Morrer
a construir
não é humano
A situação
existente nas obras públicas portuguesas aumenta a probabilidade
de acidentes de trabalho, uma vez que as obras não estão a ser
planeadas e calendarizadas segundo especificações técnicas,
mas sim por vontades eleitorais e políticas.
A acusação é do Sindicato dos Trabalhadores da Construção,
Madeiras, Mármores, Pedreiras, Cerâmica e Materiais de
Construção do Norte e Viseu, que na semana passada divulgou em
conferência de imprensa um documento, que a seguir se reproduz,
sobre a situação que se vive no sector.
O Estado tem exigido
dos empreiteiros, e estes aos seus trabalhadores, o cumprimento
de prazos que em tudo contrariam o bom decorrer das empreitadas,
ou será que obras com um prazo técnico de sete meses serão
construídas com a qualidade e segurança exigidas em quatro
meses? No entanto, é esta a situação criada pelo Governo ao
exigir a conclusão e entrega das mesmas em datas-chave para os
seus interesses, muitos deles bem longe dos interesses
económicos e sociais que deveriam presidir ao planeamento de
obras públicas.
Foi assim na Cimeira Ibero-Americana, foi assim nas últimas vias
rodoviárias, é quase sempre assim em todas as obras públicas.
Sucede que para serem cumpridos estes prazos os empreiteiros
exigem aos trabalhadores jornadas de trabalho diárias de 10
horas, no mínimo, a execução de tarefas em condições de
insergurança latentes e os resultados estão à vista de todos.
«Com as pressas» muitos processos técnicos rotineiros de
segurança são esquecidos, abrem-se valas e fundações sem o
devido escoramento, realizam-se trabalhos em altura sem o
necessário cinto de segurança e, assim, quase todas as obras
públicas têm sido manchadas com acidentes de maior ou menor
dimensão.
A cruzada contra a sinistralidade tem de envolver todos os
interessados e o Governo não se pode alhear do seu papel, que
hoje é tudo menos pedagógico, devido a interesses políticos,
exigindo a conclusão de empreitadas em tempo inferior ao
recomendável para uma boa execução técnica e em segurança.
Também a Inspecção Geral do Trabalho continua a não cumprir
correctamente o seu papel, como ficou demonstrado no acidente
ocorrido na construção de uma ponte de IP4, em Ribeira do
Porto. Para além dos problemas técnicos, o inspector, sr. Pedro
Bernardo, não verificou que a empresa não possui uma Comissão
de Higiene e Segurança conforme determina o CCTV para o sector.
Também os acidentes recentemente ocorridos em Lisboa e em Leça
da Palmeira se deveram a graves faltas de segurança, que
poderiam ter sido evitados se a IGT materializasse a proposta da
Comissão Tripartida feita pelo Sindicato, proposta essa que
evitaria muitos acidentes, mortais ou não. Como pode, assim, a
IGT desempenhar cabalmente as suas funções, estando fechada a
propostas que visam melhorar o nível de segurança no sector?
Os responsáveis de certas autarquias, como o vereador da
CMMatosinhos sr. Manuel Seabra , não podem querer
abafar ou minimizar o comportamento de certos empreiteiros,
proferindo afirmações sobre «passados inatacáveis» de
patrões que pelo não cumprimento das normas de segurança
mataram um trabalhador. Usando os chavões jurídicos, «todos
são inocentes até prova em contrário» e nestes casos, o
acidente mortal é a prova em contrário.
Consideramos que a alteração desta situação passa pela
acção pedagógica que crie a cultura de segurança-base que
falta. Assim, foram efectuadas durante o mês de Janeiro/99
dezenas de reuniões com parceiros sociais do sector, como a
Soares da Costa, Engil, Mota e Companhia, Novopca, A. Mesquita,
Somague, etc., que demonstraram o maior interesse em criar a
Comissão de Higiene e Segurança ou melhorar a já existente.
Foi bastante importante, nestas reuniões, aprofundar as ideias
nesta matéria, pois só com a colaboração de todos se poderá
dignificar e moralizar um sector em que a concorrência desleal
está a fazer diminuir a qualidade e aumentar o índice de
sinistralidade. Quase todos foram unânimes em considerar que os
subempreiteiros clandestinos estão a desregulamentar o sector e
em considerar a utilidade de uma comissão conjunta do Sindicato,
associação patronal e IGT para fiscalizar as condições de
segurança das obras nas suas diversas fases.
Pelo trabalho com direitos
Só será possível
dignificar o sector com trabalhadores qualificados, conhecedores
das técnicas e tecnologias usadas e a quem seja fornecida
formação contínua, pois só assim será garantida a qualidade
das construções. É óbvio que esta qualidade também passa por
melhores remunerações que estimulem a produção, pois não é
pagando 80 contos a um oficial qualificado, quando o mesmo
profissional na Alemanha ganha 400 contos, que este se sentirá
motivado para produzir com qualidade.
No entanto, empresas como a Ferseque, a Visabeira, a Edifer
demonstraram não estar dispostas a alterar esta situação
dramática, pois recusaram-se a dialogar connosco nesta matéria
como em muitas coisas. Nas obras destas empresas recorre-se ao
trabalho sem direitos, em que o trabalhador em algumas
situações nem seguro tem, isto é, recorre-se ao trabalho
clandestino. Desta forma, não será possível moralizar o
sector, pois além de desregulamentar as relações de trabalho
desregulamenta também as regras concorrenciais, levando a que
hoje o sector seja uma selva sem lei. Estas empresas para
realizar as suas obras recorrem a mais de 80% de mão-de-obra
clandestina.
Mais uma vez a Inspecção Geral do Trabalho se tem mantido à
margem, pois, contrariando o interesse dos parceiros sociais,
continua contra a criação da Comissão Tripartida e a não
obrigar à criação da Comissão de Higiene e Segurança
prevista na cláusula 57.ª do CCTV para o sector.
A própria penalização dos incumpridores deverá ser
modificada, devendo, em caso de morte dos trabalhadores por falta
de condições de segurança, o empreiteiro ser condenado por
homicídio ou ficar suspenso da actividade durante, pelo menos,
cinco anos, pois não é com as coimas que o ministro Ferro
Rodrigues pretende impor que se irá modificar a situação do
sector.
O próprio Presidente da República, bem como os partidos
políticos, manifestou as suas preocupações quanto a esta
matéria, prometendo diligenciar no sentido da sua alteração.
Com bom senso muito poderá ser feito, através do fim do
trabalho clandestino, da diminuição das jornadas de trabalho,
da aplicação das cláusulas de segurança do CCTV, da
formação dos trabalhadores do sector e da actuação do Estado
no sentido de melhorar, e não piorar, o estado da segurança no
sector da Construção Civil e Obras Públicas.