir a explanação do ministro
e a distribuí-la pelos seus associados. Da próxima vez que numa
manifestação de trabalhadores, seja à porta da empresa ou do
primeiro-ministro, um agente da ordem mais agressivo pretenda
fazer uso da força, o trabalhador só terá que lhe recordar as
preclaras declarações do ministro. Se o polícia não se
desvanecer e a carga do bastão for bem real, então é porque,
mesmo sendo um agente de Jorge Coelho, não estamos em período
eleitoral. Anabela Fino