Massacre de
Carajás
Absolvição
de oficiais
envergonha o Brasil
Uma
«vergonha nacional», é como o Movimento dos Sem Terra (MST)
classifica a absolvição dos três oficiais da Polícia Militar
brasileira que em 1996 comandaram o massacre do Eldorado do
Carajás, em que perderam a vida 19 pessoas e outras 69 ficaram
gravemente feridas.
Uma vergonha acrescida com a decisão do juiz Ronaldo Valle, que
preside ao tribunal que julga o caso, de suspender o processo
contra os restantes 147 agentes que participaram no massacre.
O julgamento
polícias militares implicados no massacre começou por ser
justamente considerado o mais importante da história do Brasil,
já que dos 400 assassinatos de camponeses cometidos entre 1987 e
1996 apenas seis tinham chegado até à data à barra dos
tribunais. A expectativa que no passado dia 16 rodeou a abertura
das sessões, na sala magna da Universidade da Amazónia de
Belém, no Estado de Pará, foi grande, mas bastaram três dias
para que a esperança de ver feita justiça cedesse lugar à mais
profunda indignação.
Alegando «insuficiência de provas», o tribunal absolveu o
coronel Mário Pantoja, o tenente José Maria Oliveira e o
capitão Raimundo Almendra.
Aos gritos de «assassinos!, assassinos!», familiares das
vítimas e membros do MST fizeram ouvir o seu protesto,
denunciando ao mundo que continua na ordem do dia a impunidade
dos crimes das chamadas forças de segurança.
«É uma vergonha nacional. De agora em diante o juiz será
responsável por novas mortes dos Sem Terra», afirmou o
responsável nacional do MST, João Pedro Stédile, assim que foi
conhecida a decisão do tribunal.
O MST pediu de imediato a anulação da sentença e propõe-se
levar a cabo manifestações de protesto em todas as cidades do
país, incluindo com a ocupação de tribunais. Os responsáveis
do Movimento, acompanhados de deputados dos partidos da
oposição, foram entretanto recebidos pelo ministro da Justiça,
José Carlos Dias, que colocou a hipótese de a sentença «ser
fruto de um equívoco».
Equívoco ou não, o MST, não baixa os braços e propõe-se
prosseguir a luta, que deverá culminar com uma mega
manifestação a 12 de Outubro, data prevista para a chegada a
Brasília da marcha dos mil camponeses do MST iniciada em Julho
no Rio de Janeiro para protestar contra a política do Governo.
Espera-se que quando chegar à capital a marcha integre já mais
de 100 mil manifestantes.
Testemunhos ignorados
De acordo com as
informações vindas a público, a absolvição ditada pelos 189
jurados que apreciam o caso do massacre do Eldorado do Carajás
baseou-se essencialmente na interpretação de um vídeo dos
acontecimentos. Segundo o jurado Silvio Queiroz, que violou o
segredo de voto, a carga policial que levou ao massacre teria
sido provocada pelo disparo de vários tiros de metralhadora
efectuado por um camponês. De nada serviu o testemunho do
jornalista Osvaldo Araujo, autor do vídeo, afirmando que os
tiros partiram do lado da polícia militar, nem o facto de ele
próprio ter sido detido e o filme apreendido. Tampouco foi tida
em conta a afirmação do jornalista de que viu os polícias
entrarem várias vezes num autocarro para recarregarem as armas.
Também de nada serviu a declaração do camionista Pedro Alípio
da Silva, afirmando ter ouvido o coronel Pantoja: dizer «missão
cumprida, ninguém viu nada, vamos ficar de boca calada». Ou
ainda o facto de o próprio responsável da Polícia Militar do
Estado de Pará, coronel Fabiano Lopes, ter testemunhado contra
Pantoja, afirmando que este «mentiu desde o princípio». No seu
depoimento, Lopes afirmou que Pantoja recebeu instruções
precisas para negociar com os Sem-Terra, antes de recorrer à
força, e desmentiu que Pantoja lhe tivesse comunicado não ter
condições técnicas e humanas para levar a cabo a operação de
desobstrução da estrada bloqueada pelo MST. Fabiano Lopes
afirmou ainda que só ao fim do dia (17 de Abril) teve
conhecimento da amplitude da tragédia, pois durante várias
horas o coronel Pantoja teria procurado ocultar o número
efectivo de vítimas mortais e de feridos.
Nenhum dos testemunhos foi tido em conta pelo tribunal, o que
põe em causa a sua idoneidade.
Assim o considerou o Ministério Público, que pediu a anulação
da sentença e a criação de um novo tribunal para julgar os
oficiais. Ao mesmo tempo, o ministro da Reforma Agrária, Raúl
Jungmann, afirmava que o «Brasil não pode carregar na sua
consciência os 19 mortos mortos da Carajás».
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Consciência
O Presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, reagiu à absolvição dos três oficiais dizendo lamentar «que o Brasil ainda não tenha tomado consciência, no conjunto da sua sociedade, que a impunidade, ou a sensação de impunidade, prejudica e impede a consolidação da democracia». Belas palavras, que um dia talvez se apliquem ao próprio Henrique Cardoso. De acordo com as últimas sondagens divulgadas pela «Vox Populi», 59 por cento dos brasileiros considera a actuação de Henrique Cardoso como presidente é «má» ou «péssima», o que o coloca abaixo até do nível atingido por Collor de Melo durante o seu «impedimento» (55 por cento de rejeição).