A TALHE DE FOICE

Dãobalalão


A vida política nacional anda feita num molho de bróculos. Ele há relatórios do SIS que não são do SIS; cartas secretas a Guterres divulgadas na imprensa denunciando pedidos de investigação a almirantes e generais; universidades modernas a nadar em dinheiro e dadas a modernices sem nada a ver com o ensino; maçons a botar a boca no trombone e a trazer para a praça pública a roupa suja da maçonaria; projectos de lei para os militares de Abril que afinal não passam de documentos de trabalho que quase ninguém conhece mas sobre os quais todos se pronunciam; sindicâncias exaustivas à JAE que afinal deixam de fora apoios incómodos a Guterres; 'descobertas' espantosas sobre Salazar que não passam da reedição do que qualquer português com pouco mais de 30 anos aprendeu nas escolas do Estado Novo sobre o 'Pai da Pátria'; directores da PJ demitidos por falta de confiança política, segundo uns, por demasiado incómodos, segundo outros...
A chinfrineira é tanta que, entre Paulo Portas a desdobrar-se em explicações sobre o jaguar de serviço que se esqueceu de devolver à Moderna e o Grão qualquer coisa da Casa do Sino que se recusa a pronunciar o nome de Nandim de Carvalho (outro Grão qualquer coisa do Oriente não sei quantos), ninguém parece ter dado conta que Guterres está de novo em retiro, desaparecido em parte incerta, mudo e quedo a deixar correr o marfim, como se não fora nada com ele, com os seus ministros, os seus parceiros preferenciais, os serviços de que é responsável. Não fora a honorabilidade da Comissão Europeia, supremo interesse dos europeístas militantes, ter sido ferida de morte por um 'comité de sábios', e do primeiro-ministro não se veria nem rasto.
Também ninguém parece dar conta que o ruído em torno das escandaleiras nacionais está a obstruir o som claro e forte em que deveriam ser feitas as perguntas sobre o que verdadeiramente interessa. Por exemplo, como se justifica a existência de sociedades secretas, iniciáticas, rituais, em sociedades que os próprios promotores das primeiras não se cansam de afirmar democrática, aberta, transparente? Ou como é que nessas mesmas sociedades se acolhem os mesmos que depois circulam pelo PS, PSD, CDS/PP como deputados, ministros, gestores, especialistas, que por acaso também dão aulas, fazem estudos, colaboram em estabelecimentos de ensino e empresas várias de estranhas contas e muitas mordomias? Ou como é que os mesmos têm permantemente as portas abertas em órgãos de comunicação social para divulgação dos seus produtos, ideias, opiniões, sondagens 'oportunas'? Ou ainda como é que os mesmos que à luz do dia aparecem a defender o que dizem ser políticas diferentes, ideias diferentes, opções diferentes, se entendem depois longe dos olofotes em pretensas tertúlias filosóficas de muitas materialistas e compensadoras consequências?
Onde a lisura, a isenção, a transparência dos mesmos que partilham entre si o público e o privado? Onde a preocupação e o respeito pela coisa pública?
Entre os trabalhadores em luta contra a nova ofensiva laboral e esses senhores, os mesmos, de todas as casas do sino das secretas maçonarias às bancadas parlamentares, não há sequer um dãobalalão como traço de união. Os interesses de uns nada têm a ver com os interesses de outros, como se cada qual vivesse em mundos separados, com o 'pequeno pormenor' de que os segundos engordam à custa dos primeiros. Motivo de sobra para que toquem os sinos. Mas a rebate. — Anabela Fino


«Avante!» Nº 1320 - 18.Março.1999