CRÓNICA
Espertezas
Escrevemos não há muito, nesta coluna,
que, na corrida desenfreada para as eleições em que estão
lançados os partidos que partilham entre si a política de
direita, o PS não precisava de grande esforço de propaganda. O
Governo substituía o partido, com todas as vantagens. De facto,
quanto mais vale a voz e a «aparição» de um ministro a
divulgar os milagres do «bem-estar» alcançado? Centradas como
sempre na questão do governo e do primeiro ministro e menos na
das políticas a concretizar e muito menos ainda nos nomes e
capacidades dos candidatos a propor aos eleitores, as
legislativas - arredados os comunistas para um secundaríssimo
plano pelos grandes meios de comunicação social - poderiam
parecer, aos olhos do cidadão comum, uma feira, um arraial, a
servir de arena aos desmandos verbais dos contendores. Entre
beijos e bailinhos, estala o verniz engravatado dos candidatos,
que se insultam e ameaçam, usando do vocabulário mais baixo de
que são capazes. E são capazes de descer bem fundo.
A descida de nível da «argumentação» partidária tem uma
razão muito concreta. É que não há - entre eles - ideias para
debater, propostas a discutir, políticas a propor. Tudo, no
fundamental, está assente entre eles. O próprio método e
estilos se aproximam. Resta, para tentarem estabelecer a
diferença, acusarem-se das próprias maldades, arremessando-as
ao adversário. E gabarem-se de feitos que, em grande medida,
são obra alheia. O PS, que vem prosseguindo com fervor a
política que Cavaco Silva comandou com o PSD - continuando a
merecer elogios por parte do grande patronato - faz estardalhaço
de inaugurações que o PSD se reclama, com alguma razão, de ter
sido o lançador. O PSD que, durante quatro anos, manifestou
grandes dificuldades na crítica ao governo socialista por ser
patente a obra de continuidade seguida por Guterres, não tem
mais do que atribuir-se os louros da estrada ou da ponte cujos
caboucos haviam sido abertos pelos sociais-democratas. Gritando
de feira em feira, com os telejornais na peugada, o PP zurze uns
e outros, a esconder o seu acordo essencial com ambos. A questão
fundamental, para os três, é quem se senta, e com quem, nas
bancadas da Assembleia e quem vai arranjar lugar no executivo que
dali sair.
Entretanto, nesta difícil contenda, a procura de artifícios que
possam dar alguma credibilidade à «argumentação» de cada um
tem vindo a absorver, parece, grande energia por parte dos
arquitectos das campanhas do PS e do PSD. Mas se surgem
rebuscadas algumas formas de estas virem a lume, não deixa de se
notar que se trata, no fundamental, de receitas requentadas que,
no entanto, têm dado as suas provas em campanhas anteriores.
O frouxo desempenho de Durão Barroso não teria, de facto,
qualquer retumbância sem o escândalo madeirense. Apesar de
surgir sob a asa trauliteira de João Jardim e da grosseira verve
do tiranete das ilhas, o reboque oferecido não foi de
menosprezar, se se tiver em consideração o porfiado esforço,
desenvolvido pelo poder reinante, em transformar o País e a
opinião pública numa massa de espectadores de big-shows-sic,
em que o que está a dar é o nivelamento por baixo. Outra
ajuda a Barroso foi oferecida pelo ressurgir - no sentido
fantasmático de ressurreição - da poeirenta figura de Cavaco
Silva. As más línguas hão-de dizer por aí que, se não fora a
pressa revelada por Balsemão na corrida para Belém, Cavaco se
teria abstido de aparecer. Mas ninguém lhe negará o sentido de
humor com que invectivou o PS que se limita a estabelecer
calendários para futuros mais ou menos longínquos, atirando
para as «calendas» do próximo milénio as obras que já deviam
estar feitas.
É de cimento gordo que vai continuar a falar-se. Emprego,
saúde, habitação, educação, cultura? Certamente haverá por
aí uma roda-viva de ministros a dizer que há que chegue para
todos e de outros a jurar que fariam melhor dentro da mesma
política de direita. Mas que haverá de melhor que um comboio
pendular, mesmo que a linha seja a mesma? Ou que uma linha à
espera de comboios para atravessar o Tejo com preços que, «mais
tarde» hão ser «corrigidos» pela inflação? Ou que uma boa
obra de estrada para toda a gente ver a caminho do Algarve? Para
o Partido Socialista, nem são precisos cartazes pagos e a
incluir nas despesas de campanha. As inaugurações são oficiais
e, por acaso, todas a colaborar nas datas, ao aproximar-se
Outubro. Há dias, sem gastar um tusto, o PS, cheio de esperteza,
fez a si próprio o favor de, através do Governo, propagandear a
obra. Feita e a fazer. Lançada e projectada. Uma cara brochura,
editada em não se sabe quantos exemplares pelo Instituto das
Estradas de Portugal, do ministério do mesmo Cravinho, e
distribuída gratuitamente junto com um jornal diário, dava ao
leitor a conhecer o grandioso feito governamental.
Se isto não é propaganda eleitoral às custas do Estado...
Leandro Martins