Inquérito
parlamentar não deixa margem para dúvidas
Regabofe
na JAE tem responsáveis
Corrupção,
favorecimento e abuso de poder, tais são, em síntese, algumas
das irregularidades apuradas pela comissão parlamentar de
inquérito à Junta Autónoma das Estradas (JAE).
Aprovado na semana transacta com os votos favoráveis do PCP, PP
e PS e a abstenção do PSD, o relatório final responsabiliza
por aquelas situações as tutelas políticas da JAE, quer nos
governos do PSD quer no actual Executivo do PS. Isto não
obstante os esforços feitos pelos deputados daqueles dois
partidos no sentido de ocultarem ou minorarem responsabilidades
próprias, endossando mutuamente as culpas para o outro.
Apostados em contribuir para o cabal esclarecimento dos factos estiveram, em postura diversa, os deputados comunistas presentes na comissão em representação da bancada do PCP. Em declarações ao «Avante!», o deputado comunista Bernardino Soares, que integrou a comissão nessa qualidade a exemplo de Rodeia Machado, sublinha que o inquérito «pôs a nu o funcionamento irregular, pouco transparente e propício a fenómenos de corrupção e de aproveitamento político na JAE pelo menos desde 1986».
Promiscuidade entre público e privado
Uma das principais
irregularidades detectadas reporta-se às acumulações ilegais e
promíscuas de actividades pública e privadas por parte de
quadros superiores e dirigentes da JAE. Foram estes, lembrou,
«que constituíram e trabalharam para empresas, nomeadamente de
projectos de estradas cujas propostas eram muitas vezes avaliadas
e adjudicadas pelos próprios na JAE».
A existência repetida de obras a mais nas empreitadas, muitas
vezes atingindo valores extra de 40 e 50 por cento que não eram
submetidas a concurso público, constitui outra das várias
situações absolutamente anómalas apuradas pela comissão de
inquérito.
Destacadas por Bernardino Soares são ainda as apostilhas -
antecipações não previstas de prazos de pagamento com a
correspondente contrapartida financeira para o empreiteiro - ,
por vezes não justificadas, ocorridas na sua larga maioria em
períodos eleitorais para fazer coincidir as datas de abertura
com o calendário eleitoral.
Obviamente que em tudo isto havia a conivência da direcção da
JAE, «protegida e incentivada pela tutela», segundo o
parlamentar do PCP, facto que o leva a concluir que «os governos
do PSD e PS não podem deixar de ser responsabilizados por este
estado de coisas».
Casos particulares como o da empresa Pavitraço, da
expropriação da pedreira de Mouçós em Vila Real ou da
adjudicação do troço Olival Basto/Sacavém da CRIL são
igualmente «alvo de forte suspeição», alerta ainda Bernardino
Soares, que, por esse motivo, diz esperar que «levem a
aprofundamento da investigação criminal».
Relatório demolidor
Quanto à discussão
do relatório ocorrida em comissão, a primeira nota a reter
prende-se com o próprio conteúdo do documento, considerado
positivo pela bancada comunista. Elaborado por um deputado do PP,
que se comportou em geral de forma isenta, o relatório
equacionou os problemas principais, acusando tanto o PS como o
PSD.
Formou-se assim um bloco constituído pelo PP e pelo PCP que
visou defender e valorizar o Relatório perante o PS e o PSD que,
conforme se tratava de responsabilidades de um ou de outro
Governo, as tentavam omitir ou diminuir, aliás como aconteceu em
geral no decorrer dos trabalhos da comissão.
Este comportamento do PS e PSD só não gorou obter resultados,
registe-se, devido à conjugação dos votos do PCP e do PP, umas
vezes com o PS, outras com o PSD, ora contra um ou outro, o que
veio evidenciar as «vantagens de uma maioria relativa», como
observou Bernardino Soares.
Apenas num parágrafo em que se sintetizava toda esta
responsabilidade política tanto o PS como o PSD votaram contra,
assim se provando foi ainda Bernardino Soares a lembrá-lo
- «que o que mais lhes interessava era esconder a
responsabilidade política de Governos, Ministros e Secretários
de Estado.
Isto não altera, todavia, a avaliação «amplamente positiva»
dos deputados comunistas quanto à natureza do relatório que,
juntamente com os restantes trabalhos da comissão, permite
concluir pela existência de «indícios mais do que suficientes
de que a corrupção grassa naquele organismo, nomeadamente ao
nível de quadros mais responsáveis», bem como quanto à «má
utilização de dinheiros públicos», feita com fins eleitorais
e partidários e, pelo menos, a «conivência dos Governos com
todo este estado de coisas».
Merecedor de realce é ainda o facto de o PS ter procurado fazer
passar a ideia de que existiriam diferenças a separar este
Governo dos anteriores. Tanto assim que até tinha mandado, entre
outras medidas, abrir uma sindicância. Mas o que não se pode
esquecer e aqui reside verdadeiramente a questão
substantiva - é que todas as diligências por si feitas o foram
em jeito de resposta ao escândalo que rebentou, nomeadamente
após as declarações do General Garcia do Santos, estando
também por provar a eficácia e as intenções de algumas dessas
medidas, como por exemplo a relativa à divisão da JAE.