À esquina dos factos
O editorialista do «Diário de Notícias» de 23 de Agosto, num texto intitulado «O PCP na esquina da História», debruça-se sobre o desastre que, segundo ele, atingiria o PCP no caso de eventual obtenção pelo PS de uma maioria absoluta nas próximas eleições. A dado momento, mergulha assim: «De facto, um avanço e consolidação do poder do PS, sem necessidade de suporte parlamentar para a formação de maiorias, reduz a zero, para os próximos tempos, as expectativas de influência real do PCP na vida portuguesa». Quer isto dizer que, na opinião submersa do comentarista, o objectivo e o futuro do PCP se polarizam, in extremis, no sonho de vir a ser «suporte parlamentar» do PS ou, postas as coisas de forma ainda mais divertida: a «influência real do PCP na vida portuguesa» depende, não do PCP da sua força, da sua capacidade, do seu projecto, da sua expressão social, eleitoral e política mas, vejam bem!, das fraquezas ou das forças do PS... E é seguindo pelo mesmo carreiro de inteligenciação que o comentarista conclui, triunfante, que a não obtenção, pelo PS, da maioria absoluta, é «muito mais importante (para o PCP) do que o seu próprio resultado eleitoral». Isto porque, descobre o analista já quase sem fôlego, a maioria absoluta, para além de inviabilizar o tal «suporte parlamentar», consumaria a derrota do PCP e a vitória do PS na «luta pela liderança da esquerda». Antes disso, e para bem cumprir a tarefa que é sua, o editorialista não se dispensa de produzir o inevitável gesto de carinho e simpatia, o repetido elogio às repetidas qualidades do Bloco de Esquerda, cuja «irreverência e criatividade» contrastariam com aquilo a que ele, na sua original e pitoresca linguagem, chama o «cinzentismo institucional do PCP».
Há nesta análise uma flagrante baralhação. E
mesmo admitindo generosamente que, na menos má das hipóteses,
tal baralhação decorre de incapacidades naturais do analista
para perceber o PCP e o seu papel singular no quadro partidário
nacional e que, complementarmente, lhe é impossível
detectar a convergência dos restantes partidos no que toca
àquilo que é essencial vale a pena, apesar de tudo,
insistir na separação do trigo do joio. .
Quer queiram quer não queiram os comentadores que oficial ou
oficiosamente colocam as suas penas e os seus talentos ao
serviço do PS e da sua política, a importância e a influência
do PCP na vida nacional é uma realidade, um dado adquirido por
efeito de um conjunto diversificado de factores do qual emerge o
facto de o PCP ser o único grande partido nacional a opor-se e a
combater a política de direita (seja ela praticada pelo PS ou
pelo PSD, com maioria absoluta ou sem ela) e a protagonizar uma
política alternativa de esquerda. È óbvio que uma eventual
maioria absoluta facilitaria a vida ao PS na aplicação da sua
política, sendo essa a razão pela qual o PCP, enquanto grande
partido da Esquerda, luta contra essa eventualidade e
quando afirmamos que não há qualquer hipótese de, destas
eleições, sair um governo PSD, estamos tão sómente a adiantar
uma verdade generalizadamente aceite como evidente. É igualmente
óbvio que quanto mais expressiva for a votação na CDU, quantos
mais deputados comunistas forem eleitos, melhores serão as
condições para prosseguir o combate à política de direita. E
é certo e seguro que seja qual for o resultado eleitoral o PCP
continuará a ser o único partido a combater a política que
corresponde aos interesses comuns do PS, do PSD e do PP e a
bater-se por uma política de esquerda.
Quer isto dizer, em suma, que o voto na CDU é um voto que vale
por três: por um lado, dá força à luta contra a política de
direita; por outro lado, reforça a ideia de uma política de
esquerda; finalmente, é decisivo para impedir que o poder
absoluto caia nas mãos ávidas do PS, com todos os perigos que
isso comportaria.
Os folclóricos duelos travados entre o PS e o PSD,
hilariantemente verberados pelo PP, não têm outro objectivo que
não seja o de pretender convencer o eleitorado de que cada um
destes partidos tem o seu projecto de governo e de política,
diferentes, cada qual melhor do que o outro. Sabe qualquer
cidadão informado, no entanto, que não é isso que se passa: os
dez anos de cavaquismo e os quatro anos de guterrismo para
não irmos mais longe permitem ver, a olho nu, a total
convergência dos dois partidos em tudo quanto é essencial. A
tentativa de projectar o PS como partido de esquerda, e até,
pasme-se outra vez!, em luta com o PCP pela «liderança da
esquerda» é, no mínimo, ridícula. Imagine-se as gargalhadas
que tal tese proporcionará aos chefes dos grandes grupos
económicos que não se têm cansado de aplaudir a política
levada a cabo pelo PS e que tão bem tem servido os seus
interesses.
Outra linha de confusionismo em curso é a que decorre da
intervenção do PP nesta campanha: acompanhado a par e passo por
toda a comunicação social dominante que lhe concede
generosamente todo o tempo e todo o espaço de que necessita para
vender o seu «peixe podre» como se fresco fosse, Paulo Portas
exibe-se, despudoradamente, como o defensor dos humilhados e
ofendidos, dos reformados, das mulheres, da família. E
curiosamente nenhum dos muitos jornalistas que compõem o seu
séquito lhe perguntou, ainda, por que é que o PP, na Assembleia
da República, votou contra, por exemplo, propostas do PCP
visando a actualização das pensões mais degradadas da função
pública e o aumento extraordinário de 3 mil escudos para as
pensões mínimas da segurança social; visando a reposição nos
62 anos da idade de reforma das mulheres; visando a garantia de
melhores condições para os pais acompanharem a vida escolar dos
seus filhos; visando alterar o regime dos despedimentos
colectivos, ou seja, por que é que o PP votou contra tudo o que
agora anda a prometer para caçar votos dos incautos.
É necessário ainda traduzir em exemplos
concretos o tal «cinzentismo institucional do PCP» de que fala
o supra citado editorialista. Como pode ler-se na prestação de
contas dos deputados da CDU, «com apenas 13 deputados (5,6% do
total), o PCP foi o partido que apresentou mais projectos de lei
(32% do total). Considerando em conjunto o trabalho dos grupos
parlamentares do PCP e do PEV, pode dizer-se que os 15 deputados
eleitos pela CDU apresentaram 36% dos projectos, a larga
distância do PS e do PSD que tinham respectivamente 112 e 88
deputados». Trata-se de dados concretos, indesmentíveis,
irrefutáveis. Trata-se de exemplos flagrantes da superior
quantidade de trabalho desenvolvido pelos eleitos da CDU - e
também da superior qualidade se se tiver em conta que os
deputados da CDU estão ligados a todas as medidas positivas
tomadas na Assembleia da República e estiveram contra todas as
decisões negativas dali emanadas.
Factos são factos. E só quem opte por situar-se à esquina dos
factos é que pode ignorar esta realidade.