Guatemala
EUA cúmplices de genocídio
Documentos norte-americanos até agora mantidos secretos revelam que os EUA foram cúmplices das acções de repressão dos sucessivos governos da Guatemala, nomeadamente no genocídio contra os índios maias.
Esta colaboração já havia sido
denunciada pela Comissão para o Esclarecimento Histórico
guatemalteca no fim de Fevereiro, num relatório que considera
que a estratégia anticomunista dos Estados Unidos desempenhou um
papel importante no processo da guerra e que refere «fortes
pressões» do Governo e de empresas norte-americanas para manter
«a arcaica e injusta estrutura socioeconómica do país».
Estes documentos, publicados pelo El Pais na semana
passada, mostram que tanto Ronald Renan como Bill Clinton tinham
conhecimento da política guatemalteca contra a oposição.
Execuções sumárias e destruição de provas faziam parte das
práticas habituais do governo e dos militares.
A cumplicidade americana remete-nos para 1954, data do golpe de
Estado organizado pela CIA que derrubou o governo democratico e
reformista de Jacob Arbenz. Num relatório entregue ao presidente
Eisenhower, o general James Doolittle escreve: «Não há regras
nesta guerra. As normas do que é uma conduta humana aceitável
não se aplicam aqui.»
Assassinatos em massa
Os EUA sempre acompanharam a
situação na Guatemala. Em 1982, um relatório da CIA afirma que
«em meados de Fevereiro, o exército da Guatemala reforçou a
sua presença no departamento central de El Quiché e lançou uma
operação de limpeza no trinângulo Ixil. Os oficiais à frente
das unidades receberam instruções para destruir todas as
cidades e aldeias que cooperam com a guerrilha do Exército
Guerrilheiro dos Pobres (EGP) e eliminar todas as fontes de
resistência».
«Desde que a operação começou, várias aldeias foram
completamente queimadas e um grande número de guerrilheiros e
colaboradores foram abatidos. Comentário: quando uma patrulha do
exército encontra resistência e é atacada, entende-se que toda
a população é hóstil e, consequentemente, é destruída. O
exército encontrou muitas aldeias abandonadas antes da sua
chegada e parte do princípio que são apoiantes do EGP, pelo que
são destruídas. Há centenas, possivelmente milhares de
refugiados nas colinas sem casas para onde voltar», continua o
documento.
«O exército todavia não encontrou uma grande força
guerrilheira na área. Até ao momento, os seus êxitos parecem
limitar-se à destruição de localidades controladas pelo EGP e
ao assassinato de colaboradores e simpatizantes índios. A bem
documentada crença do exército de que toda a população índia
ixil é favorável ao EGP criou uma situação em que não se
pode esperar que (o governo) dê a menor trégua aos combates e
aos não combatentes», conclui a CIA.
Em 1994, já durante a presidência de Bill Clinton, um
relatório secreto do Departamento de Defesa norte-americano
informa que um «número indeterminado» de antigos guerrilheiros
da União Revolucionária Nacional da Guatemala haviam sido
recrutados pelo exército. «Os que se negam a integrar são
executados de modo sumário e enterrados em caixões sem
identificação. Esta técnica foi utilizada pelo exército da
Guatemala desde o começo do conflito e continua a ser utilizada
hoje, ainda que o exército reconheça que este é uma nova
era», acrescenta.
Outro dos temas focados pelo documento é o facto de o exército
não fazer prisioneiros de guerra. «Todos os guerrilheiros
capturados, com excepção daqueles que são utilizados com
propósitos propagandísticos, são interrogados e na maioria dos
casos assassinados e queimados». O relatório refere ainda que
as autoridades procedem à destruição de provas.
Em 1981, o
embaixador norte-americano na Guatemala, Frederick L.
Chapin, recomenda a Reagan a instituição de um programa
de ajuda ao exército guatemalteco por «questões de
segurança nacional». |
Guerrilha pede perdão
A Unidade
Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG) pediu perdão às
vítimas das suas acções guerrilheiras cometidas durante a
guerra civil.
«Com profunda dor e humildade pedimos perdão à memória das
vítimas, aos seus familiares e às comunidades que sofreram
danos irreparáveis, injustiças e ofensas devido a
irresponsabilidade cometidas pelas forças da URNG», disse Jorge
Soto, líder da antiga guerrilha, numa conferência de imprensa
realizada na sexta-feira.
«Nunca foi o propósito nem a estratégia (da URNG) fazer mal à
população civil», afirmou Soto, lamentando os casos em que se
cometeram acções à margem dos princípios revolucionários.
De acordo com o relatório da Comissão para o Esclarecimento
Histórico, 32 dos 669 massacres ocorridos na Guatemala durante o
conflito foram cometidos pela guerrilha, bem como três por cento
das violações dos direitos humanos. O restante é imputado ao
exército e a grupos paramilitares de direita.
O URNG pretende assumir a responsabilidade «que nos corresponde
que, por erro ou descontrolo dos acontecimentos, ultrapassaram a
nossa vontade», mas não esquece «a vergonhosa intervenção
estrangeira nas injustas estruturas sociais, na aberrante
exclusão e no irracional racismo».