Uma campanha alegre


A cerca de dois meses das eleições legislativas, e apesar do período de férias, assiste-se a uma agitação frenética bem indiciadora do que o futuro imediato nos reserva. A política espectáculo, através das mais diversas modalidades, encaminha-se para a sua plenitude; as sondagens de opinião multiplicam-se e, de acordo com o hábito já instalado, há-as para quase todos os gostos; sucedem-se os combates de galos em torno do acessório, deixando bem oculto na sombra o que é essencial – enfim, estão lançados os dados que hão-de conduzir a uma rentrée divertidíssima .
O PSD, depois de uma falhada «volta a Portugal» promete, em cartaz gigante, que «Em quatro anos fazemos mais e melhor», promessa estranha vinda de quem, em dez anos, fez o que fez. E, de precalço em precalço, enterra-se na assumida inevitabilidade da derrota, ridicularizando-se quando intenta fingir que assim não é. O PP lá anda, fingindo ser o que não é, dizendo o que não pensa e pensando o que não diz. O BE lá anda, também - apaparicado pelos média por razões óbvias (um dos seus cabeças de lista passou, mesmo, a ter, «páginas de opinião» no «DN» e no «Público», opinando no primeiro enquanto «dirigente do PSR» e no segundo enquanto «dirigente do Bloco de Esquerda»), incensado por comentadores rosa, aspergindo-se de modernidade e água benta. O PS não precisa de existir porque, tendo um Governo seu, delega nele toda a actividade eleitoral e pode ir a banhos. É assim que vemos o Governo do PS dar sinais inequívocos de preparação do arranque para uma operação de caça ao voto de proporções jamais vistas.

As repercussões das jardinices de Chão da Lagoa continuam – o que, por si só, é revelador do estado a que isto chegou. O Primeiro Ministro, irritado e ofendido – não pela gritaria separatista mas por ter sido pessoalmente atacado – aproveitou a cerimónia de apresentação pública dos seus candidatos para disparar um preocupante aviso. Discursando milimétricamente à hora dos telejornais, Guterres acusou Barroso de estar a introduzir «um dado novo na vida política: a campanha pela negativa» e retroverteu: «em inglês "negative campaign"». Nada disto valeria mais do que uma sonora gargalhada – semelhante à provocada pela leitura dos «combates do sr. Paulo» nos «Ecos de Paris» - se o Primeiro Ministro se tivesse quedado por aí. Acontece que Guterres achou por bem desenvolver um pouco mais o seu raciocínio e, num tom e num jeito capazes de gelar o sangue nas veias a qualquer pacato cidadão, explicou que «uma campanha pela negativa muito rapidamente resvala para as tentativas de destruição de pessoas e de vidas familiares. A melhor forma de evitar que isto aconteça em Portugal é não começar». Ouvindo isto, muitos hão-de ter sido os portugueses que pensaram nas tais ditas «boas mãos» e estremeceram... Melhor fora que o Primeiro Ministro tivesse reflectido um pouco antes de dizer o que disse. Não o tendo feito e lançando irresponsavelmente uma alusão carregada de tão sinistros tons, legitima conclusões as mais diversas e interpretações várias. Aliás, não foi por acaso que do painel de panegiristas oficiais de Guterres logo houve quem saltasse a tentar tapar o sol com a peneira larga da interpretação subjectiva do discurso do «Grande Comunicador». Modernos Palma Cavalões com mais de cem anos de idade, estes profissionais da louvaminhice derramam-se embevecidos ante a palavra do Líder intocável e vão ao ponto de acusar quem ouse contestá-lo ou criticá-lo de, vejam bem!, estar a fecundar sinistros ovos de serpente...

Entretanto, e assim desviando a atenção dos cidadãos do que é essencial, intensificam-se as práticas governativo - eleitoralistas do Governo. A caravana governamental, paga por todos nós, prossegue sistemáticamente as suas representações de caça ao voto no PS. O Governo prossegue a venda da boa imagem que de si próprio inventou. Venda cara, muitas vezes, mas como quem paga somos nós... Exemplos clamorosos dessa utilização dos dinheiros públicos na compra de votos para o partido do Governo são, nomeadamente, a campanha de publicidade sobre a qualidade da água, encomendada pelo Ministério do Ambiente e a publicação, promovida pelo Ministério do Equipamento, do luxuoso volume «Estradas de Portugal/99» que, com as suas 130 páginas de bom papel, constitui um importante instrumento de propaganda eleitoral do Governo. O livro que, ao que parece, é o primeiro trabalho dos três jovens institutos nascidos da defunta JAE – e melhor seria que o Governo do PS, em vez de gastar milhares em seu proveito eleitoral, levasse até ao fim o esclarecimento do escândalo da defunta – visa divulgar, a dois meses das eleições, a misturada de tudo o que, nessa matéria, o Governo diz ter feito, estar a fazer e pensar vir a fazer. É indispensável que o Governo informe o País de quanto gastou nestas e noutras iniciativas semelhantes. Quanto mais não seja para que o País possa avaliar por si próprio a qualidade das «mãos» que lhe gastam o dinheiro.
Curiosa também, e muito queirosiana, foi a acção de propaganda ocorrida na Feira do Artesanato de Vila do Conde. Guterres foi inaugurá-la no Sábado passado, precisamente uma semana depois de ela ter sido inaugurada por Maria de Belém... Acompanhado, como é hábito, por vasto e luzido séquito – e antecedido como também é hábito por uma vigorosa mobilização de massas – o Primeiro Ministro distribuiu os habituais beijos e apertos de mão e prestou-se ao igualmente habitual beija-mão dos que para isso mesmo lá foram. Falando aos jornalistas, disse que «Ele, que tinha "o privilégio de poder gozar um curto período de férias", aspirava a que muitos portugueses, que não o têm, o possam vir a ter a curto prazo». Sublime!: Abranhos ou Acácio não diriam melhor.

É neste quadro político-eleitoral que o PCP – com a sua prática, os seus métodos, o seu funcionamento, os seus objectivos específicos - afirma a sua diferença, o seu papel singular na vida partidária nacional – preparando uma intervenção eleitoral séria, de verdade, de respeito pela inteligência e pelos direitos dos cidadãos; prosseguindo a elaboração do Programa Eleitoral com a preocupação essencial de encontrar respostas para os problemas dos portugueses; dando continuidade perseverante à sua prática de contacto com a realidade do País; construindo a Festa do Avante, Festa que, pelas suas características, pelo seu conteúdo, pela forma como é construída e vivida, constitui ela própria uma expressão concreta daquilo que distingue o PCP de todos os outros partidos portugueses.


«Avante!» Nº 1340 - 5.Agosto.1999