Escândalos
no Comité Olímpico Internacional
Argolas
da corrupção
Por José Pascoal
O futuro do espanhol Juan António Samaranch à frente do Comité Olímpico Internacional (COI) pode ter sido decidido na reunião, a decorrer desde ontem em Lausana, da distinta sociedade das... argolas, em crise desde o dia em que um respeitável cidadão suíço de 80 anos, jurista, presidente da Federação Internacional de Esqui e membro vitalício do COI, Marc Hodler, pôs em causa a honorabilidade da família olímpica.
Foi ele quem, em
Dezembro do ano passado, denunciou manobras e arranjos que outro
fim não visavam que não fosse o de influenciar o sentido de
voto dos membros do COI encarregados de investigar todo o tipo de
condições exigíveis às cidades candidatas à realização dos
Jogos Olímpicos. Surpreendido com a multiplicação de viaturas
postas ao serviço de tais senhores pela Fiat, com o intutito de
favorecer a candidatura da famosa estância de turismo alpina de
Sestrières, Marc Hodler acabaria por acusar membros da própria família
olímpica de estarem a receber prendas de valor superior ao
limite regulamentado pelo COI fixado em 150 dólares (pouco mais
de 25 contos) e por envolver na prática de corrupção os nomes
de cidades como Salt Lake City, Nagano e Sydney. «Não gosto de
ser membro de um clube que tem má reputação», comentou o
suíço, justificando a denúncia. Juan António Samaranch ainda
tentou colocar-lhe um açaime, anunciando perante numerosos
jornalistas, câmaras de televisão e microfones de rádio que
«será limpo o que tiver de ser», mas, pelos vistos, a limpeza
vai exigir tempo e pode até custar a sua própria cabeça.
Sabe-se hoje que o número de membros do COI beneficiados das
mais diversas maneiras pelas mais diversas candidaturas
ultrapassa a dezena, estando entre eles o próprio Samaranch. As
nuvens negras que pairam hoje sobre a «Villa Olympic», sede do
COI, em Lausana, podem provocar dilúvio arrastando na enxurrada
gente até há bem pouco tempo tido por séria, respeitável e
respeitada. E que o são até prova em contrário, mas cujos
nomes andam já nas bocas do mundo. Um deles, Fernando Lima
Bello, português, engenheiro, representante do COI em Portugal.
Denúncias tardias
A Associação dos
Comités Nacionais Olímpicos (ACNO) vem agora renovar e
reforçar publicamente o seu apoio ao presidente do Comité
Olímpico Internacional, Juan António Samaranch, mas a verdade
é que nada nem ninguém pode garantir que tudo vai ficar como
estava antes das denúncias de Marc Hodler e que, pelos vistos,
só pecam por tardio.
«Há muito que havia elementos suficientes para que elas fossem
feitas antes», comentou o presidente do Comité Olímpico do
Uruguai, Cesar Maglione, indignado por saber que elas afectam
todos os membros do COI. «Uma instituição que pretende ser um
bom exemplo, tem de ser dirigida por pessoas idóneas e apegadas
a altos valores éticos», considera o dirigente uruguaio, certo,
seguramente, como tantas outras pessoas, de que, se há uma
novidade neste escândalo, ela parece ser a de, pela primeira
vez, a corrupção no COI estar oficialmente documentada.
O inquérito mandado instaurar à candidatura de Salt Lake City,
tanto pelas autoridades norte-americanas como pelo próprio COI,
já revelou provas mais do que suficientes e outras, pelo que se
tem lido depois disso, poderão ser encontradas em quase todos os
outros pontos do Globo onde o desejo de receber os Jogos
Olímpicos foi também oficializado.
As benesses são de todo o tipo, desde o sexo às bolsas de
estudo, de tratamento médicos a toda a espécie de prendas.
Coisa de algumas dezenas de milhares de contos, mesmo assim, uns
trocos no gigantesco negócio que é hoje a realização dos
Jogos Olímpicos, sejam eles de Verão ou de Inverno.
Os
homens do presidente
Personalidade
controversa
Juan António
Samaranch, catalão a caminho dos 80 anos e presidente do Comité
Olímpico Internacional desde 1980, é, no mínimo, uma
personalidade controversa.
Protegido de Franco, foi presidente regional da Catalunha, entre
1973 e 1977, mas indesejado pela população daquela região
autónoma de Espanha, que teve de esperar pela morte do ditador
para o ver partir. Mesmo assim, só em 1997.
Como é do conhecimento público, pesa sobre Samaranch a
acusaçãao de ter colaborado com os falangistas. Mesmo assim,
foi embaixador da Espanha democrática em Moscovo e em Ulan
Bator.
Quando chegou ao poder no COI, ou certamente para lá poder
chegar, Samaranch nunca se opôs à política dos antigos estados
socialistas, cuja orientação visava o combate à
comercialização do desporto. Mesmo assim, foi ele quem abriu as
portas dos Jogos Olímpicos ao desporto profissional a aos
grandes negócios com as multinacionais da informação e não
só. Estava-se em 1992, anos dos Jogos Olímpicos de Barcelona,
onde se apresentou o dream-team a selecção
norte-americana de basquetebol. Fosse por isso, ou não, os
catalães receberam-no triunfalmente, como se já se tivesse
esquecido do passado deste homem que também sonhou com o Prémio
Nobel da Paz.
Um ano antes dos Jogos de Barcelona, Samaranch encomendou para o
efeito os serviços de uma agência de imagem. Quem o diz é Bob
Helmick, um norte-americano expulso do COI, por suspeita de
corrupção. O catalão diz que o prémio seria para o Comité
Olímpico Internacional, mas a verdade é que, a ser atribuído,
seria ele quem o receberia. Se o seu nome fosse perpetuado. Por
isso se empenhou, não receando críticas nem condenações, como
as que se seguiram à atribuição da Ordem Olímpica ao
multimilionário japonês Yosihiaki Tsutsumi, a mesma por que
teve de esperar 40 anos o herói dos Jogos Olímpicos de 1936,
Jesse Owens. Tsutsumi é um dos nomes implicados nos escândalos
de corrupção da candidatura de Nagano.
Juan António Samaranch não recebeu o tão desejado prémio, mas
continua a ser alvo das mais altas honrarias, ou não fosse ele o
homem forte de uma das mais poderosas e menos democráticas
organizações mundiais, gerindo um orçamento de muitos
milhões, apoiado por uma corte de servidores, entre os quais se
encontram correligionários como UN Yn Young Kim, antigo agente
dos serviços secretos dos ditadores sul-coreanos Toh Tae Wood e
Chun Doo Hwan, também eles distinguidos com a Ordem Olímpica,
como se não tivesse qualquer tipo de responsabilidade no
massacre de Kwangju, em 1980. Mas da Coreia do Sul veio também
Kun Hee Lee, homem forte da Samsung, condenado como os dois
ditadores. Mas da lista fazem ainda parte outros representantes
de regimes totalitários como o ugandês Francis Nyangweso,
antigo ministro da Defesa do ditador sanguinário Idi Amin, ou
Mohamad Bob Hassan, antigo ministro do ditador Suharto, da
Indonésia.
A seu lado estão também, felizmente, homens sérios, democratas
e gente incorruptível, mas a verdade é que a lista de
representantes que atentam pemanentemente contra os direitos
humanos não se resume àqueles nomes. Poderão representar
regimes mais soft, mas não deixam de ser opressores. E Juan
António Samaranch sabe-o muito bem.