Demanda
do povo de Cuba
contra o governo dos EUA (2)
Os
fundamentos da acção judicial interposta por organizações
cubanas contra o governo dos Estados Unidos da América, cuja
publicação iniciámos no último numero, têm na famosa
tentativa de invasão da Baía dos Porcos, a 17 de Abril de 1961,
um dos seus máximos expoentes. Iniciada pela administração do
presidente Eisenhower e prosseguida pelas administrações dos
presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson, a agressão a Cuba
assumiu nesses dias proporções que afectaram toda a sociedade.
O elevado preço em vidas humanas, sofrimentos e destruições
que a aventura norte-americana custou ao povo de Cuba não foi
esquecido, apesar da estrondosa derrota militar e política
infringida aos EUA. A memória continua viva, como atestam as
alegações da Demanda que a seguir se retomam.
Importantes grupos
contra-revolucionários foram criados nas províncias de Pinar
del Rio, Havana, Matanzas, Camagüey e Oriente. Foi na província
de Pinar del Rio que se organizou o primeiro grupo, dirigido por
Luís Lara Crespo, ex-cabo do exército da tirania batista e
foragido à justiça revolucionária pelos seus crimes. Foi
precisamente nesta província que assassinaram o soldado do
Exército Rebelde, Manuel Cordero Rodriguez, durante as acções
contra um grupo de bandidos comandados pelos cidadãos
norte-americanos Austin Young e Peter John Lambton, capturados
junto com o resto do bando, tendo sido apreendidos os seus
armamentos fornecidos pelos Estados Unidos.
A estes grupos mercenários sucederam-se outros, como os de Pedro
Román Trujillo, na região do Escambray, e Olegario Charlot
Pileta, na antiga província de Oriente, os primeiros grupos
criados nessas províncias.
De imediato, face a estas manifestações de crescente agressão
dirigida pelo Governo dos Estados Unidos, o povo cubano,
organizado nas suas instituições de defesa e segurança e nas
suas organizações revolucionárias, mobilizou-se activa e
resolutamente e, escrevendo páginas de heroísmo e sacrifício,
infringiu ao inimigo importantes derrotas, capturando ou
desarticulando a maioria dos bandos.
Esta realidade não foi correctamente avaliada pela CIA, que
supunha contar com o apoio destas forças ao levar a cabo a
invasão mercenária. Assim, persistiu nos seus planos de guerra
suja mesmo depois da histórica derrota. Sob as administrações
dos presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson multiplicou os seus
esforços no mesmo sentido e novamente apareceram os bandos, que
cobraram um preço adicional de sangue e de vidas ao nosso povo.
A inquestionável veracidade histórica destes acontecimentos e o
cinismo e as mentiras que invariavelmente acompanharam todas as
acções dos Estados Unidos contra Cuba, são confirmados pelos
próprios documentos da época emitidos pelos que traçavam a
política de agressão e subversão contra Cuba.
Neste âmbito, é elucidativo que, em 17 de Março de 1960,
durante uma reunião em que participaram o vice-presidente
Richard Nixon, o secretário de Estado Christian Herter, o
secretário do Tesouro Robert Anderson, o secretário adjunto da
Defesa John Irwin, o subsecretário de Estado Livington Merchant,
o secretário de Estado adjunto Roy Rubottom, o almirante Arleigh
Burke do Estado Maior Conjunto, o director da CIA Allen Dulles,
os altos oficiais da CIA Richard Bisell e J. C. King, e os
funcionários da Casa Branca Gordon Gray e o general Andrew
Goodpaster, o Presidente dos Estados Unidos tenha aprovado o
chamado «Programa de Acção Encoberta contra o Regime de
Castro», proposto pela CIA, no qual, entre outras coisas, se
autorizava a criação de uma organização secreta de espionagem
e de acção em Cuba, para a qual seriam canalizados os fundos
necessários.
Num memorando recentemente revelado sobre a referida reunião, o
general Goodpaster anotou: «O Presidente disse que não conhecia
um plano melhor para tratar esta situação. O problema é a
falta de segurança. Todos devem estar dispostos a jurar que ele
(Eisenhower) não sabe nada disto. (...) Disse que as nossas
mãos não devem aparecer em nada do que se faça».
Uma das maiores obras humanitárias e de justiça social
realizadas no nosso país, que recebeu o reconhecimento do povo e
a admiração e o respeito do mundo, foi a educação. Em 1961
levou-se a cabo a campanha de alfabetização, em que se
integraram quase 100.000 estudantes, que se deslocaram até aos
locais mais recônditos do nosso país para ensinar as
populações a ler e a escrever. Paralelamente, a CIA orientou os
seus bandos para semearem o terror e sabotarem a campanha,
levando a cabo acções criminosas contra os adolescentes e os
jovens alfabetizadores, e contra os camponeses que aprendiam a
ler e a escrever.
Em 5 de Janeiro de 1961 foram assassinados o professor
voluntário Conrado Benítez García e o camponês Eliodoro
Rodríguez Linares, em Las Tinajitas, San Ambrosio, Trinidad,
Sancti Spíritus. Nesta acção participaram os bandidos Macario
Quintana Carrero, Julio Emilio Carretero Escajadillo e Ruperto
Ulacia Montelier, membros do bando de Osvaldo Ramírez Garcia.
Em 3 de Outubro desse mesmo ano foi assassinado o
professor Delfín Sem Cedré, na quinta Novoa, Quemado de
Güines, Las Villas, pelo bando de Margarito Lanza Flórez.
Em 26 de Novembro de 1961 foram assassinados o jovem
alfabetizador Manuel Ascunce Domenech e o camponês Pedro
Lantigua Ortega, pelos bandidos Julio Emilio Carretero, Pedro
González Sánchez e Braulio Amador Quesada, na quinta Palmarito,
Rio Ay, Trinidad, Sancti Spíritus.
Entre as vítimas destes bandos em Cuba contam-se também
crianças e adolescentes, para aterrorizar os camponeses e
operários agrícolas. É o caso, entre outros, de Yolanda e
Fermín Rodríguez Díaz, de 11 e 13 anos de idade, que em 24
de Janeiro de 1963 foram assassinados na quinta da La
Candelaria, Bolondrón, Pedro Betancourt, Matanzas, pelo bando de
Juan José Catalá Coste, que operava na zona sul dessa
província. De igual modo, deve destacar-se o sucedido em 13
de Março de 1962 em San Nicolás de Bari, Havana, onde o
jovem Andrés Rojas Acosta foi enforcado com a mesma corda que
utilizava para atar o seu porco; este crime foi cometido pelo
bando do mercenário Waldemar Hernández. Outro caso ocorreu a 10
de Outubro de 1960 na estrada de Madruga a Ceiba Mocha,
quando o bando de Gerardo Fundora disparou contra um jeep que
passava por ali, matando Reynaldo Núnez-Bueno, de 22 meses, bem
como a mãe do bébé.
Os bandos mercenários, desesperados por atingirem os seus
objectivos, exerciam represálias contra a população civl das
zonas onde operavam. Exemplo disso é o assassinato de Albinio
Sánchez Rodríguez, de 10 anos, em 4 de Março de 1963, pelo
bando de Delio Almeida, em resposta ao ataque das forças das
Milícias Nacionais Revolucionárias.
Em 1965, quando foi eliminado o último bando, dirigido
por Juan Alberto Martínez Andrade, naquele tempo chefe da
chamada Frente de Camagüey, o banditismo foi definitivamente
erradicado de Cuba.
Entre 1959 e 1965 actuaram ao serviço do governo dos
Estados Unidos, em todo o território nacional, 299 bandos, com
um total de 3.995 mercenários.
As baixas registadas nessa luta, entre combatentes de tropas
regulares e milicianos que combateram os bandos, ascenderam a 549
mortos e a um número considerável de feridos, que na altura de
elaborar esta demanda não se pode precisar com exactidão,
passados que foram 34 anos sobre os acontecimentos; dos feridos,
há actualmente 200 sobreviventes que ficaram incapacitados na
sequência dos ataques sofridos. Nem todas as vítimas foram
propriamente combatentes revolucionários que lutavam contra os
bandos; muitas eram civis que nada tinham a ver com as acções
militares e que morreram em consequência dos crimes do
banditismo dirigido do estrangeiro.
A guerra suja, essa pesada e sangrenta forma de agressão do
governo dos Estados Unidos, foi total e definitivamente eliminada
pelo povo cubano. Esses bandos foram destruídos pela raiz e a
CIA não voltou a organizar mais nenhum.
Juntamos à demanda uma certidão acreditativa das 549 pessoas
que foram registadas até ao momento como tendo sido mortas em
consequência desta criminosa acção contra o nosso povo, assim
como uma relação de todos os que actualmente estão
incapacitados em resultado dessas acções, durante o período
que narramos, documentos esses que apresentamos marcados com os
números 9, 10 e 11.
Quarto: Que entre os factos mais significativos das
páginas da história da Revolução Cubana, pela sua
importância militar, patriótica e política, aparece a invasão
mercenária da Baía dos Porcos, organizada pela CIA sob
indicação do presidente Eisenhower, com data de 17 de Março
de 1960.
O próprio Eisenhower o conta nas suas memórias: «Em 17 de
Março de 1960 (...) ordenei à Agência Central de Inteligência
que começasse a organizar o treino de exilados cubanos,
principalmente na Guatemala».
Como parte dos preparativos para a invasão, na manhã de 15
de Abril de 1961 são bombardeados os aeroportos de Ciudad
Libertad, San Antonio de los Baños e Santiago de Cuba. A
agressão foi repelida, e embora conseguissem destruir alguns
aviões das forças de defesa cubanas, não puderam pôr fora de
combate a nossa pequena e recém-criada Força Aérea
Revolucionária - devido à valente actuação da artilharia
antiaérea - que tão brilhante papel desempenhou dois dias
depois; composta maioritariamente por jovens, a Força Aérea
perdeu 12 dos seus membros, entre os quais Eduardo Garcia
Delgado, que ficou na história daquela épica luta por ter
escrito com o seu próprio sangue numa tábua, enquanto
agonizava, o nome de Fidel.
Passados dois dias, em 17 de Abril de 1961, às 2.30h da
madrugada, começou a desembarcar pela costa sul da província de
Las Villas, na Ciénaga de Zapata, procedente de Puerto Cabezas,
Nicarágua, um grupo organizado, treinado, equipado e financiado
pelo governo dos Estados Unidos, denominado pelos seus próprios
integrantes Brigada de Assalto 2506, formada por 1.500 homens.
O plano da invasão mercenária, segundo os documentos
apreendidos aos que foram presos, contemplava a realização do
desembarque por três pontos do Pantanal de Zapata: Praia Larga,
que eles denominam nos seus planos Praia Roja, onde descarregaria
o navio Aguja; Praia Girón, denominada Praia Azul, onde
descarregariam os navios Ballena e Tiburón; e Caleta Verde,
denominada Praia Verde, onde descarregariam os navios Marsopa,
Barracuda e Atún. Paralelamente, dois batalhões de
pára-quedistas ocupariam posições nas proximidades da fábrica
de açúcar «Australia», San Blas e Soplillar, com a missão de
fechar o acesso à zona de desembarque e das operações,
fortificar-se e colocar ali um governo provisório que permitira,
de imediato, transportar por via aérea um governo que em Miami
esperava impaciente com as malas feitas, o qual se encarregaria
de solicitar a intervenção militar dos Estados Unidos chefiando
«tropas» da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Nos dias da invasão, os membros deste «governo» foram mantidos
incomunicáveis em território norte-americano, enquanto a CIA
emitia os comunicados.
A brigada mercenária desembarcou em Praia Girón e Praia Larga,
vencendo a resistência oferecida por pequenas unidades das
Milícias Nacionais Revolucionárias. Desembarcaram os tanques e
blindados; lançaram um batalhão de pára-quedistas ao norte de
Girón para interromper o tráfego pela estrada que vai dar à
fábrica açucareira «Australia»; aviões B-26 com insígnias
da força aérea cubana, apoiados por caças norte-americanos,
começaram a bombardear a zona, provocando a morte de muitas
pessoas, entre as quais mulheres e crianças, cujos nomes e
apelidos aparecem transcritos no fim deste capítulo, e numerosas
perdas.
Unidades da Marinha de Guerra norte-americana, entre elas um
porta-aviões (o Essex, com 40 aviões de combate e um batalhão
de infantaria da marinha a bordo), um porta-helicópteros, cinco
contratorpedeiros e um navio de desembarque do tipo LSD, entre
outras unidades navais, escoltavam as embarcações em que se
transportavam as forças mercenárias, tendo-se mantido a poucas
milhas da zona de operações durante toda a batalha.
A brigada mercenária tinha abundantes equipamentos e armamentos.
Dispunha de cinco navios de transporte artilhados, duas unidades
de guerra tipo LCI, modificadas e artilhadas, três barcaças de
desembarque do tipo LCV para transporte de equipamentos pesados,
e quatro barcaças de desembarque do tipo LCVP para transportar o
pessoal. Para as operações aéreas, os mercenários receberam o
apoio de 16 aviões de combate B-26, seis aviões de transporte
C-46 e oito C-54, mais dois hidroaviões do tipo Catalina. Tinham
cinco tanques Sherman do tipo M-41, com canhões de 76 mm, e 10
carros blindados e artilhados com metralhadoras 50; 75 bazucas,
60 morteiros de diversos calibres e 21 canhões sem retrocesso de
75 e 57 mm; 44 metralhadoras calibre 50, e 39 calibre 30, entre
pesadas e leves; oito lança-chamas; 22 mil granadas de mão; 108
fuzis automáticos Browning; 470 sub-metralhadoras M-3; 635 fuzis
Garand e carabinas M-1, 465 pistolas e outras armas.
Os membros da brigada mercenária receberam treino militar de
instrutores norte-americanos em bases militares dos Estados
Unidos, Guatemala e Porto Rico, e receberam dinheiro do governo
dos Estados Unidos para a manutenção dos seus familiares; o
financiamento ascendeu a 45 milhões de dólares.
Em menos de 72 horas, as forças revolucionárias cubanas
derrotaram, de forma esmagadora, a poderosa brigada mercenária
invasora. Em 24 de Abril de 1961, a Casa Branca emitiu uma
declaração oficial dizendo que «o Presidente Kennedy declara
que, como Presidente, assumia a responsabilidade» da invasão. A
declaração acrescentava que «o Presidente se opõe
vigorosamente a que mais alguém, dentro ou fora da
Administração, procure assumir essa responsabilidade».
A vinculação do governo dos Estados Unidos aos acontecimentos
narrados neste Facto da Demanda foi confirmada também no
conhecido relatório do Inspector-Geral da CIA, elaborado seis
meses depois da fracassada invasão, documento esse que
permaneceu no mais estrito segredo durante 37 anos, até que em 1998
foi desclassificado, depois de intensas diligências do Arquivo
Nacional de Segurança, organização não lucrativa sediada em
Washington.
Apesar de a invasão de Girón ter significado uma grande derrota
política e militar para o governo dos Estados Unidos, a acção
bélica deixou um elevado saldo de vítimas e grande número de
famílias cubanas foram dolorosamente afectadas, pois 176 pessoas
morreram e mais de 300 foram feridas pelas armas inimigas - entre
elas moradores da zona que foram metralhados pela aviação
mercenária -, e outras 50 ficaram incapacitadas para o
desempenho das suas funções. Acreditamos estes últimos com os
certificados que acompanham esta demanda, como os documentos com
os números 12 e 13, respectivamente.
Nas acções participaram, directamente, pilotos, assessores,
mergulhadores e outros norte-americanos. Nos combates de 19 de
Abril foi confirmada a participação activa de pilotos
norte-americanos ao ser derrubado pelo fogo anti-aéreo um avião
B-26, tripulado por Thomas Willard Ray e Frank Leo Baker,
cidadãos dos Estados Unidos e pilotos da Guarda Nacional do
estado de Alabama. Nesse mesmo dia, foi derrubado no mar outro
B-26, tripulado pelos norte-americanos Ryley Shamburger e Wade
Carrol Gray, sendo o primeiro deles oficial da Guarda Nacional.