Panamá
Presidente cessante
prepara reforma



A um mês de abandonar o poder, o Presidente panamiano Ernesto Pérez Balladares está a introduzir uma série de leis com o objectivo de proteger os seus interesses a posteriori. A imprensa classifica as medidas de «vandalização institucional» e não tardou a protestar contra elas. O Foro Cívico Institucional convocou uma manifestação na quinta-feira e a Presidente eleita, Mireya Moscoso, condenou a atitude.

O pacote de Balladares inclui a nomeação de três magistrados que lhe são leais para a Quinta Sala da Corte Suprema, que passam a legislar temas constitucionais ao lado de independentes. Por outro lado, o poder do Serviço de Protecção Institucional, responsável pela segurança do presidente, é aumentado.
As «leis mordaça» - como são conhecidas no Panamá as leis de imprensa - foram abolidas e com elas, entre outras coisas, a possibilidade de encerrar qualquer meio de comunicação e a prisão dos jornalistas por falta de respeito a um funcionário público.
A nova legislação prevê a ampliação da interpretação do conceito de «calúnia e injúria», o que não deixou de desagradar aos profissionais do jornalismo. Estes acusam o presidente cessante de procurar fugir a qualquer investigação sobre o seu Governo quando deixar o Governo.
A Lei da Rádio e Televisão foi também alterada. Passa a ser proibido um diário possuir um canal de televisão e vice versa. Os jornais afirmam que Balladares quer evitar que o diário La Prensa compre o Canal 8, que os Estados Unidos agora devolvem. O diário, que tem denunciado casos de corrupção do Governo, mostrou interesse em adquirir aquele canal. Além de ameaçar o presidente, a intenção do jornal pode pôr em causa os interesses do grupo Medcom, dirigido por um primo do presidente, que controla 80 por cento da audiência televisiva.
As direcções dos principais meios de comunicação já apelaram aos parlamentares para evitar que os projectos sejam postos em prática, enquanto os estudantes universitários de comunicação social saíram à rua manifestando-se contra as medidas.

_____


CRONOLOGIA

1717- O Panamá integra o Vice-Reinado de Nova Granada.
1821- O Panamá incorpora-se na Grande Colômbia, juntamente com o Equador, a Venezuela e a Colômbia.
1841- O Panamá passa a fazer parte da Colômbia, como departamento.
1903- Os Estados Unidos apoiam militarmente o movimento de independência e reconhece imediatamente o novo Estado. Em contrapartida, impõe como condições a concessão da soberania ad perpetuam sobre o canal do Panamá e a zona adjacente.
1914- É inaugurado o Canal do Panamá.
1964- Vinte e um estudantes panamiano morrem quando tentam içar a bandeira do seu país na Zona do Canal.
1968- O presidente Arnulfo Arias é derrubado. Sobe ao poder o general Omar Torrijos.
1977- É assinado o Tratado Torrijos-Carter, que revoga as condições acordadas anteriormente e prevê que o Canal seja totalmente entregue ao Panamá no ano 2000 e erradica, por etapas, as bases norte-americanas da zona.
1981- O general Omar Torrijos morre num acidente aéreo considerado muito suspeito.
1982- O presidente Aristides Royo renuncia por «motivos de saúde» e é substituído pelo vice-presidente, Ricardo de la Espriella.
Fevereiro de 1984- Ricardo de la Espriella renuncia ao cargo, pressionado pelo chefe da Guarda Nacional, general Noriega.
Maio de 1984- Nicola Ardito Barletta vence as eleições por uma escassa margem sobre Arnulfo Arias.
Novembro de 1984- O Governo ordena um pacote de medidas económicas, que compreendem novos impostos e a redução de gastos. Um mês depois, a população reage com grandes manifestações, seguidas de violentos distúrbios e de uma greve que paralisa durante 25 dias o ensino e os centros de saúde públicos. A Assembleia Nacional chumba as medidas económicas propostas.
1986- Manuel Solis Palma é designado presidente. Os EUA não o reconhecem e, meses depois, iniciam um bloqueio económico e financeiro contra o Panamá.
Junho de 1988- O Panamá retira-se da Junta Directiva da Comissão do Canal, que integra os EUA, como forma de protesto contra as sanções.
Julho de 1988- O presidente norte-americano Ronald Regan autoriza actividades encobertas para afastar do poder o general Noriega, indiciado por tráfico de droga.
Maio de 1989- Realizam-se eleições, que acabam por ser anuladas pelo Tribunal Eleitoral. Depois de sucessivas revelações de fraude eleitoral por parte do Governo, os protestos pacíficos da oposição são violentamente reprimidos. No mês de Julho iniciam-se as negociações entre o Poder e a oposição.
Setembro de 1989- O general Francisco Rodriguez é designado presidente. O presidente norte-americano George Bush anuncia o corte de relações diplomáticas com o Panamá até que o país deixe de ser «dirigido» por Noriega.
Outubro de 1989- Um grupo de jovens oficiais desencadeia uma tentativa de golpe de Estado, que não se concretiza devido à intervenção de militares fieis a Noriega.
Dezembro de 1989- Através da «Operação Causa Justa», os EUA depõem o general Noriega. Morrem dezenas de pessoas. O poder é entregue a Guilhermo Endera, vencedor, segundo a oposição, das eleições de Maio.
Os países não alinhados, com o apoio da União Soviética e da China, apresentam uma resolução no Conselho de Segurança da ONU, que condena a intervenção das tropas americanas.
Natal de 1989- Noriega entra na Nunciatura do Panamá e o Vaticano concede-lhe asilo temporário. No início de Janeiro abandona voluntariamente a sede da Nunciatura e é levado para os EUA, onde é apresentado aos tribunais. Em 1992, é condenado a 40 anos de cadeia, por ter dado cobertura ao tráfico de drogas.
Março de 1990- O presidente Guilhermo Endera entra em greve de fome durante duas semanas, em «solidariedade com os pobres» e como forma de atrair ajudas económicas do estrangeiro.
Dezembro de 1990- Uma tentativa de golpe de Estado, liderada pelo general Herrera, é neutralizada com a intervenção de tropas dos EUA.
1992- Em referendo, a população rejeita um pacote de reformas constitucionais, entre as quais a supressão formal do Exército.

EUA abandonam canal

Os Estados Unidos abandonaram na sexta-feira o Forte Clayton, dando início à aplicação do Tratado Torrijos-Carter, assinado em 1977, que prevê que o canal seja totalmente entregue ao Governo do Panamá no dia 31 de Dezembro deste ano e que erradica, por etapas, as bases norte-americanas da zona.
Ficam ainda cerca de mil soldados, que deixarão o país gradualmente até todas as bases americanas serem devolvidas em Novembro. O destino dos homens até agora estacionados no Panamá é a base do Forte Buchanan, em Porto Rico, que começará a operar na próxima semana.
Os EUA chegaram a ter estacionados no Panamá 65 mil soldados e escolheram este país para fundar a Escola das Américas, onde foram treinados, entre 1942 e 1992, mais de 60 mil militares latino-americanos. Muitos deles participaram mais tarde em golpes de Estado e nas forças de repressão de muitas ditaduras. Na semana passada, a Câmara dos Representantes norte-americana aprovou uma redução dos fundos destinados à instituição.
A saída dos norte-americanos trará uma perda de 300 milhões de dólares anuais para a economia do Panamá. Em contrapartida, o valor das instalações e das terras das bases é calculado em 4 mil milhões de dólares, um valor importantíssimo para um país cujo produto Interno Bruto não chega aos 9 mil milhões de dólares.
Os índices de pobreza do Panamá atingem os 40 por cento e o país figura como a quinta nação na lista mundial da desigualdade da distribuição da riqueza.



«Avante!» Nº 1340 - 5.Agosto.1999