Escócia e Portugal
Por Manoel de Lencastre
Estivemos na histórica cidade de Edimburgo, capital da Escócia, de 26 de Novembro a 3 de Dezembro do ano passado. Isso deu-nos uma nova oportunidade para voltar a observar de perto a vida escocesa e o ambiente geral do país quando se aproximam acontecimentos políticos de extraordinária relevância. Nota-se um enorme reacender da velha chama de orgulho nacional que não esconde a secreta esperança, tantas vezes claramente visível, de que a hora da reconquista da independência pode estar perto.
Para esmagar os
conservadores na Escócia e apresentarem-se ao povo como
portadores do estandarte da democracia e dos interesses do país,
os políticos do «New Labour», com Blair à frente, prometeram
aos escoceses a reabertura do Parlamento de Edimburgo que fora
encerrado após a assinatura do Tratado de União em 1701. E a
verdade é que, vencidas as eleições, o novo governo
trabalhista cumpriu a promessa feita. Assim, o referendo que deu
o sim da nação escocesa para que se procedesse à
mencionada reabertura, constituiu um movimento de mobilização
nacional sem precedentes nos tempos modernos. As eleições para
os deputados que ocuparão lugares no Parlamento, realizar-se-ão
no próximo mês de Maio e constituirão o momento capital no
evoluir da situação política.
Espera-se uma votação em massa para dar a maioria absoluta ao
Scottish National Party (SNP) liderado por Alex Salmond. O SNP
já garantiu que, se efectivamente conseguir a referida maioria,
consultará o povo escocês, de pronto, propondo-lhe a saída do
Reino Unido e da Grã-Bretanha e a requisição da independência
nacional que o Tratado de 1707 fez suspender.
Como seria de esperar, o «New Labour», pressentiu a perigo e
começou a desenvolver esforços para chamar a seu favor o
sentimento da Escócia. e reconhecendo que a maioria absoluta no
novo Parlamento lhes poderá fugir, os políticos trabalhistas
estão a preparar-se para uma situação de minoria mas que lhes
permita governar em Edimburgo numa coligação a realizar com os
liberais-democratas. Todavia, as sondagens à opinião pública
iludem esse desígnio e demostram que a Escócia se desviará das
manobras de Blair e do poder inglês de Westminster para
avançar, resolutamente, no caminho da independência.
Relações
entre portugueses e escoceses são
Temas
de História
É altura, talvez,
de alguém em Portugal escrever uma «História das relações
luso-escocesas». Travámos conhecimento, há anos, com um
português, Aníbal Figueiras, que conseguiu escrever um trabalho
dessa natureza mas, infelizmente, levou o manuscrito consigo
quando se atirou às frias águas do Loch Oich achava-se
devastado na impossibilidade do amor que nutria pela princesa das
Highlands, Hazel Macdonald. Sabemos, por exemplo, que
historiadores escoceses qualificam a língua portuguesa com «um
idioma de rosas» enquanto descreviam o aparecimento de piratas
ao largo dos portos de Leith, Dundee, Kirkaldy e Aberdeen. Outros
descreveram as relações comerciais entre os dois povos.
Sabe-se, igualmente, que entre os cruzados que ajudaram na
conquista de Lisboa se contavam aventureiros escoceses. E o
grande educador e mestre da filosofia e da História, George
Buchanan, que leccionou na Universidade de Bordéus e se deixou
persuadir a fazer o mesmo em Portugal, viveu durante cinco anos
sob prisão domiciliária e apertada vigilância da Inquisição;
tudo em consequência das suas ideias abertas e modernizadoras.
Uma das mais salientes figuras no conjunto das relações entre a
Escócia e Portugal foi, sem dúvida, Sir Charles Napier
(1786-1860). Nascido em Merahiston Hall, perto de Falkirk, foi na
qualidade de almirante da esquadra britânica que desembarcou na
costa portuguesa para juntar-se ao exército de Wellington.
Assistiu à batalha do Buçaco e, tendo acompanhado o exército
luso-britânico na sua consequente retirada, esteve nas Linhas de
Torres Vedras.
Foi, porém, a sua participação nas operações militares
conducentes ao fim do miguelismo que lhe colocou o nome,
merecidamente, na História de Portugal. A sua vitória sobre a
esquadra naval miguelista após uma batalha que durou mais de
duas horas ao largo da baía de Lagos (05.7.1833) foi decisiva
para a causa dos liberais. Pode dizer-se que essa vitória
permitiu a arrancada das forças comandadas por Terceira em
direcção a Lisboa onde acabariam por entrar a 24 de Julho.
Entretanto, devido a ter comandado uma força estrangeira, o
Almirantado britânico riscou-o da lista de oficiais da Royal
Navy, mas voltaria a reintegrá-lo, com todas as honras, em 1838.
Napier comandara, dois anos antes, as tropas constitucionalistas
que defenderam a capital de Portugal quando os miguelistas
voltaram a tentar a conquista do poder. Entrou para o pariato
português com o título de Primeiro Conde de Napier de São
Vicente.
No consulado português em Edimburgo
A nossa visita a
Edimburgo realizou-se no âmbito de uma tarefa jornalística de
acompanhamento da selecção nacional de "rugby" que
defrontou a Escócia, a 28 de Novembro, e a Espanha, a 2 de
Dezembro, no célebre estádio Murrayfield. tratava-se de jogos
de qualificação para o Mundial a Escócia e a Espanha
foram bem sucedidas e Portugal, apesar do brilho de alguns
momentos, ficou pelo caminho.
Nesses dias, a bandeira da República Portuguesa esteve hasteada,
para toda a Edimburgo ver, no "Carlton Highland Hotel"
bem no centro da cidade. E jogar em Murrayfield, a catedral do rugby
escocês, constitui para a selecção portuguesa e para os seus
técnicos e dirigentes federativos o momento mais elevado desde
que esta modalidade desportiva se pratica no nosso país. Mas na
data marcante de 1 de Dezembro, véspera do jogo com a Espanha,
surgiu um convite do cônsul de Portugal em Edimburgo para um cocktail
no consulado, presumimos que em atenção à presença do rugby
português na capital e em celebração da histórica data de
reconquista da independência de Portugal.
O consulado está em Leith (25, Bernard Street) na famosa zona
portuária que os enviados de Cromwell consideraram ser a única
parte da Escócia onde seria possível o lançamento de impostos,
após as derrotas escocesas em Preston (1648), em Dunbar (1650) e
em Worcester (1651) e a execução de Montrose em 1650. E podemos
dizer que este consulado, dirigido pelo cônsul honorário, James
Hall, não mostra em nada o ambiente arrogante, totalitário,
quase repressivo que são timbre daquele que funciona em Londres.
Mr. Hall recebeu os dirigentes da Federação Portuguesa de Rugby
e os jornalistas que se lhe juntavam com grande afecto.
Acompanhavam-no, além da esposa, o pessoal do serviço consular.
A acção do nosso consulado em Edimburgo estende-se, também,
segundo nos disseram, à zona de Newcastle (nordeste de
Inglaterra). Aí, Portugal considerou que já não se justificava
a presença do histórico consulado da Eldon Square onde Eça de
Queiroz trabalhou, e encerrou-o. Hoje, no edifício, trabalham
pequenos negócios de cabeleireiros e venda de artigos
desportivos. O número um da Eldon Square, entretanto, foi
considerado de interesse público e mantém-se, orgulhosamente
só, fazendo face à era de novas construções que nasceu à sua
volta. Mas voltemos a Edimburgo. Quais são as principais tarefas
do cônsul, James Hall, e do seu pessoal?
A simpática funcionária Anne Amor esclareceu-nos: «Além da
emissão de passaportes e da requisição de bilhetes e registos
diversos às autoridades portuguesas, fazemos o registo de
nascimentos de crianças filhas de nacionais. Ocupamo-nos da
navegação portuguesa que chega a estas paragens, especialmente
barcos de pesca, e acompanhamos a ocasional passagem de navios de
guerra portugueses dado o envolvimento do país com a NATO.
Tratamos dos vivos e, também, dos mortos. Reconhecemos a
identidade dos falecidos. Organizamos trasladações. Mas o
número de portugueses residentes na Escócia é reduzido. Além
de alguns imigrantes que trabalham na hotelaria, temos cá uns
tantos médicos e estudantes que frequentam as universidades de
Glasgow, Edimburgo e St. Andrews. Quando sucede ser algum
português preso pela polícia escocesa, o consulado pode ser
chamado a fornecer um intérprete. Também os tribunais, se algum
português é julgado por qualquer crime cometido, nos dão
informações quanto ao destino do réu. De uma maneira geral, os
portugueses preferem ignorar a existência deste consulado e não
nos consultam.»
A «Caledonian Portuguese Association»
James Hall, o
cônsul, podia ter aproveitado a atmosfera agradável e nacional
que se estabeleceu durante o cocktail para dizer alguma
coisa sobre o 1.º de Dezembro. Em vez disso, porém, saiu do
salão principal do consulado e dirigiu-se ao seu gabinete de
trabalho de onde emergiria exibindo uma enorme fotografia do
político português Mário Soares. Colocou-a sobre um cadeirão
para que todos a vissem ou para que se comprendesse o seu afecto
por aquele político. Julgamos que o cônsul deveria mostrar-se
neutral quanto a questões ou a personalidades políticas
portuguesas. Mas ele, apesar de não ser português, entendeu que
deveria revelar as suas preferências. E ficou a saber-se que
Mário Soares é também um dos amigos da «Caledonian Portuguese
Association».
É o próprio cônsul quem, num opúsculo que distribuiu,
descreve as actividades daquela associação diferente,
logo o descobrimos, de outras que existem em Londres com o
objectivo de unir os portugueses e defender as causas que
interessam ao nosso país. A «Caledonian Portuguese
Association», filial da «Anglo-Portuguese Society» cuja sede
se situa na capital britânica, é uma organização elitista,
aberta a uns poucos, apenas. Com escritórios no próprio
consulado, dedica-se à promoção e ao estreitamento das
relações entre certos meios de negócios escoceses e com alguns
congéneres em Portugal continental e na Ilha da Madeira. O
cônsul, que no referido opúsculo se apresenta como comendador,
escreve: «Sob a presidência de Mário Soares, iniciou-se um
vasto programa de privatizações e atrevo-me a prever que
Portugal reemergirá como um dos mais importantes estados no
mundo financeiro de amanhã.»
Além de estúpida, achámos estranha esta declaração e não a
contestámos, aberta e pessoalmente, tal como a deslocada
exibição da fotografia de Mário Soares, devido ao facto de que
estávamos ali integrados na delegação da Federação
Portuguesa de Rugby. De outra maneira, tê-lo-íamos feito
porque o cônsul e o consulado não podem estar ao serviço da
propaganda pessoal de certos políticos filhos de todas as
escolas do ilusionismo.