Chiapas
O artigo que José Saramago dedica ao povo de Chiapas no "Le Monde Diplomatique" deste mês, e a que Sebastião Salgado associa o seu olhar único, não é apenas um lindíssimo texto, quente de solidariedade, para com uma causa e uma luta exemplares. Ele constitui também e por esse concreto caminho, uma inteligente e sensível reflexão sobre a diferença humana e sobre o valor e a integridade essenciais dos que têm a coragem de a afirmar, contra todas as formas mais ou menos explícitas de intolerância e de violência.
Sigamos o discurso directo:
"Os Índios de Chiapas não são os únicos humilhados e
ofendidos deste mundo: em todos os tempos e em todos os lugares,
quaisquer que sejam a sua raça, a sua côr, os seus costumes, a
sua cultura, a sua crença religiosa, o ser humano que nós nos
vangloriamos de ser soube sempre humilhar e ofender aqueles que
por triste ironia continua a chamar seus semelhantes. Nós
inventámos o que não existe na natureza: a crueldade, a
tortura, o desprezo. Por uma aplicação perversa da razão
dividimos a humanidade em categorias inconciliáveis, os ricos e
os pobres, os senhores e os escravos, os poderosos e os fracos,
os sábios e os ignorantes. E, no interior de cada uma destes
divisões, introduzimos outras, de maneira a variar e a
multiplicar à porfia, e continuamente, os pretextos para
desprezar, humilhar e ofender.
(...) O que está em jogo nas montanhas de Chiapas e nas
florestas do Lacandon ultrapassa as fronteiras do México e toca
no coração da parte da humanidade que não renunciou, e que
não renunciará nunca, ao sonho e à esperança, ao simples
imperativo de uma justiça igual para todos.
(...) Esta bruma que impede de ver é também a janela que
se abre sobre o mundo do "Outro", o mundo do Índio, o
mundo do "Persa". Olhemos em silêncio, aprendamos a
escutar, e, de seguida, talvez sejamos capazes enfim de
compreender."
E compreender significa assumir, verdadeiramente, como afirma Saramago, "um mundo que proclama para sempre intocável o direito de cada um ser "persa" durante todo o tempo que quiser, não obedecendo senão às suas próprias razões." Edgar Correia