CHIPRE
Branco é....


Há 25 anos a República de Chipre, que em 1960 conquistara a independência do império britânico, foi brutalmente agredida pela Grécia e pela Turquia, em duas operações só aparentemente opostas, porque havia dos dois lados, na sombra, um mesmo denominador comum: os EUA.

O golpe fascista dos «coronéis negros» na Grécia, em 1967, esteve intimamente ligado ao Departamento de Estado, Pentágono e CIA, tal como depois o golpe que os «coronéis negros» levaram a cabo em Chipre, a 15 de Julho de 1974, derrubando o Presidente eleito, Arcebispo Makários, um firme e destacado promotor do Movimento dos Não-Alinhados. Notícias sobre o recente falecimento do chefe dos «coronéis negros», Papadoupolos, relembram justamente essas ligações sombrias. Nessa época, a propaganda norte-americana acusava Makários de ser um «Castro de sotaina» e Chipre de ser «a Cuba do Mediterrâneo»...
Por outro lado, a invasão de Chipre pela Turquia, logo 5 dias depois, foi ordenada pelo então (e agora) primeiro - ministro Bulent Ecevit. Aparentemente para se opor à Grécia, realmente para ocupar e colonizar Chipre. Ora também a Turquia era já então uma praça-forte do domínio dos EUA na região geoestratégica do Próximo Oriente. Ecevit não agiu à revelia dos EUA, mas certamente por sua encomenda. Dois golpes são mais seguros que um só - como se comprovou, aliás...

Apesar das repetidas resoluções da ONU para restabelecer a integridade de Chipre e a retirada das tropas turcas, 25 anos depois Chipre continua dividido, com 37% do seu território ocupado por cerca de 30.000 soldados turcos e importantes bases militares. A criação de um fantoche «Estado Turco do Norte de Chipre» que só Ancara reconhece; «a limpeza étnica» resultante da expulsão de quase 200.000 cipriotas-gregos que aí habitavam e a «importação» de cerca de 80.000 colonos turcos vindos do interior da Anatólia; a divisão física pela famigerada «linha verde» de arame farpado, que inclusive corta em duas a própria capital Nicosia - aí estão ainda hoje a testemunhar o crime sem castigo e o atentado prolongado ao direito internacional e ao direito à livre determinação de um povo, à integridade da sua soberania.

As repetidas (intermitentes) negociações para a solução do problema de Chipre tem todas falhado porque o «presidente» da «RTNC», Denktash, com costas quentes em Ancara, se recusa a aceitar a existência de uma única República de Chipre, federal, bi-zonal e bi-comunal, que desde início a ONU determinara e a esmagadora maioria da população aceita. Com o pedido de adesão de Chipre à União Europeia, julgou-se que isso iria facilitar essa solução. Só que a Turquia, que também aspira a entrar na União Europeia, apoia Denktash a não aceitar a solução da ONU. Novas negociações se anunciam para o Outono e os EUA pretendem ser o artífice da sua «solução». Impondo o figurino de umas «conversações estilo Dayton» (The Economist, 24.7.99), onde a U.E. aceitaria a Turquia como membro, para que Chipre (confederação de dois Estados independentes, como exige Denktash, ou frouxa federação, como pensam que Chipre seria forçado a aceitar) também pudesse entrar na U.E.. Tudo isto levando à saída dos «capacetes azuis» da ONU que estão em Chipre e, claro, à implantação na ilha de uma força da NATO. Os «cozinhados» do Tio Sam, com a ajuda dos seus auxiliares europeus... E reconfortada a «democrática» Turquia, que se poderia dedicar apenas à repressão aos democratas turcos e à guerra aos curdos.

A falta de escrúpulos e transparência com que se continua a pretender «resolver» o problema de Chipre, tripudiando as resoluções da ONU, leva o seu Presidente Glafcos Clérides, em entrevista ao El Mundo (18.07.99) a exclamar: «Ninguém cumpre as suas promessas com Chipre». E a dizer o óbvio: «O verdadeiro motivo por detrás do problema cipriota chama-se Ancara, que tem demasiado interesse estratégico para os Estados Unidos». Clérides não é, longe disso, um político de esquerda. Mas até para ele branco é, galinha o põe. Carlos Aboim Inglez


«Avante!» Nº 1340 - 5.Agosto.1999