"Globalização", "nova ordem" e soberania
Tempos exigentes

Por Albano Nunes
Membro da Comissão Política


Os últimos desenvolvimentos da situação internacional, nomeadamente na Europa - guerra nos Balcãs, fortalecimento da NATO, militarização e políticas de classe da União Europeia, eleições para o Parlamento Europeu, evolução da situação na Rússia, Turquia - não deixam lugar para grandes dúvidas. Os próximos tempos adivinham-se muito exigentes para os comunistas e as forças de esquerda anti-capitalistas.

Haverá muitas batalhas vitoriosas. A natureza das contradições e as incertezas que dominam a situação económica é tal que não deixarão de surgir circunstâncias favoráveis ao ascenso das lutas de massas, ao reforço do peso político (incluindo eleitoral, mas não só nem principalmente) das forças identificadas com os interesses dos trabalhadores, viragens à esquerda no quadro político. Mas tais possibilidades só se tornarão efectivas se preparadas através de um laborioso e persistente trabalho de organização e de massas, construindo partido e cuidando das suas raízes na sociedade, fortalecendo o sindicalismo de classe, dinamizando movimentos populares em torno dos interesses e aspirações mais sentidos pelas diversas camadas e sectores da população.
É uma evidência que o imperialismo se prepara para dirimir pela força contradições e conflitos que ponham em causa os seus interesses vitais e a sua hegemonia planetária. Novos avanços libertadores não serão em geral possíveis sem áspera luta política e ideológica, sem viragens imprevistas, sem roturas com o status quo. Atente-se no fortalecimento das estruturas supranacionais do imperialismo que, como a NATO, se arrogam o direito de intervir arbitrariamente em qualquer ponto do planeta. Atente-se no relançamento do militarismo e da corrida aos armamentos, sem esquecer que o comércio de armas é hoje um dos mais lucrativos do mundo. Atente-se, em relação à questão central do Estado, no reforço da sua componente coerciva, enquanto se desvanecem as funções de interesse geral que amorteciam a sua natureza de classe. Atente-se na própria cooperação internacional de polícias e serviços secretos, de que Schengen é apenas um exemplo.
É aqui que se coloca a questão das possibilidades e limites de transformação social no marco do Estado soberano genericamente considerado. Questão que assume uma grande importância no confronto ideológico com os propagandistas do "pensamento único" que pregam a impotência e advogam a demolição das fronteiras nacionais. Se lhes déssemos ouvidos teríamos de pôr de lado o nosso Programa e considerar caduco o nosso projecto de socialismo para Portugal.
Em tempos de acelerada internacionalização dos processos de produção e de troca, de aprofundamento da divisão internacional do trabalho, de acrescidas interdependências e necessárias cooperações, as lutas dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo estão elas próprias mais interligadas e interdependentes. No projecto programático e na política alternativa dos comunistas e de outras forças revolucionárias e progressistas, os elementos de carácter "externo" entrelaçam-se cada vez mais com os de carácter "interno", chegando a confundir-se. Entretanto, como se afirma na Resolução Política do XV Congresso do PCP, "tal realidade não torna caduca a importância do espaço nacional como terreno incontornável da luta de classes, não fecha a possibilidade de alcançar conquistas democráticas e transformações revolucionárias a nível dos diferentes países".
O combate ao processo de mundialização capitalista convida sem dúvida à elaboração de plataformas de alternativa global - a nível regional, continental, planetário - que configurem uma realidade mais racional, mais justa, mais pacífica, mais solidária e mais humana. Mas tais bandeiras, sempre úteis e porventura necessárias tornar-se-ão puras abstracções se não estiverem vinculadas com os concretos processos de luta dos respectivos povos pelos seus interesses e aspirações mais sentidas. "A alternativa" só deixa de ser um modelo idealista se for síntese de alternativas construídas a partir da vida, trabalho e luta das massas. E se em geral os processos e os poderes crescentemente internacionais dificultam a vitória num país isoladamente, também é certo que conduzem a uma mais forte interacção das lutas e dos avanços libertadores. O "efeito de dominó" que o imperialismo tanto teme será tanto mais provável quanto mais estreitos forem os laços de solidariedade e cooperação internacionalista que unem os comunistas e progressistas respectivos.


Ameaças no horizonte

Cuba é reconhecidamente uma das mais significativas confirmações da necessidade, viabilidade e importância da luta no terreno nacional, e do estímulo que representa para a luta de outros povos, nomeadamente no continente latino-americano. Como o é, noutro plano, Timor Leste; sem a resistência armada e a luta heróica do povo timorense a questão da autodeterminação não estaria, como hoje está, na ordem do dia.
Sempre afirmámos que não há nem pode haver " modelos" de revolução. No processo de transformação social intervêm factores objectivos e subjectivos muito diferenciados, sempre inéditos e irrepetíveis.
Por muito grande que seja a afinidade das situações, os processos em cada país, incluindo de uma mesma região ou continente, continuarão a ser muito diversificados. Um exemplo bem actual disso mesmo chega-nos nestes dias da América Latina onde em países fronteiriços, com elementos históricos comuns e enfrentando basicamente o mesmo tipo de problemas - subdesenvolvimento, exploração neocolonial e opressão imperialista por interpostas oligarquias locais - ocorrem processos com ritmos, objectivos imediatos e formas de luta diversificados. Greves e acções de massas no Equador com decidida participação da população indígena maioritária que se traduziram já em significativa vitória. Amplo apoio popular ao processo de mudanças políticas e institucionais na Venezuela protagonizadas por Hugo Chavez e as forças de esquerda aglutinadas no "Polo Patriótico". Espectacular avanço das guerrilhas das FARC - Exército do Povo que na Colômbia alcançaram a desmilitarização de uma superfície equivalente a metade de Portugal e encetaram com o governo de Pastrana um "processo de paz" que coloca na mesa das negociações profundas transformações democráticas no interesses dos camponeses e do povo colombiano.
Não é fácil adiantar previsões quanto ao desenvolvimento ulterior da luta nestes e noutros países deste continente prenhe de explosivas contradições e farto do domínio espoliador e opressor do seu poderoso "vizinho do norte". Torna-se entretanto necessário alertar para a ameaça de agressão militar directa dos EUA na região, nomeadamente na Colômbia. A pretexto do combate ao narcotráfico cresce a olhos vistos o envolvimento militar norte-americano. Ao largo da Venezuela, nas ilhas de Aruba e Curaçao foram recentemente instaladas bases norte-americanas, tendo também em vista substituir as bases da zona do Canal do Panamá, cuja soberania deve ser recuperada por este país no final do ano, nos termos do Acordo Torrijos-Carter de 1977. Há notícias de participação militar de aviões e helicópteros dos EUA em operações militares contra a ofensiva das FARC - EP do início de Julho. Há provocações organizadas nas fronteiras com a Colômbia e o sinistro Fujimori do Peru já ameaça intervir militarmente. O risco de internacionalização da guerra civil na Colômbia é uma realidade.


Fortalecer a solidariedade

A próxima guerra de agressão imperialista, previsivelmente conduzida pelos EUA/NATO será onde? Nesta região latino-americana ou na Ásia Central? Ou na Península da Coreia? Ou no coração da África negra? É necessário estarmos atentos e preparados para uma resposta solidária com os povos atingidos.
É uma evidência que o mundo não pode continuar a girar por muito mais tempo no sentido do desastre neoliberal. As injustiças e desigualdades sociais são tão flagrantes e as contradições ( de classe e outras ) tão brutais, que são inevitáveis grandes explosões de protesto e revolta popular. O que já foi divulgado no Relatório Sobre o Desenvolvimento Humano do PNUD aí está a confirmá-lo. Sem ser escrito por revolucionários, nem com critérios e objectivos revolucionários, um tal Relatório é afinal um instrumento utilíssimo nas mãos dos comunistas e das forças de esquerda. Qualquer aproximação séria à realidade, mesmo sem critérios marxistas mas rejeitando as mistificações do "pensamento único", coloca o capitalismo no banco dos réus. Confirma a necessidade da sua superação revolucionária.
Não admira que o imperialismo e em primeiro lugar os EUA reforcem o militarismo e o intervencionismo agressivo e procurem demolir a golpes de canhão a ordem jurídica e institucional saída da vitória democrática sobre o nazi-fascismo. Mas é precisamente por isso que, a par do prosseguimento da luta em cada país, é de capital importância no momento actual fortalecer a solidariedade internacionalista dos comunistas, dos progressistas, dos trabalhadores e dos povos, contra a "nova ordem" mundial imperialista.


«Avante!» Nº 1340 - 5.Agosto.1999