Alemanha
Grande capital força demissão de Lafontaine


A subida espectacular do DAX na bolsa de Francfort e o júbilo do grande capital após a demissão do incómodo ministro das Finanças do Governo de Bona, Lafontaine, de todos os cargos políticos e partidários assumiu aspectos tão descarados que o próprio ex-presidente do SPD, para salvar a face da social-democracia, se viu obrigado a emergir do silêncio e a declarar, pouco convencido, que o partido ainda não era «negociável na bolsa».

O grande capital não perdoou ao ex-ministro das Finanças ter apoiado os novos aumentos salariais de 3 a 4 por cento obtidos pela luta dos sindicatos dos metalúrgicos e da função pública após tantos anos de contenção salarial e de desmontagem dos direitos sociais e do trabalho com o pleno consentimento da social-democracia. A vingança do capital, obtida após uma campanha chantagista sem precedentes, de cariz totalitário, com a ajuda dos meios de comunicação social públicos e privados, teve por objectivo reduzir a cinzas o sentido do voto expresso há seis meses nas eleições para a Bundestag pelo povo alemão e que exprimiu claramente a vontade dos eleitores de uma mudança de rumo em relação ao descalabro social do Governo de Helmut Kohl. O publicista Friederich Schlemer - na ARD e em resposta ao presidente da federação patronal Hundt - desmascarava a «gritaria histérica do capital quando os lucros acabam de subir mais de 50 por cento», concluindo que «se já não são os políticos que governam mas é a economia que detém o poder, então o patronato que não se esconda atrás dos partidos políticos mas tome directamente conta do Governo». Entretanto, o secretário-geral do SPD, Franz Müntefering, lá ía timidamente constatando que «a economia existe para servir as pessoas e não ao contrário, as pessoas para servir a economia». As ameaças do capital financeiro, dos bancos, das companhias de seguros e dos monopólios da indústria energética e atómica de não se sujeitarem às leis da República e de transferirem as suas sedes para o estrangeiro para fugirem ao pagamento de impostos, têm sido diariamente sustentadas na TV, na rádio e nos jornais por uma chusma de comentadores e propagandistas pagos a peso de ouro pelo capital privado e pelos dinheiros públicos, os quais, com uma unanimidade agressiva, procuram aterrorizar o povo alemão e demonizar os sindicatos e a actual reforma fiscal proposta pelo ex-ministro das Finanças e já aprovada pelo Bundestag. Há poucos anos o capital fugia em pânico sempre que vingava uma revolução, mas hoje basta-lhe ouvir falar de aumentos de salários para fazer as malas e abalar. Mas Oskar Lafontaine, que em 1995, no congresso do SPD em Manheim, com a célebre frase de que «ainda existiam ideais pelos quais a social-democracia se podia entusiasmar» provocou a revolta dos delegados contra o então presidente do partido, o militarista Scharping (hoje um ministro da Defesa orgulhoso por as tropas alemãs poderem actuar no Kosovo), nem sequer é um revolucionário que lute pela superação do capitalismo. Como bom social-democrata mantém a ilusão da existência de um capitalismo caritativo e generoso. O Napoleão do rio Saar, como costuma ser designado pela democracia-cristã, apoiou o euro, Maastricht e Amesterdão, convencido de que era a melhor maneira de criar o Estado social europeu e fazer frente ao capitalismo americano, mas acabou por secumbir às mãos do capital germânico e do Banco Central Europeu que não suportavam a sua exigência de abaixamento da taxa de juro.

Quem manda

A reacção entusiástica de Duisenberg, o presidente do Banco Central imposto por Helmut Kohl, à nomeação do novo ministro das Finanças, o social-democrata Hans Eichel que ele «tão bem conhece e admira», mostra claramente que é todo o capital europeu que não aceita discordâncias nem opiniões diferentes quando se trata de orientações políticas que não vão no sentido dos seus interesses neoliberais, mesmo quando legitimadas pelo veredicto popular. Após três dias de absoluto silêncio, Lafontaine justificou a sua demissão com a falta de espírito de equipa existente no seio do Governo, numa referência às críticas do chanceler à política do Ministério das Finanças e do ministro ecologista Trittin, expressas em frases como «é preciso pôr fim à política de picadelas contra o patronato», ou de que era necessário no Governo «mais Fischer e menos Trittin». Com a substituição de Lafontaine no cargo de presidente do SPD por Gerard Schröder, o Tony Blair alemão que sempre desejou uma aliança com a democracia-cristã ou o FDP, o chanceler ficou com as mãos livres para executar o que os eleitores lhe haviam negado nas urnas em Outubro último ao elegerem pela primeira vez na história da Alemanha Federal uma maioria parlamentar e governamental sem a CDU nem os Liberais. A demissão-afastamento de Lafontaine mostra claramente que o tempo não é de colaboração com o grande capital, mas de resistência. O candidato do PS às eleições para o Parlamento Europeu, Mário Soares, tem razão quando, parafraseando sofia de Mello Breyner e a "Cantata da Paz", afirma «vemos ouvimos e lemos não podemos ignorar»; só que devia acrescentar «não podemos ignorar» que no momento em que vivemos quem de facto manda nesta «democracia» não é o povo, não são os eleitores, mas o poder económico.


«Avante!» Nº 1320 - 18.Março.1999