Trabalhadores
da ADtranz/Sorefame recusam os dois por cento
De
migalhas e sacrifícios
se fazem lucros de milhões
Por Domingos Mealha
A maior companhia mundial de construção e reparação de locomotivas, carruagens, vagões, instalações fixas e meios de sinalização de ferrovias demorou mais de um mês para responder ao caderno reivindicativo apresentado pelos trabalhadores da filial portuguesa. No início de Janeiro, reagindo ao protesto e à luta, a administração da ADtranz/Sorefame admitiu dois por cento, valor que ainda mantém.
Indignados por uma
«proposta vinda de Berlim» e que é encarada como uma ofensa,
os trabalhadores persistem na luta. Já fizeram várias
paralisações em Fevereiro, já se manifestaram nas ruas da
Amadora, já foram bater à porta do ministro da Economia, na
terça-feira estiveram em greve.
«A todos é pedido o seu esforço, para que a empresa seja
competitiva, temos que aumentar a produtividade para que o grupo
ADtranz continue a ter na Sorefame a sua imagem de prestígio
internacional a nível de material circulante», relatava a
Comissão Intersindical, na informação que emitiu após a
primeira reunião com a administração, para negociação do
caderno reivindicativo aprovado e entregue no início de
Novembro.
A estas exigências da administração, reclamavam os
representantes dos trabalhadores, deveria corresponder outro
incentivo. «Querem que trabalhemos mais, que prescindamos de
todas as regalias a que temos direito, menos dias de férias, as
diuturnidades se possível devem ser retiradas, etc., etc., em
troca querem baixar-nos o salário», protestava a Comissão
Intersindical, que prontamente apontou o caminho da luta, em
unidade, de «todos os trabalhadores, mesmo aqueles que não
fazem parte do efectivo».
E este é outro facto que aumenta o mau-estar entre o pessoal. É
que, depois de anos seguidos de redução de efectivos, a
administração ainda não se dá por satisfeita e mantém as
pressões para as pré-reformas e rescisões. Dos actuais 700
trabalhadores, prevê que fiquem cerca de 640 no final do ano.
Nas oficinas, os trabalhadores efectivos são menos de 300,
número que já é inferior à quantidade de operários ali
colocados através de empresas de aluguer de mão-de-obra.
Entretanto, há quase duas dezenas de pessoas na famigerada
secção «019», sem qualquer trabalho distribuído e com
insistentes propostas para abdicarem do vínculo à empresa.
Foi o que, ao longo de mais de uma década, fizeram muitos dos
que agora regressam à Sorefame através dos chamados
empreiteiros - os alugadores de mão-de-obra. Foram excluídos,
mas afinal são necessários. Voltam como carpinteiros de
estrutura, como soldadores, como serralheiros. Fazem o que os
trabalhadores da Sorefame sempre, reconhecidamente, souberam
fazer bem. Mas já não têm o vínculo à empresa, são
«cedidos» por empresas de trabalho temporário... Alguns já
levam 6 ou 7 anos de «temporários», com intervalos mais ou
menos prolongados.
Auferem salários-base muito baixos, completados por subsídios e
outras formas de remuneração variável, muitas vezes de valor
igual ao salário ou até superior. Descontam assim menos
dinheiro para a Segurança Social, mas a empresa poupa a dobrar.
Vão ser prejudicados mais tarde, na reforma ou no subsídio de
desemprego. Ganham agora a ilusão de ter um ordenado mais
compensador, mas perdem também os complementos de reforma que
eram pagos pela Sorefame.
Não há crise...
Com o esforço de
efectivos e contratados, a ADtranz Portugal tem apresentado bons
resultados, como reconhece publicamente o próprio presidente.
Para um volume de vendas de 19 milhões de contos, em 1998,
Manuel Norton garante que os resultados «vão ser bons, à
semelhança do que aconteceu em 1997». Na entrevista que deu ao
«Semanário Económico» de 22 de Janeiro, fez um breve rol das
encomendas entregues e dos projectos que estão em curso: o
Metropolitano de Lisboa, as UQEs para a Linha de Sintra, os
comboios pendulares para o percurso Lisboa-Porto, os comboios
para a travessia do Tejo, as locomotivas para a Alemanha, a
reabilitação do ar condicionado das carruagens da Linha de
Sintra. Tem expectativas quanto a concursos lançados para
trabalhos a efectuar em 1999, como os comboios suburbanos do
Porto e da Linha de Cascais (uma obra que vale «30 a 40 milhões
de contos» e «seguramente vai prolongar-se durante a próxima
década», segundo o presidente da ADtranz Portugal), a
reabilitação de 57 unidades da CP. Em 2000 e 2001, dizia Manuel
Norton, «entra em pleno o Metro do Porto, o que leva a que haja
um reforço da facturação», que poderá chegar aos 25 milhões
de contos.
Na altura em que deu a entrevista, o presidente já tinha
recebido a comissão negociadora (é verdade que, primeiro,
passaram algumas semanas sem qualquer resposta ao caderno
reivindicativo e, para que os representantes dos trabalhadores
fossem recebidos por Manuel Norton, tiveram que dirigir-se em
grupo à administração, exigindo o início de negociações).
Quando falou ao «Semanário Económico», o presidente já tinha
ouvido a comissão negociadora dizer, mais uma vez, que os
trabalhadores ganham salários baixos e têm perdido poder de
compra ao longo de vários anos. «Fizemos sentir a
insatisfação reinante entre os trabalhadores, que sentem que o
esforço desenvolvido não tem a devida compensação ao nível
salarial e de valorização de carreiras e esperam que a
administração, para 1999, tenha tal situação em devida
conta».
Quando saiu a entrevista, já a administração presidida por
Manuel Norton tinha apresentado uma proposta de actualização
salarial de dois por cento. A contestação e o protesto foram a
sequência lógica da indignação que causou «esta proposta
ridícula, destituída de qualquer fundamento» e que nem sequer
cobre a inflação prevista pelo Governo. Os trabalhadores
corresponderam ao apelo da comissão intersindical e estão a dar
a devida resposta à administração portuguesa e aos
super-patrões sediados em Berlim. E a verdade é que não se
concretizou a ameaça de processar nos salários de Fevereiro os
malfadados dois por cento. Essa poderia ser uma provocação
demasiado grave.
O Governo deve intervir
Os trabalhadores da
Sorefame não aceitam que o Governo se distancie dos problemas
que vivem na empresa, e por isso se deslocaram ao Centro de
Emprego da Amadora e ao Ministério da Economia. Na moção que
aprovaram, por unanimidade, decidindo entrar em greve dia 4 de
Março para irem à Rua da Horta Seca, lembram que na
ADtranz/Sorefame foram feitos «investimentos de milhões de
contos, pagos com fundos estruturais, ou seja, do erário
público», os quais «tinham como base a modernização da
empresa e a criação de mais postos de trabalho».
Ora, sucede que a multinacional, «mesmo tendo uma grande
carteira de encomendas, não aumentou os postos de trabalho e,
pelo contrário, a sua política é de redução do actual
efectivo». Entretanto, a empresa, «apesar de uma gestão de
esbanjamento de milhares de contos em gastos supérfluos,
continua a ter uma situação económica excelente», pelo que
«não podem ser os trabalhadores, que produzem a riqueza da
empresa e que têm ordenados de miséria, a mais uma vez não
verem aumentados os seus vencimentos em conformidade com a
riqueza produzida».
Em vez de criar postos de trabalho e aproximar os salários
portugueses dos que são praticados noutras unidades do grupo em
países comunitários, a ADtranz preferiu a proliferação de
mão-de-obra alugada. Quando há mais operários contratados
através de empresas intermediárias do que os que constituem o
efectivo da empresa, a Inspecção do Trabalho não pode ficar
indiferente. Se o recurso ao trabalho temporário em larga
escala, ainda por cima, coincide com a manutenção de
trabalhadores da empresa numa prolongada situação de
desocupação, o Governo deve agir - antes que os interesses da
ADtranz acabem por, definitivamente, pôr em risco o futuro da
Sorefame. Não seria a primeira multinacional a deixar em
Portugal instalações vazias, umas centenas de desempregados e
um rombo na economia nacional, para ir procurar poiso num país
que facilite ainda mais a exploração.
Já hoje, ao justificar os miseráveis aumentos salariais que
propõe, a administração da ADTranz Portugal diz que há
mão-de-obra mais barata na Polónia. Mas a unidade da Venda
Nova, como salientaram os membros da comissão intersindical à
nossa reportagem, é suficientemente competitiva noutros
factores, como a especialização dos trabalhadores e os
equipamentos mais avançados. E estes são factores que pesam
muito mais do que os baixos salários na qualidade da produção
e na competitividade dos preços, como o próprio Governo não
deixou ainda de afirmar...
Números de um gigante A ADtranz
surgiu em Janeiro de 1996, como resultado da joint
venture entre dois dos maiores grupos da indústria
mundial: a ABB e a Daimler-Benz. Esta última, já sob o
nome de DaimlerChrysler, adquiriu a participação da
ABB, passando a dominar, a cem por cento, a maior
companhia mundial da indústria ferroviária. Segundo os
dados mais recentes, disponibilizados pela ADtranz, o
grupo tem fábricas em 60 países e possui
representações noutros 40. Emprega 24 mil pessoas em
todo o mundo e teve, em 1997, receitas de aproximadamente
3,3 mil milhões de euros (mais de 670 milhões de
contos). |
Outros casos no
distrito
Em várias empresas
metalúrgicas do distrito de Lisboa os trabalhadores estão em
luta por aumentos salariais e em defesa de direitos e dos postos
de trabalho. Para além da ADtranz/Sorefame, o Sindicato dos
Metalúrgicos destaca, de cerca de 50 empresas onde decorrem
processos de reivindicação, a Casa Hipólito, a Renault Chelas,
o Entreposto de Lisboa e a Opel.
O pessoal da Casa Hipólito decidiu deslocar-se ontem a Lisboa,
para exigir, junto da residência oficial do primeiro-ministro,
que cumpra a promessa de viabilização daquela importante
unidade industrial de Torres Vedras. Exigem também o pagamento
dos salários em atraso.
Para a Renault Chelas, está convocada greve durante a tarde de
amanhã, com concentração à porta da empresa. Os trabalhadores
realizam, também amanhã, um plenário, para analisar formas de
prosseguir a luta pelo aumento dos salários e a redução do
horário de trabalho.
Com um plenário, de manhã, e uma paralisação, durante a
tarde, os trabalhadores do Entreposto de Lisboa completam uma
semana de luta por aumentos salariais e demais pontos do seu
caderno reivindicativo.
Na Opel as possibilidades de desencadear formas de luta foram
analisadas no início desta semana, em plenários de
trabalhadores.
O sindicato, num comunicado em distribuição no sector, refere
que há empresas onde já foram conquistados «aumentos de 6, 7,
8 9 e 10 contos».