CGTP exige moralização
A precariedade cresce impune


Os sindicatos denunciam os abusos, a fiscalização não actua eficazmente, as sanções são raras e leves, o Governo dá o mau exemplo, o patronato aproveita para retirar direitos e agravar a exploração dos trabalhadores. O retrato do emprego precário está feito, em números oficiais recentes, e a CGTP-IN exige responsabilidades e medidas urgentes.

«Este é um combate difícil, mas a precariedade é um problema grave que não podemos silenciar» - diz Maria do Carmo Tavares, da Comissão Executiva da CGTP, que na semana passada deu voz ao protesto e às reivindicações da central, em conferência de imprensa, depois de analisados os números do INE (ver caixa), e a quem solicitámos um comentário mais desenvolvido.
Nos últimos anos, tal como mostram os dados referentes a 1998 e 1999, o trabalho precário está a aumentar. As empresas não respeitam os limites previstos na lei, os sindicatos denunciam as irregularidades, mas o poder político dá cobertura a este comportamento do patronato. A fiscalização não é feita devidamente, a justiça é morosa, a relação de forças nas empresas coloca os trabalhadores em posições de grande fragilidade, as punições às empresas incumpridoras são insignificantes.
As reivindicações da CGTP são dirigidas ao Governo e ao patronato, mas Maria do Carmo Tavares acentua a necessidade de «travar esta batalha nas empresas», denunciando os casos de abuso e de ilegalidade e procurando consciencializar os trabalhadores. A proximidade das eleições legislativas não é, naturalmente, ignorada, e o combate à precariedade é inserido no esforço da central para que os temas do emprego e da qualidade do emprego, dos salários e dos horários, também sejam devidamente abordados no período pré-eleitoral pelos partidos, sobretudo pelos que têm responsabilidades nas políticas que conduziram à actual situação.
A dirigente da Intersindical nota que, até agora, PSD e PP mostram-se exclusivamente preocupados em falar das pensões mínimas, o que também se prende com a precariedade, pois querem acalmar os trabalhadores precários, dizendo-lhes desde já que há-de ficar garantido, na idade de reforma, um valor mínimo de sobrevivência e que até não haverá nenhum perigo por hoje não serem feitos todos os descontos para a Segurança Social.
O PS mantém um preocupante silêncio. A esta posição do partido do Governo não será alheio o facto, referido por Maria do Carmo, ao apontar as origens da precariedade agravada: tudo isto começou a desenhar-se há duas décadas, com a aprovação dos contratos a prazo, por um governo do PS. Depois da explosão dos contratos a prazo, o patronato foi descobrindo novas formas de desregulamentação, para nem sequer ficar obrigado a cumprir o contrato a prazo. E alastram, sem qualquer respeito pelas leis e sem a devida fiscalização, a prestação de serviços, os empresários em nome individual, o trabalho temporário...
Por outro lado, na Administração Pública, o Governo dá um mau exemplo. Fruto da luta sindical, passaram a efectivos milhares de funcionários que estavam indevidamente com recibos verdes; mas todos os dias continuam a ser recrutados trabalhadores com vínculos precários. Só na Educação e na Saúde, já há 20 mil novos trabalhadores precários.

A bem do patrão

Apesar de ser admitida legalmente para situações excepcionais (acréscimo de trabalho, substituição temporária de pessoal, etc.), a precariedade do emprego tem servido sobretudo para retirar direitos aos trabalhadores e para diminuir os custos do trabalho. Ao sublinhar este resultado, Maria do Carmo Tavares refere que, enquanto aumenta a precariedade de emprego, agrava-se a favor do capital a desigualdade na distribuição da riqueza nacional.
Na indústria, o aumento do trabalho precário nos últimos anos tem a ver com a saída de uma massa de trabalhadores efectivos e, até, com uma substituição de mão-de-obra. Para reduzirem os custos, as entidades patronais substituíram efectivos por trabalhadores precários. Muitas empresas voltaram mesmo a recrutar, com vínculo precário, trabalhadores que estavam efectivos e a quem propuseram a rescisão dos contratos.
O maior crescimento da precariedade, como já se previa há alguns anos, deu-se nos serviços, em especial nos hipermercados e centros comerciais, e também na hotelaria. É também nestes sectores que tem crescido mais o emprego.
Mas a precariedade não é sinal de crescimento ou progresso, antes é sinal de empobrecimento dos trabalhadores. Em valores líquidos, até há quem obtenha uma remuneração maior numa situação de precariedade de emprego, reconhece a dirigente da CGTP. Mas à custa de quê? Os descontos para a Segurança Social e para o Fisco não são feitos ou são feitos pelos valores mínimos; os horários de trabalho são prolongados muito para além dos limites legais ou contratuais, mesmo com risco da saúde e da segurança dos trabalhadores. Em que condições fica uma pessoa que, depois de cumprir oito horas de trabalho na Iglo, faz logo de seguida mais oito horas na Fima, que fica ao lado e pertence ao mesmo grupo Jerónimo Martins?
O patronato tem graves responsabilidades, quando só oferece emprego nestas condições. Mas o aumento da precariedade, diz Maria do Carmo, também tem a ver com alguma falta de indignação das pessoas e, até, de reflexão e consciencialização sobre o que representa o emprego precário para os trabalhadores, para as empresas e para a sociedade.
A grande precariedade de emprego gera brechas profundas na solidariedade entre trabalhadores e nas organizações representativas. E é outra vez o patronato que fica a lucrar.


Quem são as vítimas
do emprego precário

Segundo os números do Inquérito ao Emprego, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística, citados pela CGTP-IN, havia no final de Junho deste ano 626 mil trabalhadores por conta de outrem com contratos não permanentes, correspondendo a 18,7 por cento da mão-de-obra assalariada. Um ano antes, havia 560 mil trabalhadores sem vínculo permanente, correspondendo a 16,9 por cento do total.

Mais de 60 por cento (382 mil) destes trabalhadores com vínculos precários estavam em empresas do sector de serviços. Na indústria, comércio, energia e água laboravam quase 217 mil.

A maior parte dos contratos não permanentes correspondia a contratos a prazo (443,5 mil). Destes, mais de 169 mil eram contratos com duração superior a 2 anos, enquanto 260 mil trabalhadores estavam com contratos entre 3 e 12 meses (133 mil entre 3 e 6 meses; 127,2 mil com contratos de 7 a 12 meses).

As categorias profissionais com mais contratos não permanentes são os trabalhadores não qualificados (132,6 mil), os operários artífices e trabalhadores similares (129,1 mil) e o pessoal dos serviços e vendedores (112,6 mil).

No escalão etário entre os 20 e os 29 anos havia 294 mil trabalhadores com contratos não permanentes. A maior percentagem, relativamente ao número de trabalhadores de cada escalão, ultrapassava os 42 por cento e verificava-se entre os 15 e os 19 anos (de 142,7 mil trabalhadores, havia 60,3 mil com contrato não permanente).

Em relação a estes dois últimos critérios, os números do INE referem-se ao primeiro trimestre de 1999, quando estavam contabilizados 607 mil trabalhadores sem contrato permanente.


«Avante!» Nº 1343 - 26.Agosto.1999