Exposição de Eduardo Gageiro
Fotografias da Revolução

Eduardo Gageiro é fotógrafo há 46 anos. No seu percurso contam-se inúmeros prémios nacionais e internacionais, trabalhos publicados na imprensa e em livro, exposições individuais e colectivas nos quatro cantos do mundo. Na Festa do Avante! deste ano apresenta uma exposição de 25 fotografias do período revolucionário do 25 de Abril.

As fotos escolhidas são símbolos do 25 de Abril?

Eduardo Gageiro — Acho que sim, especialmente uma que considero mais significativa, que foi precisamente na altura em que a Revolução, de certo modo, foi ganha. A cena passa-se no Terreiro do Paço, os tanques da Cavalaria 7 acabavam de aderir ao movimento e o Salgueiro Maia vem a morder o lábio - numa entrevista posterior ele conta que era para não chorar.
Para mim este foi o momento culminante, porque inclusivamente minutos antes eles tiveram de convencer o major Pato Anselmo a render-se. Eu segui de perto os acontecimentos, aliás tive a sorte de ser o único fotógrafo que lá estava. Quando avanço atrás do grupo de Salgueiro Maia para o major se render, este viu-me com a máquina fotográfica, chamou-me pelo nome - eu nem sabia que ele me conhecia - e disse: «Gageiro, se me tiras a fotografia, eu mato-te!». Eu tirei a fotografia e ele não me matou... Depois ele acabou por se render.
Antes passou-se também uma cena interessante. O Pato Anselmo deu ordem de fogo duas vezes. Eu estava do lado de cá, do lado das chaimites, que eram uma coisinha mínima. Os outros tanques eram enormes e se disparassem para o Terreiro do Paço aquilo ficava feito num oito.

Depois acompanhou todo o movimento?

— Sim, acompanhei até às tantas da noite. Aliás, tenho uma fotografia de um pide que tentou fugir e foi apanhado pela tropa. Ele está com as calças para baixo, porque pensavam que ele tinha uma arma escondida nas cuecas.
O 25 de Abril foi a concretização de um sonho, que eu supunha quase irrealizável. Nesses dias andei sempre de um lado para o outro, a viver intensamente todos os momentos.

Como foi fotografar os anos da Revolução?

Houve momentos altos, momentos baixos, momentos conflituosos, momentos difíceis... Evidentemente isso foi complicado. Começou a haver muitos partidos novos e as pessoas começaram a desmembrar-se. Mesmo a nível de relações de amizade, as coisas deterioraram-se um bocado, muitas vezes só porque um foi para o partido x e outro para o partido y. Mas, felizmente, a situação normalizou-se e essas amizades foram recuperadas.

O que representou para si ver de perto momentos históricos e até participar neles?

Acho que fui um privilegiado. Eu costumava dizer em jeito de brincadeira: «No ano 2000 ainda vamos ter de gramar com a ditadura. Isto não pode ser!»
Eu viajava muito e ficava muito contente quando via países democráticos, onde as pessoas eram livres e podiam falar abertamente. Quando vinha do estrangeiro ficava profundamente afectado, porque começava a contar coisas que tinha visto e os amigos que estavam comigo alertavam-me: «Toma cuidado que aquele é da Pide!». Uma pessoa não podia sequer manifestar as suas opiniões!
Sempre fui um homem com um grande espírito de liberdade, procurei fotografar aquilo que me parecia mal - aliás estive um pequeno período preso - e sentia-me profundamente vigiado.
Eu colaborava com a Associated Press e mandei muitas fotografias de manifestações, mas clandestinamente. A AP nunca disse que eram minhas, mas a Pide desconfiava, só que não tinha provas. Eu sentia-me pressionado, mesmo a nível de emprego. Na altura trabalhava no «Século» e até na secção fotográfica havia informadores.

A fotografia pode dar uma outra visão do mundo?

— Depende muito dos olhos do fotógrafo, do saber olhar. Há locais onde estão 20 fotógrafos e não há praticamente nenhuma fotografia igual. A fotografia capta em fracções de segundo coisas que já não se repetem.
É por isso que eu não sou grande apreciador da fotografia conceptual. Gosto muito do instantâneo e do foto-jornalismo.

Que expectativas tem para a edição deste ano da Festa?

— Vai ser uma festa à Festa do Avante!. A Festa tem melhorado de ano para ano e é uma iniciativa sempre aliciante pela diversidade de propostas apresentadas. Aliás, tenho imensos amigos que não têm nada a ver com o PCP e que são visitas assíduas da Festa.

O que é que significa para si expor num local visitado por milhares de pessoas?

Fiquei profundamente sensibilizado quando me convidaram. Acho que foi uma forma de reconhecer o meu trabalho. Expor na Festa tem um valor incalculável. É a maneira de uma pessoa se expor a milhares de pessoas. Acho que vai ficar na minha memória para sempre.


«Avante!» Nº 1340 - 5.Agosto.1999