Abertura da caça...


Terá de considerar-se natural que qualquer partido, à aproximação de eleições, promova análises políticas, apresente propostas e faça promessas políticas, mesmo quando estas mereçam a acusação, por parte de forças adversas ou de sectores da sociedade, de serem enganadoras ou demagógicas. E deste ponto de vista, a transformação do congresso de um partido num bem programado acto de propaganda eleitoral - como aconteceu com o congresso do PS no passado fim de semana - pode ser merecedora de juízos críticos, mas é sem dúvida uma opção partidária inquestionavelmente legítima.

Mas será igualmente legítimo que o Governo, no exercício das suas funções - cumprindo melhor ou pior o programa que apresentou na Assembleia da República para o período normal da legislatura - se assuma como activo promitente para a legislatura seguinte e se disponha a negociar e a celebrar acordos com esse exclusivo horizonte temporal? É evidente que não.

Vem isto a propósito do documento que o Secretário de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa entregou recentemente às organizações sindicais da Administração Pública, a propor a negociação de uma "plataforma de actuação a concretizar num horizonte de quatro a cinco anos" sobre os problemas do sector, cujas reuniões de trabalho se deveriam "iniciar no mês de Julho" e "terminar impreterivelmente no final de Outubro" (sic !).
Pergunta imediata: para que serviriam as eleições legislativas se todos os sectores governativos repetissem a esperteza (pouco democrática) deste Secretário de Estado?

Acresce que este Sr. Secretário de Estado, certamente por duvidar que a inteligência esteja distribuída por todos os seus concidadãos, aparece a justificar a sua iniciativa de final de mandato com a afirmação de que pretende "ultrapassar entorses e estrangulamentos que o actual sistema (de carreiras na Administração Pública) comporta".
Precisou então de três anos e meio para reconhecer esta tão grave evidência? E após uma tão longa incubação, a perspectiva de concretização que apresenta é a quatro ou cinco (sic) anos, isto é, mesmo para além do final da próxima legislatura? Um verdadeiro artista!

Caçadores destes que com uma cajadada pretendem apanhar dois coelhos - alijar responsabilidades pelo que não fizeram e "reciclar" problemas não resolvidos sob a forma de promessas - vão aparecer muitos nos próximos meses.
Como a caça ao voto abriu visivelmente mais cedo este ano, isto significa que não se deve demorar a alertar os eleitores mais distraídos. — Edgar Correia


«Avante!» Nº 1315 - 11.Fevereiro.1999