Motes &
Voltas
Onde
está a direita?
O Presidente francês Jaques Chirac, de
visita ao Porto, fez, no Teatro de S. João, um discurso sobre
"A diversidade da Europa na Cultura".O tema e o
oficiante justificavam curiosidade. Sendo Presidente de um País
com um governo onde coabitam diferentes forças de esquerda,
Chirac tem sido um dos mais aguerridos e consequentes líderes da
direita francesa. A expectativa resultava de um natural interesse
em conhecer o discurso de um dirigente da direita "moderna,
europeia, democrática", que não estaria vinculado, pela
peculiaridade do sistema constitucional francês, à obrigação
de reproduzir o discurso do governo nesta matéria.
Ora, a intervenção de Chirac, calorosamente aplaudida, assumiu
alguns valores que têm pertencido ao património da esquerda.
Defendeu a língua como "nossa primeira casa", o
multilinguismo a par da identidade nacional, o papel do Estado em
estimular a "liberdade de pensar e criar",
pronunciou-se firmemente contra as imposições norte-americanas,
declarando que "a França não cederá" e até já se
retirou das negociações do AMI (Acordo Multinacional de
Investimentos), considerou que a ideia de nação "continua
vigorosa e é inseparável da relação com a cultura e a
língua" e citou André Malraux para defender que "as
chaves do tesouro" da arte e do pensamento sejam entregues
à grande maioria. E conclamou: "que continue a grande
miscigenação de ideias e de homens".
Mesmo lido no contexto de uma recorrente demarcação da França
relativamente aos Estados Unidos, que vem dos tempos do General
De Gaulle, e considerando que repete algumas formulações do
Parecer do Comité das Regiões sobre Cultura (Bruxelas, 11/98),
o discurso tem significado, e contrasta com a tibieza e cuidados
retóricos dos nossos governantes.
Não chegou a surpreender, mas não deixa de oferecer um
interessante motivo de reflexão, que se cruza com a pergunta que
alguns jornalistas andam a fazer, desde há várias semanas, em
jornais portugueses (vd Público de 31/1) e de outros
países europeus: Onde está a direita?
Não se trata da extrema-direita assumidamente racista,
xenófoba, herdeira dos fascismos, mas da direita conservadora,
tradicional, que tem ocupado os governos da Europa Ocidental na
maioria dos anos desde a 2ª Guerra Mundial, historicamente
defensora dos interesses de classe, do capitalismo liberal com
mais ou menos tintas autoritárias.
Essa direita mais atlantista que europeísta, defensora da
expansão da Nato, colonizadora quanto possa, monetarista,
mercantilista, que se impõe como tarefa histórica e acto de
modernidade a desconstrução do "Estado Providência",
dócil aos interesses dos grandes grupos financeiros, e que não
sabe o que fazer com o ditador Pinochet, dividida entre os
valores democráticos de que se reclama defensora e a secreta
gratidão por ele ter feito o trabalho sujo de livrar o Chile dos
marxistas, apesar de sufragados por eleições livres.
Essa direita, a crer nas análises dalguns jornalistas, teria
sido varrida dos governos da maioria dos países da União
Europeia, com a excepção maior da Espanha. Mas, mesmo aqui, o
Partido de Aznar decidiu, no seu último Congresso "Virar ao
centro", o que lhe terá valido já enormes subidas nas
sondagens.
A direita, como tal, tornou-se impopular, em época de desemprego
ou emprego precário e de crescentes desigualdades sociais, e os
seus dirigentes fazem a "política possível". Como à
esquerda, algumas transferências para os partidos socialistas
que agora governam se pretendem explicar pela "política
possível".
Edifica-se um enorme "centrão", dotado de uma enorme
força centrípeta, que produz um discurso cada vez mais
hipócrita, postiço, desligado da acção concreta dos
protagonistas, mas simpático, optimista, afirmativo, feito ao
gosto dos ouvidos dos eleitores. Há mil e um conselheiros de marketing
a soprar as "frases certas", os slogans
mágicos, como podendo operar o milagre da multiplicação dos
votos.
Como a "paixão pela educação", que Guterres
compartilhou com o seu correligionário Tony Blair.
Vivemos uma época de afectos recalcados e por isso a moda vai
com as paixões.
Marcelo queria a paixão pela Saúde mas Guterres, no Congresso,
bradou mais alto a Saúde pertence-lhe! Marcelo já tinha
outra paixão em carteira: a paixão pela Justiça.
Ficará então cada um com a sua dama. A educação fica para
trás, nos braços de Grilo, por sua vez a braços com os lobbies
privados e alguns escândalos de permeio.
O discurso deste enorme centrão português e europeu
torna-se fastidioso.
O PSD de Marcelo, com Portas à ilharga, acusa o PS de Guterres
no governo, das mesmas malfeitorias, da mesma arrogância, que
este último acusava o PSD de Cavaco, numa simetria com poucas
variantes. Há um discurso monocórdico sobre o emprego, a
solidariedade, a exclusão social, com mais ou menos ênfase e
empolgamento, mas sempre vago, sem qualquer solução prática.
Como a crise se aprofunda, sob uma capa de aparente normalidade
social e prosperidade económica, este discurso político
tenderá a desacreditar-se por si próprio.
Mas há uma esquerda que resiste a este processo de
domesticação em curso e neste tempo e neste lugar não desiste
de construir uma via alternativa. O que implica atenção às
contradições que vão despontando, estender as mãos aos que
partilham das mesmas preocupações, ensaiar caminhos comuns, sem
preconceitos.
Onde está a direita, era a pergunta.
Os partidos de direita têm sofrido derrotas mas não foi
derrotada a política de direita. Esta continua, na lógica dos
interesses do grande capital financeiro, a condicionar e a
determinar a orientação dos governos. Apesar das roupagens de
esquerda. Jorge Sarabando