Reforma da PAC
Agricultura perde de novo


O compromisso sobre a reforma da PAC representa «um novo e perigoso golpe na agricultura portuguesa e uma profunda derrota da estratégia negocial do Governo PS de António Guterres», considerou o PCP em conferência de imprensa.

Esta conclusão global foi divulgada na passada sexta-feira por Agostinho Lopes, membro da Comissão Política, e Lino de Carvalho, deputado na Assembleia da República, um dia depois do Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia ter chegado a um entendimento sobre a Reforma da Política Agrícola Comum.
Os comunistas reservam-se «uma posterior e mais pormenorizada avaliação dos resultados do Conselho Agrícola, em particular no tocante aos dossiers sectoriais e aos diversos valores e quantidades fixados, nas suas consequências para Portugal», mas afirmam que «foram completamente negados os objectivos que o próprio Governo tinha estabelecido como base de negociação».
A derrota da estratégia negocial do executivo PS dá-se quer na vertente produtiva, quer na vertente financeira, não tendo sido atingida a duplicação de verbas que pretendida pelo ministro da Agricultura.
Mas as conclusões do Conselho de Ministros significam também o rotundo fracasso de um conjunto de reclamações sectoriais específicas do Ministério da Agricultura, afirma o PCP, explicando que «não serão os 3.760 hectares de nova vinha que poderão compensar a manutenção de quota insuficiente para o trigo duro e a confirmada descida da quota do tomate; ou esconder que o aumento de 3% do número de prémios para vacas aleitantes e bovinos machos é insuficiente para responder às necessidades e pedidos dos agricultores portugueses. Não serão os 60 mil hectares de área de regadio para os cereais, que poderão esconder a manutenção de um rendimento histórico de referência que continuará a desfavorecer os produtores portugueses – as ajudas são proporcionais a esse rendimento –, para lá da sua incompatibilidade com esse mesmo acrescento de área regada».

Saldo negativo

Por outro lado, prossegue a nota divulgada «é profundamente demagógico, para não dizer outra coisa, afirmar e empolar um alegado aumento das verbas do FEOGA-Garantia (37 milhões de contos) para Portugal sem evidenciar que esse acréscimo de fundos não compensará sequer o que os agricultores vão perder com as descidas dos preços dos cereais, carne e leite. Isto é, o saldo vai ser negativo!»
Por outro lado, esta PAC, à semelhança da reforma de 1992 representa «a completa negação do objectivo de coesão económica e social da União Europeia, inscrito no Tratado de Maastricht e reafirmado em múltiplas cimeiras comunitárias».
Para o PCP «a manutenção, no fundamental, dos mecanismos e regras de distribuição das ajudas, e recusa da modulação e plafonamento, num quadro em que aumenta o custo global da PAC (contrariamente, até, ao que tinha sido estabelecido no Conselho de Bona: estabilização das despesas em 40,5 mil milhões de euros), vai significar a reprodução agravada da injusta distribuição dos fundos do FEOGA-Garantia e o correspondente agravamento das assimetrias regionais e sociais do mundo agrícola comunitário. Os agricultores portugueses vão continuar a ser os que menos recebem e as produções mediterrânicas (frutas, hortícolas, azeite, vinho), as menos ajudadas. Por outro lado, as importantes vitórias espanhola e italiana, quer no aumento específico e significativo das suas quotas leiteiras quer na subida dos rendimentos (históricos) de referência dos cereais, acrescentam à diferenciação entre países do Norte e países do Sul, o alargar do fosso entre Portugal e os outros países mediterrânicos».

Coincidências?

O PCP alerta ainda para «as possíveis consequências do aumento da despesa agrícola que significa esta reforma, sobre os restantes dossiers da Agenda 2000 – Fundo de Coesão e Fundos Estruturais», interrogando-se se «será por acaso que o aumento do défice com a reforma da PAC – 7 mil milhões de euros – coincide grosso modo, com uma falada redução do Fundo de Coesão de 21 mil milhões de euros para 13/14 mil milhões de euros? Será um acaso que os grandes beneficiários desta reforma da PAC sejam a Itália e a Espanha, num processo dirigido pela presidência alemã? Alemanha que, como se sabe, precisa de aliados para cortar uma fatia do Orçamento Comunitário e assim reduzir a sua contribuição, para o que, aliás, conta com toda a compreensão do eng. António Guterres».

 

 

 

Portugal deve vetar

 

Esta reforma põe também em causa «modelo agrícola» europeu, a exploração agrícola familiar e uma agricultura harmonizada com o meio ambiente, assim como uma União Europeia virada para uma cooperação exemplar com os países com elevada carência de desenvolvimento.

Como foi sublinhado na conferência de imprensa «a nova PAC acarretará o inevitável prosseguimento do desaparecimento das explorações agrícolas familiares, principalmente as de menor dimensão, e das zonas com mais fragilidades económicas, acentuará o «produtivismo» e a agricultura industrial agressores do meio ambiente. Em particular, acelerará as produções pecuárias sem terra (suiniculturas e aviculturas) e a intensificação produtiva para ocorrer à baixa dos preços, tal como sucedeu com a reforma de 1992».

Em resultado, «a nova PAC favorecerá o crescimento do desemprego e não vai beneficiar os consumidores», afirma o PCP, lembrando as enormes quebras de preços no produtor do bovino e suíno, verificadas recentemente, que não tiveram reflexos ao nível dos talhos e hipermercados.

 

A arma alimentar

 

Para além disso, a nova PAC «é ainda um reforçado instrumento na guerra contra a segurança alimentar dos países do Terceiro Mundo. A baixa de preços e os mecanismos de liberalização dos mercados agrícolas visam a guerra económica e preparação das próximas negociações da Organização Mundial do Comércio, em que estão interessadas as transnacionais da agro-alimentação (que, aliás, já manifestaram o seu apoio a esta reforma) e as grandes potências agrícolas do Planeta, com os Estados Unidos à cabeça. A produção agrícola é cada vez mais uma arma: a arma alimentar».

Entretanto, o PCP observa que «a opinião do ministro da Agricultura português de que o resultado do Conselho Agrícola é "globalmente positivo" está em total contradição com o alegado voto contra» e salienta que «contrariamente ao que o ministro tem vindo a propagandear, nem no Conselho houve qualquer votação formal, nem Portugal foi o único que manifestou reservas. Pelo menos a França também expressou as mesmas reservas».

Deste modo, os comunistas qualificam a atitude do ministro como «calculista, para mero uso político interno, o que é manifestamente intolerável». Neste contexto, o PCP entende que, «em consonância com esse "desacordo português", e com todas as opiniões conhecidas sobre a reforma, o primeiro-ministro António Guterres, na próxima Cimeira de Berlim, oponha um NÃO firme de Portugal à Reforma da PAC agora acordada. Exigimos que, no interesse da agricultura nacional e do País, o direito de veto, se necessário, não fique na gaveta».

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CNA aponta prejuízos

 

A Confederação Nacional da Agricultura considera que a reforma da PAC «começou mal e acabou pior». Segundo a sua análise, os resultados das negociações traduzem-se em grandes baixas nos preços à produção (-20% nos cereais e carne bovina; e -15% no leite), sem que as ajudas directas ao rendimento compensem tais perdas. Mantém-se ainda o limite orçamental anual de 40,5 mil milhões de euros e o desenvolvimento rural, anunciado como o segundo pilar da PAC, foi ainda mais secundarizado ficando sem verbas.

A CNA afirma que a maior parte das ajudas previstas vão ser recebidas pelos maiores e mais intensivos produtores, em prejuízo dos rendimentos dos pequenos agricultores. Portugal sai assim destas negociações «globalmente penalizado»: «perdemos porque não aumentámos as quotas do tomate e do trigo duro e porque no contexto comunitário o nosso país vai continuar a receber menos ajudas e outros benefícios, quando comparados com certas vantagens obtidas por Espanha e Itália, que viram bastante aumentadas as suas quotas de leite e de novas vinhas e as suas produtividades históricas das culturas arvenses», afirma a Confederação.


«Avante!» Nº 1320 - 18.Março.1999